terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Falai no mau

 

A tese. As demonstrações. Apresentadas por Diana Soller e seus apoiantes e por Pedro M. Alves Lopes Pereira: a primeira, sobre a retoma da China na direcção do domínio sobre o mundo inteiro, mau grado o ligeiro desvio deste primeiro ano de Covid-19. O segundo, particularizando, sobre a aplicação da tese do poderio chinês sobre a Austrália. A Austrália não se conforma e vai reagindo. Servirá isso de lição?

Nós, por cá, bem. Ainda ontem fui comprar plásticos a uma das quatro lojas chinesas perto dos meus sítios. Quatro!

I - 2020: o ano que podia ter sido da China /premium

A Huawei não desmente o documento, mas alega que não passou da fase de testes. Esta informação vem juntar-se a outras, que demonstram que a China é a primeira autocracia tecnológica do mundo.

DIANA SOLLER

OBSERVADOR, 11 dez 2020

Há muito que o mundo não se via sem liderança internacional. Os Estados Unidos de Trump estavam resolvidos a ser uma “potência normal” em vez de liderar o sistema internacional. E a potência que se seguia em ordem de importância era a China, que há algum tempo procura um lugar ao sol da hierarquia do poder mundial. No entanto, este ano, segundo a Pew Research Center, uma das mais reputadas empresas de sondagens do mundo, que fez um estudo em Outubro, a percepção desfavorável de Pequim atingiu picos históricos, não só nos EUA, mas em diversos países do mundo.

Isto deve-se, evidentemente, à péssima gestão que o regime de Xi Jinping fez da pandemia. Escondeu a existência do vírus das entidades internacionais competentes, deixou-o sair de avião da China para os quatro cantos do mundo, quando estava demasiado espalhado ofereceu ajuda internacional e despachou material médico sem qualidade (algum dele pago pelos receptores) para onde foi possível.

Ainda mandou equipas médicas para os países mais aflitos, como Itália, mas já foi tarde demais. Já todos sabíamos que o vírus tinha tido origem na China e que Pequim não teve a mais pequena preocupação em deixá-lo transformar-se numa pandemia mundial, a fim de tentar encobrir o fracasso do regime em contê-lo dentro das suas próprias fronteiras. Por outras palavras, por muito que Xi Jinping (secundado por Putin) fale de multilateralismo, todos sabemos que este precisa de um líder e a China não esteve, simplesmente, à altura.

A história podia ter ficado por aqui. Mas não. E a razão por que não ficou é simples: pela primeira vez na história recente, a China está no centro dos holofotes internacionais e tivemos a oportunidade de ver de perto e com boa luz o tipo de regime que Pequim é e que tipo de ator internacional que quer ser.

Ainda há três dias, o Washington Post provou, através de um documento encontrado pela IPVM, que a Huawei, em conjunto com a startup Megvii, fez uso da inteligência artificial, desenvolveu e testou com sucesso um software de reconhecimento facial que permite distinguir traços étnicos dos Uigur e enviar alertas para a polícia chinesa. Os Uigur são uma minoria muçulmana que está a ser sistematicamente perseguida e encerrada em “campos de reeducação”, como têm vindo a alertar activistas e jornalistas de todo o mundo.

A Huawei não desmente a veracidade do documento, mas alega que não passou da fase de testes. Mas a verdade é que esta informação vem juntar-se a um conjunto de outras, como, por exemplo: os sistemas sociais de pontos, em que a tecnologia e a híper-vigilância nas suas várias valências se juntam para atribuir aos cidadãos castigos e prémios de bom comportamento; a repressão dos manifestantes de Hong Kong; e o branqueamento da História – os mais jovens ignoram a existência do massacre de Tiananmen –, só para nomear alguns exemplos que demonstram que a China é a primeira autocracia tecnológica do mundo. Mas pode não ser a última. Há sempre Estados dispostos a seguir exemplos destes.

Internacionalmente, como mostrou a pandemia, Pequim também já não esconde que quer ser uma grande potência. Aliás, como explica Vasco Rato no seu livro De Mao a Xi: O Ressurgimento da China, Pequim tem um objectivo muito concreto: libertar-se do “século de humilhação” que, do seu ponto de vista, lhe foi imposto pelo Ocidente e pelo Japão na sequência das guerras do Ópio e das guerras Sino-Japonesas, e retomar o seu lugar de “grandeza” no sistema internacional, que na óptica chinesa é nada mais que o de primus inter pares. Daí a importância dos projectos das Rotas da Seda terrestre e marítima. São uma espécie de cerco ao mundo.

Como já disse noutras ocasiões, as potências não são todas iguais. O comportamento interno da China, a culpa que atribui ao Ocidente pelo seu declínio e a forma como mostrou não se importar com o destino do mundo relativamente à pandemia são uma pequena amostra do que Pequim pode ser como líder internacional. A primeira tentativa séria foi este ano, mas outras se seguirão. Numa altura em que a chamada “política de poder” volta a estar na ordem do dia, líderes internacionais têm cada vez menos desculpas para ignorarem o perigo que a China representa para a nossa segurança. E podem começar a demonstrá-lo nos seus negócios referentes ao 5G.

MUNDO  CHINA  GEOPOLÍTICA  PANDEMIA  SAÚDE

COMENTÁRIOS:

Jorge costa: Mas ainda não compreenderam que os chineses não jogam pelo mesmo conjunto de valores que os ocidentais. O povo chinês sabe, na carne e na memória, que passou muita fome e muita miséria durante séculos, para além da humilhação a que foram submetidos pelas potências coloniais. Também sabe que quem lhes aumentou o nível de vida, lhes proporciona bens materiais, comida e os faz tornar a sentir orgulho em ser Chinês é a política do PCC. Por isso o povo chinês está pura e simplesmente a marimbar-se para as chamadas liberdades individuais, não caras ao Ocidente! Enquanto não se compreender isso, nunca irão compreender a China! Quanto ao facto de estar uma potência hegemónica no mundo, isso é história! Sempre houve e haverá um conjunto de países que terão mais poder do que outros, ou será que os USA trabalharam sempre em prol da humanidade? Acho que isso é só ingenuidade! E já agora: o Tibete antes de ser governado pela China era uma teocracia ignorante e despótica onde um estrangeiro seria condenado imediatamente à morte, só por ter ousado entrar em território Tibetano e os tão falados Uygurs já levaram a cabo imensos actos terroristas dentro da China, não em nome de uma qualquer independência mas sim em nome de um radicalismo Islâmico que, infelizmente, está espalhado pelo mundo. Alguma dessas coisas é boa??        Paulo Silveira: A narrativa hegemónica progressista nos media e na academia poderiam ter origem nalgum projecto de poder global? Há quem ainda duvide.          Francisco Tavares de Almeida: A China chama-se a si própria o Império do Meio, isto é, está situada entre o céu e a barbárie da terra que está destinada a governar. É uma ideologia com séculos que resiste a mudanças políticas, por isso desiludam-se todos os que pensam que a China apenas aspira a ser um "primum inter pares". Hoje mencionar, discutir ou criticar os 3 Ts (Taiwan, Tiannamen e Tibete) dá prisão. A mim choca-me especialmente como o mundo ou os media, que é o mesmo, esqueceu o Tibete, há anos vítima de violência e de uma agressão cultural diária e agora a deslocar forçadamente camponeses para trabalharem em fábricas chinesas possivelmente produzindo bens para exportação para o Ocidente.          Andrade QB: Não há pior cego do que o que não quer ver. Infelizmente o único inimigo que faz mover os actuais arautos da "liberdade" são os países ocidentais e isso não é fácil de contrariar. Actualmente os países invasores e obscurantistas contam com muita mão de obra gratuita e empenhada em servi-los nos países que querem dominar.       Pensamento Positivo: Caríssima Diana Soller: Permita-me apenas uma constatação que não é de fantasias. É de factos: Podemos não gostar dos métodos... E podemos não acreditar nas estatísticas... Mas, o único bloco económico que resolveu bem a pandemia foi o bloco Asiático!... Não tarda muito irão tirar dividendos disso. Olhe; veja os resultados dos recentes testes de conhecimento dos alunos especialmente a matemática!... É que nem o "deslize" da India torna isto diferente. 500 mortos ao dia na India equivale a 1 ou 2 em Portugal... E depois; quem é que está em termos práticos a gerar tudo o que precisamos para nos protegermos do Covidico? Em breve exigirão o pagamento da factura!... Não têm dinheiro? Pagarão em bens diplomáticos!... Vai um bom acordo comercial? É uma questão de tempo!...          Anarquista Coroado: Soller, o seu amigo Biden vai dar uma ajudinha.          Pensamento Positivo > Anarquista Coroado: Caro: Há no partido Democrático dos EUA tantos ou mais com receios face à China do havia no Trumpismo... Só que, quando se derem conta, já a China viverá noutra era... Isto vai ser muito rápido. Dentro de 3 ou 4 anos já talvez muito terá mudado... Nada que Biden, ou Trump possam fazer. São as dinâmicas dos tempos!...         Manuel Magalhães: Bom aviso, esperemos é que Portugal e a própria Europa não continuem a “assobiar para o lado”, pois já poderá ser tarde...

Manuel Magalhães > Manuel Magalhães: É bom também não esquecer que o enorme crescimento da China foi feito à custa do Ocidente e de uma política quase esclavagista em relação ao trabalho praticada pelo próprio governo Chinês!         Pensamento Positivo > Manuel Magalhães: Caro: Infelizmente deixe-me que lhe diga: A razão pela qual cada vez mais grandes marcas estão a deslocalizar da China para a India não tem nada a ver com a guerra comercial... Isso é só a fachada... A verdade é que, na India há quem esteja disposto a trabalhar por, nalguns casos metade do que ganha um Chinês!... Dá que pensar... Mas, é assim!...         Maciej Hermann: China???? : boa piada. Tudo de tecnologia e patentes e ideias roubados.         Leonardo d'Avintes: Mandem o Costa, o destruidor de muros, e a China certamente transformar-se-á num respeitável player internacional. Afinal foi o que ele fez cá dentro.         bento guerra: 2020 foi da China, só não sabemos, Huawei aparte, se o "bicho" foi natural, ou fabricado        Martelo de Belem ....: Ah finalmente acordam para o perigo amarelo. Esta China de hoje e implacável e desumana cujo objectivo é submeter o mundo e os humanos a um futuro sem liberdades.

 

II -  “G'day”, comunidade internacional

A nova ascensão da China, que tem vindo a promover medidas assertivas através do seu regime autoritário por todo o globo, levará a Austrália a redefinir os seus planos geopolíticos e geoestratégicos.

PEDRO M. ALVES LOPES PEREIRA, Estudante de Relações Internacionais

OBSERVADOR, 15 dez 2020, 00:01

A imagem publicada pelo porta-voz das Relações Exteriores chinês, Lijian Zhao, reflecte o estado actual da relação bilateral sino-australiana. Para além de “pouco” diplomática, demonstra as intenções que o Partido Comunista Chinês tem com países vulneráveis e especialmente fragilizados pelas acções tomadas pelo Ocidente.

No entanto, este incidente não é o primeiro, e provavelmente não será o último, no cadinho das tensões existentes entre ambos os países. Logo no início da pandemia do novo coronavírus, Camberra questionou a forma como Pequim geriu internamente o controlo da não propagação do vírus e, por conseguinte, o respectivo inquérito realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estas declarações valeram uma forte contestação por parte da China, que considerou o posicionamento australiano como um confronto político. Assim, acabou por cortar as suas importações de cevada e carne australiana e o próprio embaixador da República Popular da China (RPC) na Austrália, Cheng Jingye, afirmou que, caso o governo australiano continuasse com estas atitudes, a China deixaria de comprar produtos australianos e os jovens chineses deixariam de estudar em universidades australianas. Em poucas palavras, de acordo com Shaun Rein, fundador do China Market Research Group: (…) se não fizerem o que os líderes políticos de Pequim querem que vocês façam, estes castigar-vos-ão economicamente (…).”

Seguindo o raciocínio de Clive Hamilton (co-autor do livro Hidden hand: Exposing How the Chinese Communist Party is Reshaping the World, 2020), o investimento chinês no estrangeiro tem como propósito manipular o país em questão, de forma a “controlá-lo” através do seu poder e influência. Os objectivos acabam por ser dúbios, visto que não são apenas comerciais, mas também estratégicos. Isto é, do ponto de vista da RPC, o investimento chinês é considerado como uma ferramenta tacticamente engenhosa. Através da sua capacidade financeira, é capaz de pressionar e reprimir qualquer país para que este se adapte às suas medidas políticas e possa servir os interesses estratégicos de Pequim.

Ou seja, o Partido Comunista Chinês (PCC) tem um profundo conhecimento do que a China representa para a economia australiana, logo, acaba por ter um poder decisivo em sectores essenciais para a prosperidade da Austrália. Desta forma, Camberra foi alvo da estratégia implementada pelo PCC através de empresas e bancos estatais chineses. Do ponto de vista do governo chinês, era necessário criar fortes ligações com Camberra e com influentes empreendedores australianos através das suas empresas e bancos. Assim, a China “ganhou terreno”, concedendo empréstimos; fazendo investimentos; aquisições e doações; tornando-se accionista, sócia e até proprietária de empresas e instituições australianas. Neste seguimento, focaram-se sobretudo em partidos políticos, infra-estruturas, universidades e na indústria mineira.

Apesar dos factores referidos e de estarem a passar por um período diplomaticamente conturbado, nem Camberra nem Pequim consideram que o fim da relação comercial seja uma realidade. Mas a nova ascensão da RPC, que tem vindo a promover medidas assertivas através do seu regime autoritário por todo o globo, levará a Austrália a redefinir os seus planos geopolíticos e geoestratégicos.

A situação existente no Mar do Sul da China, a construção de inúmeras ilhas artificiais para fins militares, a violação dos direitos humanos com as perseguições feitas em Xianjing aos Uighurs, a questão de Taiwan, a situação desastrosa em Hong Kong e o roubo de propriedade intelectual em muitas empresas, instituições e universidades ocidentais (nomeadamente, australianas) constituem uma grave e poderosa ameaça ao mundo como nós o conhecemos. Muitos destes indicadores sugerem que a Austrália possa começar a conter e a restringir a sua relação comercial com a China e aposte no desenvolvimento e modernização da manufacturação nacional. Fortalecendo e reformando as suas relações comerciais com o Japão, Índia, EUA e UE, continuará a contribuir para a cooperação internacional e para a sua prosperidade e segurança.

Desta forma, o exemplo da relação entre a China e a Austrália poderá ser um claro aviso à comunidade internacional relativamente ao comportamento do Partido Comunista Chinês.

MUNDO  CHINA  AUSTRÁLIA  GEOPOLÍTICA

 

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