Para quem se lembra ainda de que não foi metáfora mesmo, como os que viviam em Moçambique ou Angola em 1961. Digo Moçambique porque vivemos de longe os massacres em Angola, que Rui Ramos refere, sem metáfora que lhes valesse. Só me pergunto o que seria a África hoje se não tivessem lá estado os brancos colonizadores. Recordo a peça de Sartre “La Putain respectueuse” que primeira me alertou para a marginalidade africana, pois não pensava nisso, e o homem e mulher africanos não me parecia que fossem maltratados por nós, apenas tinham culturas diferentes mas a miscigenação fazia-se e a aculturação também, embora lentamente. Desigualdades sociais sempre houve e continua a haver, não percebo por que motivo se cala o problema dos párias na Índia, mas é claro que ninguém se atreveria a interferir, numa Índia poderosa. Também no Golfo Pérsico, se calam a exploração e as más condições de trabalho dos imigrantes, e… Mas o texto de Rui Ramos provocou comentários de vária ordem, dos que espumaram contra ele, para mostrar bons serviços à causa racista, e dos que o apoiaram. Ignorei, naturalmente, os primeiros, no seu radicalismo maldoso, e vou ler, na Internet, o Prefácio de Sartre ao livro “Os Danados da Terra”, de Frantz Fanon certamente que também espumante, de sensibilidade unilateral. Não, metáfora não foi com certeza, isso da extinção dos homens brancos na boca de Mamadou Ba, o único homem livre sem metáfora, em Portugal… Sim, Rui Ramos fez bem em lembrar o anti-semitismo, por comparação, no caso do genocídio anterior…
O único homem com liberdade em Portugal /premium
Acho bem que Mamadou Ba seja um homem com liberdade
para citar Fanon. O que também acho, no entanto, é que Mamadou Ba não pode
continuar a ser o único homem com liberdade em Portugal.
RUI RAMOS
OBSERVADOR, 27 nov
2020
Sempre
tive curiosidade de conhecer um homem totalmente livre. Livre, não como é
costume usar essa expressão hoje em dia, no sentido de uma pessoa independente,
mas livre no sentido de isento de quaisquer
constrangimentos, legais ou morais, na expressão das suas ideias e sentimentos.
Um homem, enfim, com toda a liberdade para dizer o que lhe apetecer, sem recear
consequências. Esta
semana, encontrei esse homem. É Mamadou Ba, um antigo cidadão senegalês, agora
com documentos portugueses. Percebi
também porque é que disfruta de tanta liberdade. Esta semana,
Mamadou disse que era preciso “matar o homem branco”. Apelo ao assassinato?
Discurso de ódio, pelo menos? Não, nada disso. Uma multidão de voluntários
precipitou-se logo a rodear o homem com uma defesa intransponível de muralhas,
fossos e campos minados. Fomos, como nos competia, sujeitos às devidas lições:
tratava-se de uma citação; tratava-se, acima de tudo, de uma metáfora.
Citações e sobretudo metáforas não têm mal nenhum, a não ser na torva cabeça da
“direita incivilizada”, de que felizmente o regime já obteve a lista com os
nomes todos.
Não
sei que mais admirar nos desculpadores de Mamadou, se a ignorância, se a má-fé.
Falemos da ignorância. Mamadou citava Frantz Fanon? Mas as palavras de Fanon nem
no prefácio de Sartre
a ”Os Danados da Terra” tinham um sentido meramente simbólico. Fanon foi um amigo e influencia de Holden
Roberto, o líder da União dos Povos de Angola, que deve ter ouvido as opiniões
de Fanon antes de este as expor em livro. Em 1961, seguindo as lições do seu mestre, Roberto
decidiu
iniciar a campanha para a independência de Angola matando os colonos brancos. Matando metaforicamente? Não, matando
literalmente. À catanada. Em
Angola, entre Março e Maio de 1961, aconteceu o maior massacre de população de
origem europeia alguma vez cometido em África. Ao lado de cerca de 1000
brancos, caíram também, sob as catanas dos discípulos de Fanon, milhares de
negros de etnias que, no norte de Angola, eram etnias erradas. Homens, mulheres
e crianças – decapitados, mutilados, esventrados. Holden Roberto, o discípulo
de Fanon, o amigo de Fanon, não percebeu o que Fanon lhe dizia? Não sabia o que
era uma metáfora?
A metáfora já foi a desculpa de
Julius Streicher, o maior propagandista do anti-semitismo na Alemanha
nazi, durante o julgamento de Nuremberga. Entre
1923 e 1945, no seu jornal Der Sturmer, Streicher incitou incansavelmente à
morte dos judeus, ao seu extermínio, ao seu desaparecimento. Mas em Nuremberga,
em 1945, perante o Tribunal Militar Internacional, argumentou que tudo aquilo
era linguagem simbólica, que de facto nunca concebera a morte literal dos
judeus, mas apenas a sua emigração para um simpático Estado judaico, a criar
algures num recanto agradável do mundo. Streicher
não matara ninguém pessoalmente. Nem
sequer estivera implicado na máquina do extermínio dirigida por Himmler,
Heydrich e Eichmann. Mas o Tribunal de Nuremberga não considerou que as
metáforas de Streicher tivessem sido inocentes: percebeu que, sem o ambiente
criado por demagogos como Streicher, o extermínio das comunidades judaicas da
Europa não teria sido possível. Os grandes crimes políticos requerem este
estádio prévio da metáfora para serem executados, porque é nessa fase
metafórica que as futuras vítimas são desumanizadas, transformadas em
criminosos ou em simples peças de um sistema odiado, e portanto susceptíveis de
serem eliminadas sem escrúpulos, em nome da defesa da comunidade ou do triunfo
da justiça. O anti-semitismo nazi não tem comparação na sua enormidade. Mas o
anti-colonialismo à moda de Fanon tem, com esse movimento de ódio, uma certa
sintonia, neste sentido muito preciso: graças às metáforas de Streicher e de
Fanon, aqueles que geriram as câmaras de gás ou que empunharam a catana não
viram naquela mulher e naquela criança, sozinhas e indefesas, o que elas
eram — apenas uma mulher e uma criança –, mas, porque eram judias ou
brancas, simples espécimes de raças inimigas e sem direitos, e que era
politicamente necessário e legítimo assassinar. Em Angola, em 1961, foi assim:
1000 portugueses – homens, mulheres e crianças – cortados à catana como colonos
que mereciam morrer para o colonialismo acabar. A metáfora de Fanon, para eles,
teve esse sentido sangrento. Fanon concebeu a chamada relação colonial como uma
simples relação de violência do colonizador sobre o colonizado. Justificou
assim todas as violências dos colonizados sobre os colonizadores. No entanto,
Fanon é ensinado acriticamente em cursos de ciências sociais das nossas
universidades, com os seus incitamentos ao homicídio branqueados como metáforas
inocentes. E ai de quem, como esta semana fez André Azevedo Alves, duvide
dessas inocências. Foi imediatamente cercado pelos tambores de ódio da esquerda
radical, toda muito convenientemente versada em leituras simbólicas de Fanon.
E
a propósito, eis uma das razões pelas quais em Portugal só há extremismos à
direita. De facto, como gracejou Pessoa, tudo é símbolo, tudo se pode
interpretar como metáfora. Mas nem sempre com a mesma complacência. Mamadou Ba
pretende “matar o homem branco”? Na realidade, deseja apenas reformar
pacificamente um “sistema racista”. Mas eis um político da direita com um plano
para reformar a Segurança Social. Também o que ele diz será interpretado como
metáfora, mas neste sentido: na verdade, o que ele quer é privar violentamente
os pobres de qualquer rendimento, e portanto exterminá-los. O Mamadou Ba que
anseia por “matar o homem branco” é um cavalheiro culto e gentil que cita
Fanon; o político de direita que pretende reformar a Segurança Social é um
assassino bárbaro que conspira para assassinar os pobres. Tudo em nome das
metáforas.
Ninguém
tem o direito de esperar que a esquerda deixe de fazer isto. É o que lhe
convém: inocentar os seus, e demonizar os outros. O que compete a uma direita
democrática não é queixar-se e exigir à esquerda que abandone os seus critérios
duplos: é não se deixar impressionar, pois se esses critérios funcionam, é
apenas porque uma parte da própria direita, por medo ou conveniência, os adopta
para distinguir, entre os seus, aqueles que têm direito ao título de
“democratas” e os outros, que podem ser tratados como “fascistas”. A força do
esquerdismo não vem da esquerda, mas da cobardia e do oportunismo da direita. E
não, isto não é uma questão tribal, de equilíbrio entre clubes. É uma questão
de pluralismo e de liberdade, porque liberdade e pluralismo não existem onde o
debate está tão enviesado. Nunca chamarei a polícia, como é hábito fazer à
esquerda, por causa do que alguém disser. Acho bem que Mamadou Ba seja um homem
com liberdade para citar Fanon ou o que lhe apetecer. O que também acho, no
entanto, é que Mamadou Ba não pode continuar a ser o único homem com liberdade
em Portugal.
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COMENTÁRIOS:
António Sennfelt: Se um selvagem
que apela ao assassinato do homem branco é o único ser humano com liberdade em
Portugal, a pergunta que se coloca é saber de quem é a culpa? Será o coitado do senhor Mamadou Ba a quem, num momento
em que o apanharam distraído, lhe deram como livro de cabeceira o "les
damnés de la terre" de Ibrahim Frantz Omar Fanon, o único responsável por
tamanha infâmia? Ou não serão antes aqueles alegados "intelectuais"
neo-marxistas, promotores do pensamento dito politicamente correcto, os
verdadeiros causadores do acentuado desatino mental que suscita semelhantes
barbaridades? Ou muito pelo
contrário, não seremos todos nós de facto os verdadeiros responsáveis de que,
por comodismo ou cobardia, tenha vindo a ser crescentemente tolerado que, sob a
capa da metáfora, nos venham encostar uma navalha ao pescoço! Fernando
SILVA: É preciso dizer que a maior parte
daqueles que hoje pretendem dar lições de « anti-racismo » foram a
seu tempo adeptos incondicionais (para os mais velhos) ou são hoje os herdeiros
e continuadores das ideologias ditas « anti-coloniais » que estiveram
na origem e na execução desse e de muitos outros massacres, de brancos e de
negros (que deviam ser também aterrorizados para não terem qualquer
veleidade de resistência à "causa") !! Fernando SILVA: A culpa por este tipo de afirmações de racismo anti-branco
não é do Mamadou Bas. A
culpa é de todos aqueles, e são muitos, activistas «progressistas», branquinhos
da silva, senão por fora pelo menos por dentro (como o Fanon a que se refere o
Rui Ramos), que durante anos e anos, ou melhor décadas, têm andado a alimentar
o discurso de que a suposta desgraça dos "negros" é da
responsabilidade dos "brancos", supostamente intrinsecamente
exploradores. O Mamadou é
apenas mais um instrumento nas mãos daqueles a quem serve politicamente a
manutenção dos negros na condição e com o estatuto de uma categoria menor,
irresponsável, que precisa de ser paternalisticamente «protegida» e tutelada.
No fim de contas, o Mamadou é também ele mais uma vítima
de uma ideologia que não o deixa emancipar-se e ser ele próprio, uma pessoa
como outra qualquer independentemente das origens e da cor da pele, um pessoa
adulta que deve ser totalmente responsável por si própria e, como tal, fazer
pela vida, sem desculpas nem privilégios de nascimento. ANTONIO
MADUREIRA: Que grande
artigo, sob todos os pontos de vista! Parabéns e continue, p.f. Manuel
Magalhães: Muito bom, embora tenha dúvidas que
Mamadou Ba saiba o que é uma metáfora, e portanto...??? …………….
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