Não de final de época. Com análise
histórica de permeio. Como sempre, perfeito de enquadramento histórico,
sugestão premonitória e expressão plástica, ao seu modo pessimista, usual em António Barreto. Mas como se pode discordar?
OPINIÃO
Provavelmente, o pior…
Este fim de década é o pior momento de
crise e dificuldades que Portugal vive desde a fundação da democracia. Também o
mundo vive hoje um momento de extrema dificuldade.
PÚBLICO, 26 de
Dezembro de 2020
Pode
não ser, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o mais grave. Nem, desde 1974,
a pior crise política. Talvez não seja, desde há meio século, o ano da mais
difícil crise económica. Nem seja, socialmente, o mais dramático. Mas é tão difícil! Sobretudo porque
tudo parece convergir para agravar as dificuldades: política, economia,
pobreza, saúde e justiça. Este fim de década é o pior momento de crise e
dificuldades que Portugal vive desde a fundação da democracia.
Os
mais novos não viveram. Os mais velhos não recordam. Só alguns não
esqueceram. Já
vivemos tempos muito difíceis. Com os obstáculos e as ameaças à democracia, em
1974. Os repatriados de 1975. As crises económicas e os pedidos de intervenção
financeira. A crise da dívida, a assistência internacional e a austeridade. A
inflação a mais de 30% e o desemprego a mais de 15%. Mesmo
assim, com este tremendo passado recente, vivemos, provavelmente, o pior
momento.
Também
no mundo já se viveu pior, com efeitos para Portugal. O fim da guerra no Vietname e as guerras
asiáticas que se seguiram. As
ameaças e os perigos, assim como os violentos episódios de guerra conhecidos,
nos Balcãs, no Próximo Oriente e em África. O
desmembramento do império soviético e os múltiplos conflitos que se seguiram,
da Jugoslávia à Chechénia, da Ucrânia à Arménia. O
crescimento incessante das guerras da droga, dos minérios, dos armamentos e dos
imigrantes trouxe violência para quase todos os cantos do globo. Também o mundo vive hoje um momento de extrema
dificuldade.
A decadência relativa de um poder indiscutível, o americano,
projecta sombras sobre a humanidade. As
perdas de hegemonia têm sempre consequências temíveis. Em paralelo, a ascensão
de novos poderes, de uma nova grande nação à partilha do poder mundial, a China,
deixa toda a espécie de interrogações e de novas tensões de efeitos
imprevisíveis. E os europeus já estão conscientes de que, sem a América,
contra a Rússia e apesar da China, a Europa não resiste à subalternidade.
Note-se
bem, como quase tudo, o que a Europa fez nos últimos anos foi reagir,
retomar, equilibrar e salvar. Já
não cria, já não avança e já não inova. Reage e resiste. As divisões europeias, o “Brexit", a ascensão de movimentos
anti-europeus, o recrudescimento do nacionalismo, as divisões entre países e
partidos revelam uma Europa a perder o Norte, à deriva e a tentar recuperar o
que ainda é possível. Ao que se
podem acrescentar as crises de demografia, da imigração e do refúgio. Nunca como agora, nos últimos setenta
anos, andaram pela Europa hordas de milhões de vagabundos, esfomeados e
doentes, nómadas da sociedade industrial, sem protecção nem futuro, à procura
de sobreviver.
Para além da morte e da doença em
doses aflitivas, a pandemia revela confrangedora
desigualdade entre países ricos e pobres, entre poderosos e destituídos, entre
influentes e despojados. Sofre-se
nos lares infantis e morre-se nos lares de idosos. É-se mais
contagiado nos bairros suburbanos, nos locais de desempregados, nos guetos de
imigrados e nas áreas subdesenvolvidas. Há
meios científicos, recursos financeiros, poderes políticos e gestão capazes de
contrariar a lógica letal da desigualdade e da pobreza. Mas não serão
aproveitados, a tempo, tanto quanto se poderia desejar e seria legítimo esperar.
Portugal partilha os problemas da
Europa e do mundo, mas acrescenta os seus próprios. Vivemos
uma inédita convergência de crises e dificuldades. Sem a tragédia de uma grande
guerra, sem o drama dos repatriamentos forçados e dos campos de concentração ou
refugiados, mas com a acumulação de crises e ameaças. Iniciamos a terceira
década do século XXI com uma enorme crise sanitária; uma ameaçadora crise
económica e social; a manifestação drástica de desigualdades profundas;
acrescidos fenómenos de pobreza; reduzidas capacidades de criação de emprego e
de novas produções; poucos grupos económicos à altura das necessidades de
desenvolvimento; sem capitais próprios privados ou públicos; e com soluções
políticas de enorme fragilidade. Os
grandes sistemas nacionais, saúde, segurança social, educação e justiça
encontram-se à beira de uma crise sem exemplo e com difíceis soluções.
Os
portugueses não são culpados de tudo, nem responsáveis por todos os factores de
crise. Só de alguns e já não são poucos. Mas
são responsáveis por grande parte das soluções, das nossas soluções, das
soluções que nos dizem respeito, a começar pelas políticas, pela congregação de
esforços, pela criação de confiança, pela manutenção da democracia e das
liberdades e pela preservação de uma sociedade decente.
As negociações políticas
frágeis não anunciam nada de bom. A destruição das grandes empresas nacionais e
as vendas injustificadas e em más condições de grupos, empresas e património
cortaram-nos as mãos e os meios. A incapacidade de combater a corrupção e de
castigar os corruptos é uma deficiência fundamental. Os absurdos termos de
“limpeza” e equiparados já surgiram na boca de pelo menos dois candidatos (André
Ventura e Ana Gomes), o que apenas traduz impotência e populismo
barato.
As eleições presidenciais não vão resolver nenhum destes nossos
problemas. Nem sequer vão definir os moldes da acção política futura. Muito
menos vão determinar as condições de governação. Em muito especiais
circunstâncias, podem ajudar, mas não resolvem. Em finais de Janeiro,
ultrapassada que vai estar a eleição presidencial, vamo-nos encontrar no ponto
em que estamos, talvez em piores circunstâncias. Mais infectados, mais
desempregados e mais pobres.
Apesar
de antiga, com tradição e cultura, história e património, a sociedade
portuguesa está hoje pobre institucionalmente, tanto na esfera pública como na
privada. Tanto na economia, como na política ou na cultura. É, no entanto, aí,
que se encontram soluções e meios. No reforço das instituições, públicas e
privadas, na consolidação de organizações humanas e sociais capazes de
proporcionar a reflexão, de estimular a acção e de dar uma oportunidade aos
esforços de construção gradual e racional.
Este próximo ano será exigente como
poucos. É possível que se encontrem soluções e remédios para o mais urgente, o
que permite sobreviver. Mas de nada servirá o esforço se não preparar o
médio e o longo prazo. E podemos ter a certeza: só com instituições mais
fortes venceremos. Golpes de sorte e de génio, habilidades e invenções de nada
servirão. Instituições e liberdade, sim.
Sociólogo
TÓPICOS
PORTUGAL ESTADO EUROPA HISTÓRIA DEMOCRACIA POBREZA DESIGUALDADES
COMENTÁRIO:
Fowler Fowler INICIANTE: O autor tem
revelado, desassombradamente durante décadas, desprezo pelas instituições do
Estado português e da UE. Não podemos ignorar. Fez disso matéria-prima que
estimula o actor e sustenta o cronista, pelo que, esta resenha em jeito de
balanço não traz novidade, só mais pessimismo barato e contraditório. Sendo
defensor da Lei & Ordem, ele já disse que gostaria de viver noutro país,
mas é aqui que se lhe oferecem os interruptores, made in Portugal. Sim, porque,
para lá de Badajoz, ninguém o conhece. 26.12.2020
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