sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Venha o Diabo e escolha


Vacina, sim, claro, fundamental. Sobretudo para os países bem estruturados economicamente e socialmente, que depressa recuperarão, com o seu dinamismo próprio, tomada a vacina e recuperada o esforço. Os outros, os que se habituaram ao cibo, não sei. Talvez prefiram  mesmo o cibo.

ELA AÍ ESTÁ, A VACINA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 03.12.20

ou

O VALOR DO DINHEIRO

Nas autocracias, o dinheiro vale o que é determinado por Decreto; nas democracias, o dinheiro vale tanto ou tão pouco quanto as pessoas acreditem mais ou menos nele.

Mas não só…

A política de emissão monetária, a política de taxas de juro, a política orçamental, eis alguns dos instrumentos ao dispor dos políticos que influenciam directamente o valor do dinheiro. De um modo algo simplista e grosseiro, quanto maior a emissão monetária, mais a tendência para a desvalorização se faz sentir; quanto mais altas as taxas de juro, maior a tendência para a valorização; quanto mais deficitárias forem as contas públicas (política orçamental), maior a tendência para a desvalorização.

* * *

Covidado o mundo, instalado o caos económico e elevada a mortalidade das gentes para níveis absurdos, todos esgotámos as preces e só nos resta a esperança na eficácia das vacinas anunciadas. E, umas mais cedo e outras logo depois, aí vêm elas… Aleluia!

Mas a crise económica devastadora em que nos encontramos é… economicamente absurda. Sim, esta crise foi gerada por um elemento exógeno a todas as políticas económicas e financeiras em curso em toda e qualquer parte do mundo antes da entrada em jogo desse elemento exógeno, o vírus. Ou seja, uma vez dominado (extinto, de preferência) esse elemento estranho, tudo tenderá a retomar o que estava em funcionamento antes da hecatombe. Assim sendo, esperemos por uma explosão das taxas de recuperação económica. Admito mesmo que essa explosão começará ainda antes da vacinação global da Humanidade e que não tardarão tensões típicas de variações bruscas.

As variações bruscas ocorrerão sobretudo no investimento para repor em funcionamento as empresas que hibernaram durante a crise e no consumo das famílias de todos os desempregados ou «layoffados» que regressam ao trabalho. Os juros dos empréstimos tenderão a subir, o nível de preços dos bens de consumo corrente tenderá a subir. Excluindo o drama das empresas que morreram por não terem sido atempadamente socorridas, as que hibernaram e sobreviveram foram aguentadas por fundos próprios e por alheios, nomeadamente por subsídios a fundo perdido, subsídios reembolsáveis e endividamento puro e simples.

A ironia do presente texto está no alerta para o que se vai seguir à presente situação de enorme dramatismo com o flagelo da morte empresarial, a acumulação de créditos incobráveis, o desemprego em níveis seguramente muito superiores ao que os números oficiais referem, com o «Banco Alimentar Contra a Fome» a fazer notícias nos telejornais… e venho eu aqui tratar das tensões geradas pelo desenvolvimento brusco.

Mas a crise só será eterna para quem morrer antes de ela acabar e uma vez vislumbrada a luz ao fundo do túnel, a vida retomará o seu curso… com défices públicos exorbitantes e com uma massa monetária extravagante em resultado da emissão «à la diable» sobretudo para os tais subsídios a fundo perdido. E essa extravagância ou é rapidamente reabsorvida ou corre-se o risco de ela provocar um tsunami inflacionista a nível mundial.

A questão é agora a de saber como se fará essa reabsorção. Pela via fiscal? Mas as famílias e as empresas ainda mal despertaram de regresso à vida e já o Fisco lhes bate à porta com carga acrescida? Solução de muito difícil digestão.

E o que se passará com os exorbitantes défices públicos? Alguém os há-de financiar mas as taxas de juro subirão a níveis há muito esquecidos no primeiro mundo. A menos que a Senhora Lagarde faça das tripas coração e puxe as taxas para baixo como fez o seu antecessor, nomeadamente metendo o BCE nos mercados primários e recorrendo às quantitative easies. Tudo, mantendo o Euro sustentadamente forte, herdeiro do Deutshe Mark federal para que as pessoas possam continuar a acreditar nele. Aliás, não por patriotismo monetário mas apenas porque as desvalorizações apenas servem para encobrir problemas de competitividade.

Conclusão: depois da crise pandémica, resta-nos a austeridade global ou as vagas sucessivas de tsunamis inflacionistas, o descalabro globalizado da qualidade de vida. E isso não augura nada de bom para a paz mundial.

Votos de boa vacinação.

Dezembro de 2020

Henrique Salles da Fonseca

Tags: economia

COMENTÁRIOS:

Anónimo 04.12.2020: Por natureza, costumo ser optimista, mas confesso que estou algo pessimista, apesar de tudo não tanto como aparentas, Henrique. Vamos por partes e, neste caso, dividi o comentário em dois.
Quanto ao risco de guerra, tenho presente o alerta feito há menos de um mês pelo comandante das forças britânicas, general Nick Carter, que chamou a atenção para o risco de guerra mundial, por os diversos focos de guerra regionais existentes poderem ser potenciados pela actual incerteza mundial e pela aguda crise económica decorrente da actual pandemia. Mas creio que esse risco é baixo e mais reduzido ficou com o recente resultado eleitoral nos EUA. Já não digo que o risco de hiperinflação, a nível mundial, esteja tão baixo como o anterior, mas se olharmos para a zona Euro, ou mesmo para a EU, estou em crer que aquele também é diminuto. O trauma que a Alemanha passou no início da década 20 do século passado permanece 100 anos depois, e tudo se fará para conter o processo inflacionista. Não é por acaso que é obrigação estatutária do BCE gerir o euro, assegurar a estabilidade dos preços e conduzir a política económica e monetária da EU. Se não erro, o limite previsto para inflação é da ordem dos 3%. Talvez venha a propósito citar um caso verídico que ilustra bem o que é a hiperinflação. Recolhi-o do livro “À beira do Abismo” do grande historiador Ian Kershaw (pág. 132):
Em virtude do draconiano Tratado de Versalhes, das indemnizações que a Alemanha tinha de pagar, da ocupação pelas forças francesas e belgas do Ruhr, para se pagarem das indemnizações, gerou-se uma hiperinflação na Alemanha em 1923. A poupança de cem mil marcos seria suficiente, em tempos normais, para fazer face às necessidades até ao final de vida dum idoso. Mas naquele ano, apenas dava para comprar… um bilhete de metro. Um culto ancião berlinense com esse montante, que era a sua poupança, comprou o bilhete, usufruiu da viagem, regressou a casa, fechou-se e morreu à fome. A isto chama-se hiperinflação e os seus efeitos. Quanto à dicotomia saúde e economia, considero que o Governo português tem feito o equilíbrio possível, ao contrário de outros, como os do Brasil, dos EUA e da Suécia, esta pelo menos na 1ª fase, que privilegiaram nitidamente a Economia. Admito que essa tentativa de equilíbrio tenha existido quando da pneumónica e quando a peste bubónica que assolou o Porto, em 1899, vitimando o Dr. Câmara Pestana, que a investigava, e levando a fugir da cidade o Dr. Ricardo Jorge por ser o responsável de determinadas medidas sanitárias que prejudicavam a vida quotidiana dos habitantes e a economia da região. Será curioso, Henrique, ouvir o que um dos três deputados republicanos, então eleitos no meio da crise, disse nas Cortes. Refiro-me ao Dr. Afonso Costa, futuro ministro da Justiça da 1ª República: “os 111 óbitos motivados pela pandemia não valem os milhares de contos perdidos pelo comércio e pela indústria e os mil contos gastos pelas medidas adoptadas”. O Dr. José Hermano Saraiva, no seu livro já citado por mim aqui há dias, “Os últimos 100 anos” não explicita se o deputado disse qual seria o número de óbitos que justificaria aquelas medidas (pág.109). Vistos superficialmente estes dois aspectos que abordas, resta o tema da austeridade. Mas esse fica para o comentário seguinte. Até já. Carlos Traguelho

Anónimo 04.12.2020: A título de continuação do comentário anterior, segue-se este, exigido pela complexidade do teu post, Henrique. O fundamental é que o apoio do Estado seja bem dirigido, muito especialmente, quando nos confrontamos com limitações em virtude do nosso elevado endividamento. Não foi certamente por casualidade que ouvimos, concomitantemente com a recente presença da Presidente da Comissão da EU no Conselho de Estado, o 1º Ministro dizer que não recorria às facilidades de crédito da UE, mas tão-só aos subsídios a “fundo perdido” e o Governador do BdP chamar a atenção para o endividamento, o qual, segundo as notícias, e como se esperava, não cessa de subir, quer em valor absoluto, quer em percentagem em relação ao PIB. Sendo os recursos insuficientes para acorrer a todas as necessidades, há que seleccionar os utilizadores dos fundos. O critério não pode ser os “beneficiários do costume”, nem os que encontram mais eco na comunicação social, mas sim os que tinham viabilidade económica antes da pandemia e que a mantêm após ela, sem prejuízo de poderem ter de fazer alguma reestruturação. Reconheço que estes três conjuntos não são disjuntos e poderá haver alguma intercepção entre eles, mas a tónica dominante terá de ser o terceiro grupo, pois de contrário o tecido empresarial deteriorar-se-á mais ainda, por se afectar recursos a salvar empresas que não são susceptíveis de o ser, faltando depois os fundos para aquelas onde realmente falta fazem para a sua subsistência sustentada. O Governo parece dar alguns sinais de “independência” e de objectividade neste domínio. Tenho consciência que serão dolorosos os próximos tempos, mais do que agora onde existe alguma anestesia decorrente das significativas moratórias de empréstimos, acabadas de prorrogar, aliás, para março do próximo ano. Na expectativa de muitas moratórias não serem liquidadas, no todo ou em parte, estão os Bancos a constituir desde já paridades, afectando os resultados e constituindo, penso, um convite ao aprofundamento da consolidação bancária, mediante a compra de uns bancos por outros. Irá ocorrer, certamente, a extinção de postos de trabalho, alimentando eu a esperança que outros surjam rapidamente para compensar os primeiros, embora possam ter perfil profissional diferente, exigindo, consequentemente, outros skills. A reconversão também irá ocorrer, seguramente. A componente digitalização, que tem sido prosseguida pelas medidas governamentais e empresariais em data anterior à pandemia, diga-se, irá impor-se de forma mais acentuada. Espero que os programas de ensino estejam a acolher as previsíveis necessidades de formação.
Há dias, num noticiário da TV vi uma jovem empregada de uma importante empresa dizer que a reestruturação da empresa não devia significar extinção de postos de trabalho. Tive um sorriso amargo e triste por ela estar a ter o seu baptismo de fogo, como se as duas expressões não fossem as duas faces da mesma moeda. O meu baptismo foi no início dos anos 80, na sequência das duas intervenções do FMI em que os gestores de certas empresas em reestruturação eram menos avaliados pelos resultados económicos ou pelas vendas do que pelo número de postos trabalhos que extinguiam e pelas soluções de outsourcing que arranjavam, como forma de transformar custos fixos em variáveis. Espero que o Plano de Reestruturação e Resiliência seja um plano, com timings definidos, que nem tudo tenha a mesma prioridade e que seja orientado essencialmente para os sectores, actividades e unidades empresariais fulcrais para o desenvolvimento sustentado do País. Grande abraço
. Carlos Traguelho

Henrique Salles da Fonseca 05.12.2020 12:17: Sem dúvida e agora se falamos disto, dizem: és fascista. Como estão enganados! Reflectindo, pergunto: não será melhor olhá -los e pensar como são " pequeninos" e deixar andar? Isabel Pedroso

 

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