Vacina, sim, claro, fundamental. Sobretudo
para os países bem estruturados economicamente e socialmente, que depressa
recuperarão, com o seu dinamismo próprio, tomada a vacina e recuperada o
esforço. Os outros, os que se habituaram ao cibo, não sei. Talvez prefiram mesmo o
cibo.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA
NAÇÃO, 03.12.20
ou
O VALOR DO
DINHEIRO
Nas
autocracias, o dinheiro vale o que é determinado por Decreto; nas
democracias, o dinheiro vale tanto ou tão pouco quanto as pessoas acreditem
mais ou menos nele.
Mas
não só…
A política de emissão monetária, a política de taxas de juro, a
política orçamental, eis
alguns dos instrumentos ao dispor dos políticos que influenciam directamente o
valor do dinheiro. De um modo algo simplista e grosseiro, quanto
maior a emissão monetária, mais a tendência para a desvalorização se faz
sentir; quanto mais altas as taxas
de juro, maior a tendência para a valorização; quanto
mais deficitárias forem as contas públicas (política orçamental), maior a
tendência para a desvalorização.
*
* *
Covidado
o mundo, instalado o caos económico e elevada a mortalidade das gentes para
níveis absurdos, todos esgotámos as preces e só nos resta a esperança na
eficácia das vacinas anunciadas. E, umas
mais cedo e outras logo depois, aí vêm elas… Aleluia!
Mas a crise económica devastadora em que nos encontramos é…
economicamente absurda. Sim, esta
crise foi gerada por um elemento exógeno a todas as políticas económicas e
financeiras em curso em toda e qualquer parte do mundo antes da entrada em jogo
desse elemento exógeno, o vírus. Ou seja, uma vez dominado (extinto, de
preferência) esse elemento estranho, tudo tenderá a retomar o que estava em funcionamento
antes da hecatombe. Assim sendo, esperemos por uma explosão das taxas de
recuperação económica. Admito mesmo que essa explosão começará ainda antes da
vacinação global da Humanidade e que não tardarão tensões típicas de variações
bruscas.
As variações bruscas ocorrerão sobretudo no investimento para repor
em funcionamento as empresas que hibernaram durante a crise e no consumo das
famílias de todos os desempregados ou «layoffados» que regressam ao trabalho. Os juros dos empréstimos tenderão a subir, o
nível de preços dos bens de consumo corrente tenderá a subir. Excluindo o drama
das empresas que morreram por não terem sido atempadamente socorridas, as que
hibernaram e sobreviveram foram aguentadas por fundos próprios e por alheios,
nomeadamente por subsídios a fundo perdido, subsídios reembolsáveis e
endividamento puro e simples.
A ironia do presente texto está no
alerta para o que se vai seguir à presente situação de enorme dramatismo com o
flagelo da morte empresarial, a acumulação de créditos incobráveis, o
desemprego em níveis seguramente muito superiores ao que os números oficiais
referem, com o «Banco Alimentar Contra a Fome» a fazer notícias nos
telejornais… e venho eu aqui tratar das tensões geradas pelo desenvolvimento
brusco.
Mas
a crise só será eterna para quem morrer antes de ela acabar e uma vez
vislumbrada a luz ao fundo do túnel, a vida retomará o seu curso… com défices públicos exorbitantes e com uma massa
monetária extravagante em resultado da emissão «à la diable» sobretudo para os
tais subsídios a fundo perdido. E essa extravagância ou é
rapidamente reabsorvida ou corre-se o risco de ela provocar um tsunami
inflacionista a nível mundial.
A
questão é agora a de saber como se fará essa reabsorção. Pela via fiscal? Mas as famílias e as empresas ainda
mal despertaram de regresso à vida e já o Fisco lhes bate à porta com carga
acrescida? Solução de muito difícil digestão.
E o que se passará com os
exorbitantes défices públicos? Alguém os
há-de financiar mas as taxas de juro subirão a níveis há muito esquecidos no
primeiro mundo. A menos que a Senhora Lagarde faça das tripas coração e puxe as taxas para
baixo como fez o seu antecessor,
nomeadamente metendo o BCE nos mercados primários e recorrendo às quantitative
easies. Tudo, mantendo o Euro
sustentadamente forte, herdeiro do Deutshe Mark federal para que as pessoas
possam continuar a acreditar nele. Aliás, não
por patriotismo monetário mas apenas porque as desvalorizações apenas servem
para encobrir problemas de competitividade.
Conclusão: depois da crise pandémica,
resta-nos a austeridade global ou as vagas sucessivas de tsunamis
inflacionistas, o descalabro globalizado da qualidade de vida. E isso não
augura nada de bom para a paz mundial.
Votos
de boa vacinação.
Dezembro de 2020
Henrique Salles da Fonseca
Tags: economia
COMENTÁRIOS:
Anónimo 04.12.2020: Por natureza,
costumo ser optimista, mas confesso que estou algo pessimista, apesar de tudo
não tanto como aparentas, Henrique. Vamos por partes e, neste caso, dividi o
comentário em dois.
Quanto ao risco de guerra, tenho presente o alerta feito há menos de um mês
pelo comandante das forças britânicas, general Nick Carter, que chamou a
atenção para o risco de guerra mundial, por os diversos focos de guerra
regionais existentes poderem ser potenciados pela actual incerteza mundial e
pela aguda crise económica decorrente da actual pandemia. Mas creio que
esse risco é baixo e mais reduzido ficou com o recente resultado eleitoral nos
EUA. Já não digo que o risco de hiperinflação, a nível mundial, esteja tão
baixo como o anterior, mas se olharmos para a zona Euro, ou mesmo para a EU,
estou em crer que aquele também é diminuto. O trauma que a Alemanha
passou no início da década 20 do século passado permanece 100 anos depois, e
tudo se fará para conter o processo inflacionista. Não é por acaso que é
obrigação estatutária do BCE gerir o euro, assegurar a estabilidade dos preços
e conduzir a política económica e monetária da EU. Se não erro, o limite
previsto para inflação é da ordem dos 3%. Talvez venha a propósito citar um
caso verídico que ilustra bem o que é a hiperinflação. Recolhi-o do livro “À
beira do Abismo” do grande historiador Ian Kershaw (pág. 132): Em virtude do
draconiano Tratado de Versalhes, das indemnizações que a Alemanha tinha de
pagar, da ocupação pelas forças francesas e belgas do Ruhr, para se pagarem das
indemnizações, gerou-se uma hiperinflação na Alemanha em 1923. A poupança de
cem mil marcos seria suficiente, em tempos normais, para fazer face às
necessidades até ao final de vida dum idoso. Mas naquele ano, apenas dava para
comprar… um bilhete de metro. Um culto ancião berlinense com esse montante, que
era a sua poupança, comprou o bilhete, usufruiu da viagem, regressou a casa,
fechou-se e morreu à fome. A isto chama-se hiperinflação e os seus efeitos. Quanto à dicotomia saúde e economia,
considero que o Governo português tem feito o equilíbrio possível, ao contrário
de outros, como os do Brasil, dos EUA e da Suécia, esta pelo menos na 1ª fase,
que privilegiaram nitidamente a Economia. Admito que essa tentativa de
equilíbrio tenha existido quando da pneumónica e quando a peste bubónica
que assolou o Porto, em 1899, vitimando o Dr. Câmara Pestana, que a
investigava, e levando a fugir da cidade o Dr. Ricardo Jorge por ser o
responsável de determinadas medidas sanitárias que prejudicavam a vida quotidiana
dos habitantes e a economia da região. Será curioso, Henrique, ouvir o que
um dos três deputados republicanos, então eleitos no meio da crise, disse nas
Cortes. Refiro-me ao Dr. Afonso Costa, futuro ministro da Justiça da 1ª
República: “os 111 óbitos motivados pela pandemia não valem os milhares de
contos perdidos pelo comércio e pela indústria e os mil contos gastos pelas
medidas adoptadas”. O Dr. José Hermano Saraiva, no seu livro já citado por
mim aqui há dias, “Os últimos 100 anos” não explicita se o deputado disse qual
seria o número de óbitos que justificaria aquelas medidas (pág.109). Vistos
superficialmente estes dois aspectos que abordas, resta o tema da austeridade.
Mas esse fica para o comentário seguinte. Até já. Carlos
Traguelho
Anónimo 04.12.2020: A título de
continuação do comentário anterior, segue-se este, exigido pela complexidade do
teu post, Henrique. O fundamental é que o apoio do Estado seja bem dirigido,
muito especialmente, quando nos confrontamos com limitações em virtude do nosso
elevado endividamento. Não foi certamente por casualidade que ouvimos,
concomitantemente com a recente presença da Presidente da Comissão da EU no
Conselho de Estado, o 1º Ministro dizer que não recorria às facilidades de
crédito da UE, mas tão-só aos subsídios a “fundo perdido” e o Governador do BdP
chamar a atenção para o endividamento, o qual, segundo as notícias, e como se
esperava, não cessa de subir, quer em valor absoluto, quer em percentagem em
relação ao PIB. Sendo os recursos insuficientes para acorrer a todas as
necessidades, há que seleccionar os utilizadores dos fundos. O
critério não pode ser os “beneficiários do costume”, nem os que encontram mais
eco na comunicação social, mas sim os que tinham viabilidade económica
antes da pandemia e que a mantêm após ela, sem prejuízo de poderem ter de fazer
alguma reestruturação. Reconheço que
estes três conjuntos não são disjuntos e poderá haver alguma intercepção entre
eles, mas a tónica dominante terá de ser o terceiro grupo, pois de contrário
o tecido empresarial deteriorar-se-á mais ainda, por se afectar recursos a
salvar empresas que não são susceptíveis de o ser, faltando depois os fundos
para aquelas onde realmente falta fazem para a sua subsistência sustentada.
O Governo parece dar alguns sinais de “independência” e de objectividade neste
domínio. Tenho consciência que serão dolorosos os próximos tempos, mais do que
agora onde existe alguma anestesia decorrente das significativas moratórias
de empréstimos, acabadas de prorrogar, aliás, para março do próximo ano. Na
expectativa de muitas moratórias não serem liquidadas, no todo ou em parte,
estão os Bancos a constituir desde já paridades, afectando os resultados e
constituindo, penso, um convite ao aprofundamento da consolidação bancária,
mediante a compra de uns bancos por outros. Irá ocorrer, certamente, a extinção
de postos de trabalho, alimentando eu a esperança que outros surjam rapidamente
para compensar os primeiros, embora possam ter perfil profissional
diferente, exigindo, consequentemente, outros skills. A reconversão também irá
ocorrer, seguramente. A componente digitalização, que tem sido prosseguida
pelas medidas governamentais e empresariais em data anterior à pandemia,
diga-se, irá impor-se de forma mais acentuada. Espero que os programas de
ensino estejam a acolher as previsíveis necessidades de formação.
Há dias, num noticiário da TV vi uma jovem empregada de uma importante empresa
dizer que a reestruturação da empresa não devia significar extinção de postos
de trabalho. Tive um sorriso amargo e triste por ela estar a ter o seu baptismo
de fogo, como se as duas expressões não fossem as duas faces da mesma moeda. O
meu baptismo foi no início dos anos 80, na sequência das duas intervenções do
FMI em que os gestores de certas empresas em reestruturação eram menos
avaliados pelos resultados económicos ou pelas vendas do que pelo número de
postos trabalhos que extinguiam e pelas soluções de outsourcing que arranjavam,
como forma de transformar custos fixos em variáveis. Espero que o Plano de
Reestruturação e Resiliência seja um plano, com timings definidos, que nem tudo
tenha a mesma prioridade e que seja orientado essencialmente para os sectores,
actividades e unidades empresariais fulcrais para o desenvolvimento sustentado
do País. Grande abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 05.12.2020 12:17: Sem dúvida e agora se falamos disto, dizem: és fascista.
Como estão enganados! Reflectindo, pergunto: não será melhor olhá -los e pensar
como são " pequeninos" e deixar andar? Isabel Pedroso
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