domingo, 13 de dezembro de 2020

Receituário para notoriedade


A repetição ameaçadora do nome do acusado. Surtiu efeito aqui, no texto de JMT - Eduardo Cabrita, que leva palmatoadas talvez merecidas, mas estranhas na boca de um jovem comentador impaciente e loquaz, repetindo os feitos e os dizeres do seu réu, na descoberta gradual da verdade acusadora - forma de identificação das questões que tem o seu quê dos despachados diálogos socráticos, na descoberta progressiva das teorias, de narrador e narratário presentes na diegese, mas aqueles sem o azedume, é claro, que manifesta o discurso condenatório de JMT. Não, não sei se gostei deste discurso irónico, que não abona muito a favor do jornalista, atrevidamente presunçoso.

OPINIÃO do acusado,

Eduardo Cabrita, um ministro espectacular

Eduardo Cabrita não só esteve sempre atento ao defunto ucraniano, como devemos ao seu talento – abram a boca de espanto – a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República.

JOÃO MIGUEL TAVARES

PÚBLICO, 12 de Dezembro de 2020

Eduardo Cabrita deu uma conferência de imprensa na quinta-feira para explicar aos portugueses que, na opinião de Eduardo Cabrita, Eduardo Cabrita é um excelente ministro. Eduardo Cabrita foi o único português que se preocupou com a morte de Ihor Homeniuk quando todos os outros “estavam distraídos”. Eduardo Cabrita não se limitou a agir – durante meses, ele foi o único que agiu. Eduardo Cabrita não se limitou a ver – durante meses, ele foi o único que viu. Eduardo Cabrita deu os parabéns à comunicação social por finalmente ter reparado naquilo que Eduardo Cabrita reparou desde sempre. “Bem-vindos ao combate pela defesa dos direitos humanos”, disse Eduardo Cabrita.

Algumas pessoas maldosas argumentaram que Eduardo Cabrita se esqueceu até hoje de indemnizar a viúva do morto e que demorou nove meses a despedir a directora do SEF. São pessoas que não compreendem Eduardo Cabrita. Felizmente, Eduardo Cabrita tratou de as informar da excelência da sua pessoa e do alcance da sua acção. Eduardo Cabrita não só esteve sempre atento ao defunto ucraniano, como devemos ao seu talento – abram a boca de espanto – a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. Se acaso for votar em Marcelo em Janeiro, caro leitor, não se esqueça de deixar uma nota de agradecimento a Eduardo Cabrita no boletim.

Passo a citar o excelso ministro: “Depois dos incêndios florestais de Outubro de 2017 [quando substituiu Constança Urbano de Sousa na Administração Interna], garanti três anos de segurança absoluta, com zero vidas perdidas de civis em incêndios rurais e três anos sucessivos abaixo da média ardida dos últimos três anos. De tal maneira que essa que era uma condicionante, uma questão que poderia determinar a não-recandidatura [de Marcelo Rebelo de Sousa] à Presidência da República, foi afastada.

Eduardo Cabrita foi o homem que pavimentou o caminho para Marcelo, qual João Baptista da Administração Interna. O Presidente da República havia declarado, em 2018, que se houvesse tragédia semelhante a 2017 até final do seu mandato “isso seria, só por si, impeditivo de uma recandidatura”. Felizmente, Eduardo Cabrita estava atento. Graças à sua actuação, em três anos consecutivos não morrerem civis nos incêndios (os cinco bombeiros e o piloto de aviões que morreram em 2020 não são civis) e a área ardida foi curtíssima (os ciclos regulares entre mega-incêndios não são para aqui chamados). Mesmo que Eduardo Cabrita se tivesse distraído um pouco em relação ao SEF – não distraiu, nunca! –, teria sido apenas por estar a trabalhar tão afincadamente na permanência de Marcelo em Belém.

É, por isso, chocante a ingratidão que o Presidente da República demonstrou para com Eduardo Cabrita na quinta-feira, esquecendo todos os benefícios que ele lhe tem proporcionado desde 2017. Assim que Eduardo Cabrita acabou de explicar quão excelente ele é, o Presidente da República começou a explicar que se calhar não é. Disse Marcelo: “É preciso saber se [a morte de Ihor] foi um acto isolado ou se é um sistema. Se for sistemático, uma instituição assim não pode sobreviver. Depois surge uma outra questão: a de saber se aqueles que deram vida ao sistema durante um determinado período podem ser protagonistas do período seguinte, ou se devem ser outros.” Fosse Eduardo Cabrita uma pessoa vingativa, e ainda deixava arder um bocado de Portugal até 24 de Janeiro, só para chatear Marcelo. Mas Eduardo Cabrita não é vingativo. É apenas espectacular.

Jornalista

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COMENTÁRIOS

JORGE COSTA EXPERIENTE: Excelente artigo JMT! Irónico q.b., este Ministro num Pais decente já se teria demitido. Mas, estamos em Portugal e ao leme continua um Primeiro-Ministro que tudo permite aos amigos mais chegados. É o caso de Eduardo Cabrita. Vergonha!...         Paco Silva INICIANTE: Eduardo Cabrita para Presidente! Tanta excelência num homem só, não se pode perder. Ou para Comissário Europeu.          JarDiniz EXPERIENTE: Caro JMT Talvez você não esteja a ver bem a "coisa". Na minha opinião, o ministro Cabrita quis dar uma "indirecta" ao PR que, no dia anterior, tinha tirado o "tapete" ao Ministro. O silêncio mais estranho e anormal foi o do PR que comenta, felicita e dá nota a tudo o que cheira ou lhe chega perto...mas neste caso, nada! Ao menos, o Ministro fez o que devia, mau grado a crítica a que temos de lhe dirigir de não ter promovido mais cedo a saída da ex-Directora. Mas um dia vai saber-se a razão!      jorge morais EXPERIENTE: Não me diga que não sabe a razão. O que parece que já se sabe, é que a senhora já tem colocação. Quanto ao saber mais tarde, a prática diz -nos pode esperar sentado.     José Cruz MagalhaesMODERADOR: O texto de hoje, do JMT, devo conceder que passa por ser um excelente retrato do político enquanto carreirista, para o que, aliás, é o próprio a fornecer a matéria prima essencial. Para os mais esquecidos destas coisas dos personagens imorredouros, da nossa gesta literária, onde é forçoso incluir o nosso PM, é uma excelente evocação da prestação de qualquer Conde de Abranhos, ou dos distintos anónimos parlamentares das cortes que a pena e a verve de Camilo imortalizaram.       Nestor Robalo INICIANTE: Devo referir que nunca fui fã do discurso nem de muitas posições de JMT. Mas há que o dizer - tal como no seu artigo da passada semana, onde denunciava as muito bem orquestradas campanhas de difamação a quem punha o poder (neste caso o PS) em causa, também hoje está coberto de razão ao referir-se à inacreditável posição (ou cumplicidade, depende das perspectivas) de Eduardo Cabrita neste caso!          rosab EXPERIENTE Só gente estúpida e insensível não se apercebeu ainda, até que ponto o humor (seja ele branco, amarelo, azul ou negro) pode ser demolidor e pôr a nu o que de outras formas ficará sempre a boiar em águas "mansas" e putrefactas. Sobre o assunto em questão, este artigo de opinião expô-lo como ninguém. Um pouco a funcionar como a "cereja em cima do bolo", umas pauladas um pouco mais dolorosas no lombo dos srs. Costa e Marcelo, eram capaz de vir a calhar... Tristemente continuamos assolados por Covid, tristemente morre a filha de um cantor português, tristemente o sr. Marcelo envia condolências à sua família e está o caso a ser investigado. Também. É diferente? Será. Mas condolências à viúva de quem cá foi assassinado, não deve ter tempo..."próprio".     OldVid19 INICIANTE: Comparado com o cronista, o ministro Cabrita é um principiante. Da pantomina.        SC RIBEIRO EXPERIENTE: Todos malham no Cabrita. É o chamado seguidismo na C. S., como não frequento as redes não sei o que lá se diz... mas quase adivinho. Quanto ao Sr. PR que andou 9 meses para parir um ataque ao Cabrita, isso não interessa nada, lá diria a Teresa Guilherme. Como é bom ter amigalhaços nos comentadeiros...         Mario Coimbra EXPERIENTE: Quer que se malhe em quem. Na Ucrânia por mandar pessoas para cá? Perante a gravidade do caso quer que se malhe em quem? Nem sequer pagámos a transladação. Acha isto normal. O Ministro devia ter tido o seu gabinete a seguir este caso com atenção e não teve. Foi incompetente.       dsog.899665 INICIANTE: Todo este caso é lamentável. A tortura e o assassinato deste ser humano parece vir do manual dos torcionários da PIDE. Lamento que o autor deste artigo seja selectivo relativamente aos casos que comenta, outros casos houve em que manteve o silêncio (não lhe conheço nenhum artigo sobre o caso dos activistas Angolanos, por exemplo). Mas enfim, como sociedade civil compactuamos pelo silêncio, a responsabilidade recaí sobre todos nós. Sobre as comadres que agora berram mas nada fizeram, é triste.      jorge morais EXPERIENTE: O caso dos activistas angolanos foi cá? Se foi, não me lembro.         dsog.899665 INICIANTE: Agradeço o seu sarcasmo desnecessário e pouco criativo. Os Monty Phyton ligaram...o senhor é hilariante. Respondendo à sua afirmação/pergunta, o membro provavelmente mais mediatizado, Luaty Beirão é luso-angolano.... Só para deixar em fora de jogo o seu relativismo e demagogia.....Os direitos humanos não são universais? Tentar justificar um desonesto intelectual leva à desonestidade intelectual... Pense por si faz bem à saúde...       MIGUEL VARETA INICIANTE: Se o ridículo matasse , a este Cabrita nem a alma se proveitava        Por bom caminho e segue EXPERIENTE: Tavares, tem alguma razão no que diz acerca do ministro, mas excede-se, muito divertido com as palavras. Pior ainda, se é seu o comentário a um leitor, parece achar bem que a Ucrânia pague 100 euros mensais a uma sua cidadã. Realmente...      finas INICIANTE: Onde é que jmt aparenta “parecer bem” que o estado ucraniano pague 100 euros à viúva? Jmt apenas enuncia o facto, não tecendo considerações sobre o mesmo.     GMA EXPERIENTE: Por muito mau que seja o Ministro, será sempre um pouco menos mau que o Sr. Tavares como opinador!       jorge morais EXPERIENTE: Não diga asneiras p.f. Mas se insiste em defender aquela coisa, é pior do que ele.      Mario Coimbra EXPERIENTE: Claro, malhe no cronista. É sempre preferível do que olhar de frente para a realidade deste episódio. Meter a cabeça na areia não faz parar o mundo sabe? A não ser o seu. Este caso é grave demais para passar entre os pingos da chuva. Por muito bom que o ministro seja ou tenha sido este caso é, infelizmente, grave demais para algo menos do que a sua demissão. Mario Coimbra EXPERIENTE: Caro JMT, isto é trágico demais para ser verdade. Não só a morte to cidadão ucraniano como a falta de habilidade dos nossos políticos para perceber a gravidade deste caso. Este senhor devia ter saído pelo próprio pé como Jorge Coelho fez aquando da ponte. Como não acontece o PM devia ter pedido que saísse. O damage está done. Não há nada que este senhor possa dizer, fazer que limpem a sua imagem disto. O PM não só não pede o seu lugar como se agarra como uma lapa ao ministro. É muito muito mau. Uma nota final. Demorou muito à Comunicação Social para pegar neste caso. Andou sempre por aí mas só agora é que pegou e eu adoraria perceber porque.      jmtavares EXPERIENTE: A morte de Ihor coincidiu com o início da pandemia. Essa é a razão principal para o relativo desinteresse. Há o mérito dos jornalistas que não desistiram de acompanhar o tema, e mais recentemente a entrevista da viúva a dizer na televisão que teve de pagar a trasladação das cinzas. Um mulher que recebe 100 euros por mês do Estado ucraniano pagou 2.200 euros para receber de volta as cinzas de um homem barbaramente assassinado às mãos do Estado português. Isso fez aumentar os níveis de indignação, e ainda bem.         cidadania 123 EXPERIENTE: É triste perceber que este caso do ucraniano no aeroporto não é um caso de polícia e da justiça, como deveria ser, mas afinal trata-se de guerra política. Ainda a justiça não apurou nada comprovadamente (apenas existe o lado da acusação e muitas insinuações jornalísticas), e já querem todos a cabeça do ministro. Percebe-se a campanha de ataque ao governo, e casos destes fragilizam a nossa democracia pois afastam da política os competentes e honestos, deixando lugar para os desonestos e ambiciosos.

 

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