Terá razão, mas… se fosse alemão, no
tempo de Hitler, não poderia dizer o que diz. E hoje, talvez também não, se
noutro país vivesse… O certo é que tanto destilar de ódio, contra tudo e contra
todos, não nos isenta da nossa própria analogia com esses todos, julgo.
Deliberada ou acidentalmente, o SNS
“colapsou” no momento em que desatou a cancelar consultas, a adiar cirurgias,
em suma, a repelir doentes graves para receber com dignidade os infectados com
o vírus
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR , 26
dez 2020
Uma mulher, cerca de 60 anos, sofre de um tumor no cérebro. Não tem família próxima, excepto uma sobrinha. O
tumor afecta-lhe os movimentos e torna-a completamente dependente do auxílio
alheio, até nas tarefas mais insignificantes e habituais. Há um mês e tal
internaram-na num dos grandes hospitais de uma área urbana. Passados dias,
enviaram-na para um segundo grande hospital, nas redondezas. Este não demorou a
enxotá-la para uma “unidade de cuidados continuados”, ou coisa parecida,
localizada num subúrbio. A “unidade” também não a quis: chamou os bombeiros
para depositarem a mulher em casa. Os bombeiros tencionavam largá-la à porta. A
mulher informou-os de que não conseguia mexer-se. Os bombeiros carregaram-na
para o interior do apartamento, onde ficou. Em pouco tempo deixou de atender
chamadas. A sobrinha e duas ou três amigas preocuparam-se. Alguém forçou a
entrada. A mulher estava viva, consciente, subnutrida, cheia de sede e suja dos
próprios dejectos. A sobrinha conseguiu que voltassem a interná-la num dos
referidos grandes hospitais. Desde então que não há notícias da mulher.
Contactado insistentemente, o hospital não dá informações aos interessados. É
possível que continue viva, se acharmos que isto é viver.
Muitos portugueses em situação comparável já morreram. Nos últimos nove meses, quando a Covid
ganhou prioridade sobre todas as maleitas inócuas, milhares de pessoas, consta
que dez mil, faleceram de cancro ou de doenças cardíacas ou do que calhou por
assistência deficiente ou nula. É fácil
imaginar que uma quantidade superior de desgraçados esteja a caminho de um fim
similar por similares razões. Não é fácil imaginar que haja razão para um crime
tão medonho. E que o crime vá ficar impune.
O
crime, ou, se preferirem, a estratégia de combate à Covid obedece a um
objectivo, em simultâneo absurdo e inviável. Por um lado, pretende-se impedir o
“colapso” do SNS, missão que pelos vistos implica o sacrifício derradeiro de
incontáveis azarados, mártires que ninguém lembra ou reconhece (curioso: os
leigos acreditariam que um serviço público de saúde existe para ajudar
cidadãos. Afinal é o contrário). Por outro lado, não faz sentido impedir um
“colapso” que já aconteceu. Deliberada
ou acidentalmente, o SNS “colapsou” no momento em que desatou a cancelar
consultas, a adiar cirurgias, a pendurar diagnósticos e, em suma, a repelir
doentes graves para receber com dignidade os infectados com o coronavírus. E,
dentre estes, principalmente aqueles sem idade bastante para morrer em lares de
velhos, conforme recomenda a etiqueta.
Dez mil mortos. Na Guerra
Colonial não morreram tantos soldados portugueses. Na Iª Guerra morreu um
quinto na Flandres. Mesmo
descontando os que morrerão no futuro e os que se limitaram a adoecer por falta
de cuidados, é muita gente. Mesmo descontando os que se limitaram a empobrecer
dramaticamente por causa da “estratégia” global e alucinada contra a Covid, é
muita gente. Dez mil mortos, vale a pena repetir.
Não vale a pena repetir. Fora os
familiares e amigos dos atingidos, que se não forem irremediavelmente obtusos
percebem a crueldade do exercício, o povo em geral não se importa que se
condenem milhares a uma morte escusada logo que isso salve da morte um número
indeterminado de indivíduos. A propósito, somos
diariamente informados de quantos morrem “com” e talvez “por” Covid. Quantos se
salvam da Covid graças à “estratégia”? O povo, maioritariamente favorável à
“estratégia”, não faz essa pergunta. O povo, instigado por políticos
inqualificáveis e “media” submissos, receia o que o mandam recear e não faz
perguntas. Aos poucos que as fazem, a ortodoxia chama “negacionistas”, erguendo
de súbito a Covid ao estatuto do Holocausto.
Convém
notar que “negacionismo”, na acepção de negar a realidade, é aceitar as “medidas”, as restrições, as
humilhações, as falências, as doenças e as mortes, milhares de mortes, a
pretexto da Covid. “Negacionismo” é resumir o mundo à Covid em
prejuízo do que sobra. “Negacionismo”
é acreditar que “lá fora” é igual, e que todos os países têm o excesso de
mortalidade “não-Covid” que Portugal tem, e que todos os países impõem as
regras grotescas que Portugal impõe, e que todos os países são susceptíveis à
prepotência e à miséria como Portugal é. “Negacionismo”
é, perante um cenário de cadáveres e ruínas, elogiar as “autoridades”
responsáveis pelos cadáveres e pelas ruínas. “Negacionismo” é o brutal desprezo
pelos danos infligidos nos que nos rodeiam, na solitária condição de que nós
não apanhemos o bicho. “Negacionismo” é este egoísmo terminal e esta cegueira.
A Covid trouxe ao de cima o pior dos portugueses.
Alguns dos piores portugueses já
estavam em cima, e só aproveitaram a Covid para se fazerem mais pesados. A higiene aconselha a, por uma vez, evitar os respectivos
nomes. Um deles, porque consentimos que proíba, proibiu as
celebrações de Ano Novo. Nisso foi pertinente: celebrar o quê? Mudar a folha no calendário não mudará nada na
tirania dócil a que estamos sujeitos. A “estratégia” contra a Covid permanecerá
firme, à semelhança da devastação que provoca. E nem a vacina, privilégio da
civilização e aqui intencionalmente “coordenada” por casos clínicos de
destrambelhamento, nos aliviará a carga. 2021 será 2020 com mais um número: o
número das próximas vítimas da loucura instalada. Bom ano, pois. Aos que lá
chegarem, e aos que lhe sobreviverem. A mulher da história inicial, disseram-me
entretanto, em princípio não chega. E de certeza não sobrevive. Não há vida
para lá da Covid, mas há morte.
SERVIÇO
NACIONAL DE SAÚDE PAÍS PANDEMIA
SAÚDE
COMENTÁRIOS:
Carlos Quartel: Tudo leva a
crer que a tragédia (as tragédias) descrita corresponda à verdade. As
estatísticas não mentem. Quase um ano sem assistência médica, fora do covid,
milhões de consultas, milhares de intervenções adiadas, alguns milhares de
mortos em resultado desse abandono. Isso
é intolerável, mais intolerável é a sociedade aceitar isso, é a imprensa
aceitar isso, é a oposição viver bem com isso. Fala-se de Natal, de compras, de
restaurantes, de sapatinho, os padres mudos e calados, o presidente e a sua ceia,
o Costa e o seu retiro. Dos milhares de desgraçados abandonados não reza a
história. É todo um
país, um povo a apodrecer e o cheiro não é agradável.
Maria Augusta: Excelente e
triste texto da realidade que desgraçadamente vivemos neste penico à beira-mar
plantado "governado" e manobrado pelo socialismo serôdio que muitos
aguentam e outros mais parecem gostar.
10.000
mortos é muita gente! Só daqui a alguns anos e quando saírem do poder e as
pessoas não tiverem medo de falar é que será possível ter uma noção dos crimes
hediondos desta cambada comandados pelo aldrabão psicopata do Punjab! Como
diria outro vigarista profissional dos xuxarecos: "Porreiro pá!"
Hugo Gonçalves: Aliás, a
questão pode ser posta neste sentido: se 10000 mortos ñ chegam para repensar a
estratégia, q número de mortos por “não-Covid” teremos de alcançar para a
mudar? Ou por outro lado, qts mortos ñ-Covid valem um morto Covid?
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