Desta vez, não há um comentário
contrariante. Como que formando um todo em “hino” exaltador - dos espaços, das pessoas,
das comidas… De pé atrás contra as desconsiderações de que são alvo – pela anedota
sobre a inacção, pelo abandono dos projectos de reparações ou construções que
se não fazem ou se eternizam, propostos pelo governo central - mas conscientes
das coisas boas que têm – os espaços, as planuras, os sobreiros, os trigos, o
pão alentejano - e o seu “cante”, que traduz bem esses jeitos cansados, pelas
vozes que se sobrepõem como ondas sonoras repercutindo-se na lentidão de uma
postura altiva e serena, muito do povo alentejano. O amor pelo Alentejo é notório, em todos os que comentam,
como no magnífico texto de Carmem
Garcia, sereno e lúcido e educadamente irónico ou reprovador.
Mas ouçamos “O meu Alentejo” de Luís
Piçarra, com a sua maravilhosa voz de tenor, tão expressiva desse amor e
saudade que todos aparentam sentir - bem diferente o descritivo do da subida
para a nortenha Tormes, com os “espertos regatinhos” que “fugiam rindo com
os seixos de entre as patas da égua e do burro”, em “A Cidade e as Serras”:
“Abalei
de Alentejo
Olhei
para trás chorando
Alentejo
da minha alma
Tão longe me vais ficando…
Quem quer viver no Alentejo?
Dizem os especialistas que é difícil
fixar pessoas aqui. E nós acreditamos porque os números não mentem. Continuamos
a ser uma região pobre, das mais pobres da Europa, e sempre que ouvimos falar
em descentralização e investimento no interior rimos para dentro e pensamos
“têm piada, estes moços de Lisboa”.
CARMEN GARCIA
PÚBLICO, 16 de Dezembro de 2020
"Temos
azeite e cortiça. Mas também temos 22% da população em risco de pobreza ou
exclusão social" DIOGO VENTURA
Somos
Alentejanos. Aqui onde vivemos o mar é feito do trigo que, mais tarde, vai
ser transformado no melhor pão do mundo. Gostamos de acompanhar esse pão
com o queijo feito com o leite das nossas ovelhas ou com umas rodelas de
linguiça assada (chouriço é uma coisa diferente e aqui ninguém os confunde).
Empurramos com um copo de vinho, quase sempre tinto, para “desembaçar”. Temos
azeite e cortiça. Mas também temos 22% da população em risco de pobreza
ou exclusão social (dados do INE relativos a 2018).
E
se é verdade que temos praias incríveis, um pôr-do-sol invejável e um céu
estrelado que atrai turistas, também é verdade que quem aqui reside viu a
A6, que liga a Marateca ao Caia e que passa por Vendas Novas, Montemor-o-Novo,
Évora, Estremoz e Elvas, ficar de fora dos descontos às taxas de portagem que o
Governo aprovou para o interior. Viajar de comboio também já foi melhor opção
por estes lados, acreditem. E se estão a pensar “pois, mas vocês até têm um
aeroporto em Beja” deixem-me responder-vos que não é por estarmos
habituados a piadas sobre nós desde que nascemos que achamos graça a essa.
Ainda
assim somos boa gente, povo pacífico com o cante no sangue e que responde no
gerúndio à costumeira pergunta do “então, como é que isso vai?”. O nosso “vai-se
andando” chega a ser poético. E por acaso é bom que, além de poético, seja
literal. É que se não estivermos no mínimo “mais ou menos” as coisas não são
fáceis para nós. Ao longo dos últimos anos os hospitais de Beja e
Portalegre foram perdendo cada vez mais valências e o grande hospital
central de Évora, apresentado com pompa e circunstância por José Sócrates em
2009 (ano, obviamente, de eleições legislativas), ainda não viu ser colocada a
primeira pedra. Acho que já não há um único alentejano que, ao ouvir falar
neste novo hospital, não encolha os ombros em resposta e solte um “só
vendo” ao melhor estilo de S. Tomé.
Até
as nossas crianças foram recentemente relegadas ao estatuto de portugueses
de segunda com a conversão da urgência pediátrica de Évora em balcão de
atendimento de pediatria. E esta aparentemente inofensiva mudança deixou
três distritos sem a garantia legal de que, em casos graves, haverá na região
um pediatra treinado em suporte avançado de vida para as receber.
Dizem
os especialistas que é difícil fixar pessoas aqui. E nós acreditamos porque os
números não mentem. Continuamos a ser uma região pobre, das mais pobres da
Europa, e sempre que ouvimos falar em descentralização e investimento no
interior rimos para dentro e pensamos “têm piada, estes moços de Lisboa”.Mas
acreditar não significa compreender e muito menos aceitar.
Há
uns dias chovia que Deus a dava e, no caminho para casa, apanhei a estrada
cortada por um rebanho de ovelhas. Tirei uma fotografia e fiz a elementar
piada do “mal começa a chuva começam os congestionamentos no trânsito”. Mas
depois pensei nos milhares de pessoas que passam horas diárias em filas, que
vivem num stress permanente e que não
percebem como é para nós tão simples dizer que 20 quilómetros de distância são
“já ali”.
E
duvido que essas pessoas não gostassem de viver aqui, nas nossas casas pintadas
de branco com barras azuis e amarelas, que não gostassem de passear nos nossos
campos de papoilas, malmequeres e alecrim na Primavera, que não gostassem da
Quinta-feira da Ascensão e do borrego de Páscoa no campo.
Alguém me quer mesmo fazer crer que é
possível resistir à nossa sopa de tomate, às nossas açordas e às migas com
carne de porco preto? E aos nossos doces? E tapete? Alguém no seu juízo
perfeito, com os incentivos certos e com as oportunidades devidas, escolheria
não viver aqui e perder a oportunidade de ouvir o canto das cigarras e de
respirar todos os dias o melhor ar do mundo nas planícies a perder de vista?
Não acredito.
Não
acredito porque aqui temos tudo para ser o lugar feliz de quem nos escolhe.
Assim o queira o poder central, assim o entendam os sucessivos governos. O
Alentejo tem magia. Ofereçam-nos oportunidades reais, tenham-nos
verdadeiramente em conta no processo de descentralização e verão se fixamos ou
não quem nos escolhe. Olhem para nós com olhos de ver e talvez um dia escutem
na voz dos filhos do que chegam de fora o gerúndio mais que perfeito que nos
faz cantar até quando dizemos bom dia.
Enfermeira,
autora de A Mãe Imperfeita
COMENTÁRIOS:
Gualter
Cabral EXPERIENTE: Quando se fala no Alentejo (e eu sou alentejano), não
o pintem com cores edílicas. Nem os alentejanos, como alguns gostariam, foram
os escolhidos por Deus Pai que levou os reis magos a seguir a estrelinha.
Também, não é a terra dos chaparros onde os que mexem são alentejanos. A
virtude está no meio, como manda o cânone ou, na linguagem popular " nem
tudo à terra nem tudo ao mar". " O deixa andar", atribuído à
ronceirice - não se sabe se é feitio ou defeito - mas que não é bom, não é.
Assim, as obras levam eternidades, como o Alqueva e o Hospital de Évora que
só é falado nas eleições. Por isso estamos "esperando" (no
gerúndio) abdicando do presente mais que perfeito. Rita Cunha
Neves INICIANTE: Que emoção, porra! Armando Heleno EXPERIENTE: (continuando). E as pessoas, com aquele seu lado
sério, expressando certeza, muito directas e práticas nos seus dizeres: nada
de submissões ou adornos ao visitante. Das tascas e restaurantes, meu
Deus, que cheiros e sabores únicos, que novidades e prazeres recebo, dados
sobretudo por aqueles revolucionários coentros, aquela erva mágica, que
experimentei pela primeira vez em Vila Viçosa. Conheci-os tarde, mas foi
uma alegria e satisfação enorme. Ainda hoje alegram as minhas refeições. A
fechar, e com chave de ouro, o outro Alentejo, requintado e de beleza
sem-par: as pousadas, que têm lá a sua coutada, sobretudo as históricas. Bem
podia ser numa delas, o último dia do mundo! Armando Heleno EXPERIENTE : Quando se trata de Alentejo, quase deliro com tudo
aquilo que de a Carmen Garcia fala e eu reforço. Aquele mudar de mundo,
naquela serenidade e inacção. Aquela calmaria de paisagem com as árvores
mais belas do mundo, aqueles belíssimos sobreiros, sem pressa, a darem o seu
contributo decisivo através do seu fruto, na elaboração do melhor presunto do
mundo. E nem só. A serem igualmente cruciais com a sua roupagem, a fazer
de nós portugueses os principais do mundo na matéria, a procurada cortiça, que
acompanha os melhores champagnes do mundo! O tipo das casas e sua cor
branca, naquela simplicidade arrebatadora, com as famosíssimas listas azuis ou
amarelo torrado, nos umbrais de portas e janelas num final único. Um assombro
ao nosso olhar, com a novidade de serem pintadas muitas vezes, pelas donas FzD INFLUENTE: Nunca
reparou nas azinheiras?... Pepe iLegal MODERADOR: Numa
vida passada devo ter sido alentejano pois tenho uma paixão avassaladora por
essa região, seja na costa, seja no interior. Tivesse eu condições de trabalho
pelo Alentejo e mudava-me já de malas e bagagem, mas, quem sabe, quando chegar
a reforma! Armando Heleno EXPERIENTE: o seu comentário podia bem ser o meu, com a diferença
de estar recentemente reformado. No entanto, já avisei a Madame que nunca se
sabe se acabarei por aqui (Bairrada) os meus dias. A paixão pelo Alentejo, o
meu querido Alentejo, fala mais alto. Vamos aguardar. Nas férias, pelo menos,
variamos todos os anos: sempre no Alentejo... Sandra. MODERADOR: Olhem,
vão lá para o pé de Avis, que aquilo é bem lindo, ai se é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário