domingo, 6 de dezembro de 2020

Que havemos de fazer?


Um artigo de Alberto Gonçalves com acima de duas centenas de comentários, julgo que a maioria de teor laudatório, que despertou o tema, como sempre visando o governo e um povo passivo que se deixa manipular, a caminho da destruição.

Um jugoslavo num país de mansos /premium

Ao que parece, o sr. Ljubomir não é manso, e se um quinto dos portugueses em risco de indigência o imitassem, a impunidade do dr. Costa não seria tão plena, nem a indigência tão certa.

ALBERTO GONÇALVES

OBSERVADOR, 05 dez 2020

Se as vestes dos fiéis ainda não se tinham rasgado por inteiro, acabaram em farrapos quando o cozinheiro Ljubomir Stanisic, que eu nem conhecia, comparou António Costa a Slobodan Milosevic. Ninguém concedeu ao sr. Ljubomir o benefício da dúvida “metafórica”, que há dias permitiu que um dirigente anti-racista apelasse repetidamente à morte do “homem branco” sem consequências penais e sociais. Ninguém lembrou o direito à opinião, que nos dias da “troika” levou Mário Soares a assinar um artigo em que comparava Pedro Passos Coelho a Hitler e a Mussolini – e toda a gente achou a equivalência admissível e até pertinente. Aliás, nos idos de 2013 era quase intolerável designar Pedro Passos Coelho por qualquer coisa abaixo de “fascista” ou, nos momentos de simpatia, “Salazar”. E não vale a pena notar o que por aí se dizia e diz impunemente de determinados estadistas remotos, da sra. Merkel, a Bruxa Nazi, ao sr. Trump, o Belzebu em carne e osso.

Não foram os tempos que mudaram, foram os protagonistas. Hoje, o sr. Ljubomir não pode chamar ditador ao dr. Costa pelo critério que impede um transeunte de lhe chamar palhaço sem ser admoestado pela repórter televisiva, intrépida a defender o emprego e a envergonhar a profissão. Nas sociedades livres, é assim: o Grande Líder não é criticável. Ou então é criticado com tantas cautelas e respeitinho que a crítica se assemelha a um louvor, e o crítico a um devoto. É o género, assaz praticado pelo “comentariado” vigente: “O dr. Costa, que é bondoso e sábio e competente, esteve um bocadinho mal nesta questão, erro que, estou seguro, a bondade, a sabedoria e a competência dele corrigirão sem demora.”

PUBLICIDADE

A verdade é que o sr. Ljubomir não precisava de ter feito a comparação a Milosevic para suscitar o ódio dos serviçais do regime. O regime sentenciou-o no momento em que, perante as sucessivas medidas de aniquilação da economia e de incontáveis vidas a pretexto da Covid, o sr. Ljubomir não se ficou. Milhões de portugueses, nados e criados por cá, ficam-se. Uns porque supõem que o salário, como a presbiopia, é garantido. Outros porque não têm noção. E os restantes porque têm medo. O sr. Ljubomir, que não é o português típico, não teve medo. Quase sozinho, e presumivelmente com uma situação material que o dispensaria de maçadas, decidiu maçar-se e recusar a criminosa arbitrariedade a que o país desceu. À revelia de associações, sindicatos e seitas afins, o sr. Ljubomir deu a cara e o nome por um processo que lhe trará menos alegrias do que represálias. A caça já começou: além da fúria xenófoba nas “redes”, ontem um diário informou que o “chef” subornara a polícia com vinho para furar o “confinamento” – uma transgressão hedionda na pátria do “eng. Sócrates” e motivo de sobra para a acusação do Ministério Público. O sr. Ljubomir não é nenhum mártir, mas um homem, num lugar e numa época em que os homens escasseiam.

O lugar e a época estão propícios a espécimes diferentes. Não é a primeira vez que os vejo. Uma ocasião, há alguns anos, passei boa parte da noite a seguir um programa de “debate” na televisão venezuelana. Terminei algures entre o fascínio e a náusea. Todos os convidados, sem excepção, exaltavam as virtudes do mandarim local. Sobretudo, todos se riam da impotência dos opositores, que desqualificavam nas atitudes e no carácter. Foi um serão instrutivo sobre a violência do poder discricionário. Actualmente, tal educação não obriga a recorrer aos despotismos caribenhos: os nossos “debates” não se distinguem daquele. Ou distinguem, dado que a quadrilha que manda na Venezuela sempre dispõe de oposição, resistência, multidões nas ruas. Os portugueses com voz usam-na ao serviço do dono. Os portugueses sem voz, inebriados pela esperança de “fundos” europeus, seduzidos pela dieta sem cães e submissos por vocação, estão em casa, a cumprir ordens sem finalidade que não a mera exibição de prepotência. É um estilo, que o sr. Ljubomir pelos vistos não partilha. Não sendo o único insubmisso, é dos poucos com repercussão, e por isso é interessante de perseguir e fácil de anular.

Não é absurdo supor que, um dia, os insubmissos sejam abundantes e difíceis de anular. Absurdo é presumir que a insubmissão se deverá a um princípio de liberdade e não ao completo desespero. Propaganda de lado, estamos só no início de uma crise devastadora. Quando a crise se alastrar, a miséria converterá ao protesto demasiados cidadãos, demasiado tarde: literalmente, vão protestar por nada. Por enquanto, o receio de arranjar chatices supera o receio da pobreza. Não é à toa que tudo na retórica das “autoridades” se destina a assustar as massas: não facilitem, não saiam, não abusem, não se juntem, não jantem, não bebam, não reclamem, não duvidem, não deixem de utilizar máscara inclusive depois da vacina e antes de 2038, não insistam. As “autoridades” não estão a falar da Covid: estão a falar de comando e controlo, curiosamente os termos escolhidos para apresentar a logística da vacinação. A Covid, que em nações dependentes lançou as bases da destruição, é agora o “argumento” para que, através de ameaças, o bom povo assista quieto e mudo à consagração da dita.

Obviamente, ao contrário de Milosevic, o dr. Costa não concebeu, ou permitiu, genocídios: o coitado apenas promoveu irresponsavelmente uma ruína imensa, cujas vítimas são cúmplices por mansidão. Ao que parece, o sr. Ljubomir não é manso, e se um quinto dos portugueses em risco de indigência o imitassem, a impunidade do dr. Costa não seria tão plena, nem a indigência tão certa. Por azar, são raros os que o imitam, muitos os que o difamam e inúmeros os que se calam. Por sorte, vivemos em democracia e não obedecemos a um tirano. Imagine-se se não vivêssemos e se obedecêssemos.

PUBLICIDADE  CRISE ECONÓMICA  ECONOMIA  POLÍTICA  PANDEMIA  SAÚDE  ANTÓNIO COSTA  GOVERNO

COMENTÁRIOS:

F A: O colunista é uma das muito poucas vozes na imprensa que escreve com uma clareza e desassombro notáveis. Uma voz independente, incómoda para a Nomenklatura Socialista       Maria Da Veiga: Concordo com tudo no seu artigo, excepto que não vivemos em ditadura- eu vivo em ditadura, mesmo sendo mais como o chefe cozinheiro, vivemos sob ditadura do polvo socialista. Quem não é do partido ou partidário, nem direito a uma vacina da gripe tem, mesmo que as razões da sua saúde o exijam. Apenas um exemplo. E estão todos calados na imprensa, escondendo a verdade sobre o que fez o governo com as vacinas da gripe.      Pedro Campos: Brilhante, como sempre!        Joao Protasio Fialho Lda: Excelente ...é mesmo assim que isto vai , só muda quando não houver nada a perder... agora é que se nota bem a ditadura cínica a aviltante em que vivemos...         Liberal de Visita > Joao Protasio Fialho Lda: É uma ilusão a de que a democracia não pode ser violenta.        Daniela Andrade: Dando embora de barato que o sujeito possa ser uma 'figura pública' neste país, confesso que a sua existência e status me tinham passado completamente ao lado até agora. E do que pude agora ver a propósito das suas greves/manifestações, vi apenas um homem que, se trabalha em restaurantes, sem dúvida, terá amplas razões de queixa, como muitos outros, mas se faz notar, sobretudo, por uma grave dificuldade de comunicação e uma inaceitável má criação. No entanto não deixa de me chocar o contra-ataque que a máquina propagandística do regime socialista montou já sobre o senhor e sobretudo a, essa sim, verdadeira xenofobia das tropas de ataque socialista e da restante esquerda. Os mesmos desqualificados que falsamente de tal atacam o Chega e o seu líder. A começar pelo próprio primeiro-ministro. De resto concordo consigo quanto à característica, que eu diria de resignados, de boa parte dos portugueses. E isso é muito negativo para o país. Sem cair em qualquer espécie de espirito revolucionário, o que se exige é um espirito agudo de reforma profunda a todos os níveis e de exigência e responsabilização política.        António Sennfelt: Duas das mais brilhantes estrelas no indigente firmamento da nossa imprensa, Alberto Gonçalves no "Observador" e João Miguel Tavares no "Público", tiveram hoje a infeliz coincidência de escrever dois artigos sobre o mesmo tema, o primeiro intitulado "Um Yuguslavo num país de mansos"  e o segundo " Baixa a bolinha, Lyubomir"! Não questiono a heroicidade de quem, exposto à chuva e ao frio, estoicamente aguenta, junto às gélidas escadarias do nosso Parlamento, três ou quatro longos dias de voluntário jejum, tormento tanto mais cruel quanto é certo que o personagem em questão é, nada mais, nada menos, do que um dos mais afamados "chefs de cuisine" da capital! Tão pouco menosprezo o facto de que aquele seu voluntário sacrifício ter sido, acto contínuo, alvo da chacota e maledicência da alcateia de polícias do pensamento politicamente correcto, farejantes hienas que não perdoam quem se atreva a questionar a mediana correcção do caminho rumo ao socialismo em boa hora prosseguido pelo nosso bem amado Governo! Mas, francamente, erigir a herói nacional o senhor Lyubomir não será um tudo nada exagerado? E então o que dizer de todos nós que, rangendo os dentes mas calados e mudos, pagamos todos os impostos, taxas, taxinhas, emolumentos e alcavalas com que o nosso bem amado Governo generosamente nos contempla?       Liberal de Visita > António Sennfelt: Fazer greve de fome ao ar livre no Inverno, mesmo sendo este o lisboeta, é um bocado mais heróico do que pagar taxas e taxinhos!       Carlos Almeida: Mais um excelente artigo do Dr. Alberto Gonçalves. Uma prosa que escancara a realidade política e cívica do nosso pobre país nas  mãos de gente pouco transparente e incompetente.

………………

Nenhum comentário: