segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Um artigo esclarecedor

 

Sobre a história recente da Rússia e seus satélites, que muito interessa, como síntese de acontecimentos que por nós passaram, mas que mereceu comentários negativos dos amantes da Rússia, custe o que custar. Limito-me, naturalmente, a recordar com gosto, por carência de outras luzes, e de ficar grata a JOÃO RUELA RIBEIRO que assim nos elucida sobre o passado próximo a Leste.

RÚSSIA

O ano em que Putin começou a ver fugir o império

Nos últimos meses, Putin assistiu ao estalar de crises em várias frentes na sua vizinhança. Há um decréscimo da influência russa sobre os países mais próximos, ainda que o Kremlin continua relevante.

JOÃO RUELA RIBEIRO

PÚBLICO, 20 de Dezembro de 2020

Enquanto a pandemia do vírus SARS-CoV-2 fazia da Rússia um dos epicentros globais da doença, com 2,8 milhões de casos de infecção, obrigando até o Presidente Vladimir Putin, de 68 anos, a manter-se em clausura durante os últimos meses, a sua vizinhança passou por momentos de grande instabilidade.

Não é possível desvalorizar a importância para o Kremlin daquilo que é conhecido como o seu “estrangeiro próximo”, que corresponde ao espaço pós-soviético. Desde que Putin chegou ao poder, há vinte anos, que uma das prioridades da política externa russa tem sido garantir uma forte influência sobre os países que compõem este espaço, recorrendo à economia, recursos naturais, interferência política e, quando tudo falha, até à guerra.

Foi esse interesse que levou Moscovo a avançar sobre a Geórgia, no Verão de 2008, onde ao fim de uma curta guerra conseguiu manter sob jugo dois territórios, a Abkhazia e a Ossétia do Sul. Em 2014, a anexação da Crimeia, que fazia parte do território da Ucrânia, foi outro dos marcos que pautou esse comportamento.

Há quem veja neste percurso a intenção de “restaurar” as fronteiras da União Soviética, ou mesmo do Império Russo, mas os objectivos do Governo russo têm um cariz bem mais pragmático e realista. Moscovo olha para as relações internacionais a partir de uma profunda desconfiança face às intenções de outras potências, sobretudo os Estados Unidos da América, e, em menor grau, da China. Nesse sentido, a influência sobre os países mais próximos permite à Rússia manter uma cintura de segurança entre o seu território e o dessas potências.

O investigador do Centro Carnegie de Moscovo Alexander Gabuev questiona a racionalidade de manter económica e militarmente a influência sobre os países mais próximos, tendo em conta as dificuldades enfrentadas pela própria Rússia, que já vê longe os tempos de prosperidade económica do início do século XXI. Penso que a equação aponta para deixarem ir estes países”, afirma, citado pela BBC.

Porém, nota Gabuev,a sala de guerra do Kremlin é dominada por pessoas com um passado de contra-espionagem que vêem ameaças em todo o lado, um espião ocidental debaixo de cada árvore. Portanto, olham para estes países como um tampão de segurança”.

Política reactiva

Entre as crises políticas na Bielorrússia e no Quirguistão, o desfecho da guerra no Nagorno-Karabakh, e a mudança de Presidente na Moldávia, a influência da Rússia junto dos seus vizinhos mais próximos parece estar a diminuir. No entanto, “estes casos não são iguais”, observa o analista do Centro Carnegie de Moscovo, Andrei Kolesnikov, que falou com o PÚBLICO por e-mail, embora note que, “de uma forma geral, há um decréscimo” da influência do Kremlin.

A tendência não é nova, apenas se tornou mais patente em 2020, um ano em que os efeitos sanitários e económicos da pandemia exacerbaram frustrações latentes em vários pontos do mundo. “As notícias sobre a perda de influência da Rússia sobre o espaço pós-soviético são muito datadas”, escreve o analista Dmitri Trenin. Uns, como os países bálticos, juntaram-se rapidamente às instituições ocidentais poucos anos depois da independência. Outros, como a Ucrânia, protagonizaram um divórcio mais doloroso, e ainda por concluir, mas estão empenhados em integrar-se na esfera ocidental.

A revolução da Praça Maidan em 2014 marca um dos pontos de inflexão deste processo de perda de influência de Moscovo. Apesar da lentidão em alcançar os compromissos assumidos nessa época, nomeadamente a aproximação à União Europeia, hoje a integração ocidental é um consenso entre as principais forças políticas ucranianas, que a anexação da Crimeia e a guerra no Donbass apenas vieram reforçar. Em Moscovo, a separação forçada do “povo irmão” é um trauma que a recuperação da Crimeia apenas mitigou. “Na mente pública russa, especialmente entre os mais jovens, [a Ucrânia] está a tornar-se rapidamente num país estrangeiro”, diz Trenin.

Mais do que uma estratégia para restaurar as fronteiras da União Soviética ou de um qualquer império histórico ou imaginado, o percurso da Rússia de Putin é o de uma constante adaptação a um cenário sempre em mudança. A Rússia não tem uma política discernível e concreta em relação aos países da antiga URSS, a sua política é reactiva e não-estratégica”, diz Kolesnikov.

A anexação da Crimeia é vista sob este prisma, uma reacção rápida, pouco ponderada, mas desejada, face à incerteza trazida pelo derrube do Presidente Viktor Ianukovitch e à percepção de um forte sentimento anti-russo na Ucrânia.

Dmitri Trenin acredita que a Rússia tem adoptado uma postura “pós-imperial”, consciente das suas limitações para influenciar os seus vizinhos – e os acontecimentos de 2020 apenas vieram reforçar essa convicção. “Isto não sugere que a Rússia esteja a fechar-se sobre si ou preparada para fazer concessões a terceiros”, nota o analista. “Apenas significa que o seu modus operandi na vizinhança está a mudar, e a sua postura na Eurásia está em reconfiguração, deixando o império cada vez mais para trás.”

Influência ameaçada no "estrangeiro próximo"

 

Bielorrússia: Lukashenko não é insubstituível

Durante anos a fio, o modelo político da Bielorrússia era visto como uma metonímia do russo, embora com um carácter ainda mais autoritário. Um líder de longa data com poder quase absoluto em que o aparelho de segurança se confunde com o poder de Estado e onde qualquer sinal de dissidência era esmagado antes mesmo de a sociedade ter conhecimento da sua existência. Aleksander Lukashenko era reeleito sucessivamente, com menor ou maior grau de fraude eleitoral, perante a aparente apatia da população e os avisos e sanções do Ocidente, sem que nada de facto mudasse.

Foi então que um terramoto político abalou o Verão de 2020 na Bielorrússia, com protestos populares nunca vistos, com um misto de frustração acumulada e animada pelo receio da postura leviana de Lukashenko face à pandemia. Sem a contestação soçobrar, Lukashenko já prometeu sair quando uma nova Constituição for aprovada, embora a oposição desconfie.

A relação do Kremlin com Lukashenko foi sempre ambivalente, mas a possibilidade de uma revolução popular tão perto das suas fronteiras assusta Moscovo, que ainda convive com o espectro das “revoluções coloridas” ucranianas. O cenário ideal seria uma transição pacífica para uma figura que mantivesse a relação de dependência de Minsk ou que até a viesse a aprofundar.

 

Nagorno-Karabakh: Turquia pôs o primeiro pé no Cáucaso

O descongelamento do conflito entre a Arménia e o Azerbaijão custou quase seis mil vidas, incluindo mais de 150 civis nos dois lados, mas para a Rússia teve um custo geopolítico acrescentado, que aponta desenvolvimentos futuros preocupantes. Moscovo conseguiu mediar um cessar-fogo entre os dois países que há mais de duas décadas disputam o território do Nagorno-Karabakh. Porém, o fim das hostilidades só foi possível com enormes cedências territoriais por parte da Arménia, importante aliada da Rússia.

O acordo premiou os avanços militares alcançados pelo Azerbaijão, que contou com o apoio decisivo da Turquia, ávida de protagonismo na região do Cáucaso. “Por trás do véu fino de um aparente triunfo de política externa, designadamente a mediação bem-sucedida e a permanência de soldados para manter a paz na região, a dura realidade é que a influência de Moscovo na região trans-caucasiana diminuiu acentuadamente, enquanto o prestígio de uma bem-sucedida e audaz Turquia, pelo contrário, cresceu incrivelmente, disse ao Financial Times o director do Centro para Análise de Estratégias e Tecnologias de Moscovo, Ruslan Pukhov. O futuro dirá se o Cáucaso é suficiente para acomodar Moscovo e Ancara, simultaneamente.

 

Moldávia: Rumo pró-europeu, mas até quando?

A Moldávia é frequentemente descrita como um país dividido entre duas visões divergentes quanto ao seu lugar no mundo, entre os que defendem a aproximação à União Europeia e os que promovem uma parceria com a Rússia. Nesse contexto, qualquer mudança mínima na correlação entre estas forças é vista como crucial.

A eleição surpreendente da política pró-EU Maia Sandu, em Novembro, como Presidente, derrotando o então chefe de Estado Igor Dodon, um pró-russo, veio alterar a bússola geopolítica na Moldávia, uma vez mais. Porém, a eleição de uma líder que quer aprofundar as relações com Bruxelas não é sinónimo de uma saída automática de Chisinau da esfera de influência da Rússia.

Desde logo, porque Moscovo é crucial para a resolução do conflito na Transnístria, um território internacionalmente reconhecido como parte da Moldávia, mas que é gerido por um governo-fantoche pró-russo. E também porque a experiência de cumprir com as exigências da UE por parte de antigas repúblicas soviéticas é pródiga em decepções.

Em suma, escreve o analista Nicolae Reutoi na Foreign Policy, “enquanto a vitória de Sandu confirma o enfraquecimento da posição da Rússia, irá de qualquer forma continuar a projectar uma sombra sobre o país”.

Quirguistão: Caos político que preocupa o Kremlin

Num país habituado à convulsão política – dois Presidentes foram afastados do poder nos últimos 15 anos –, as eleições parlamentares de Outubro foram especialmente caóticas. A vitória de partidos apoiados pelo Presidente, Sooronbay Jeenbekov, não foi reconhecida pela oposição, que levantou suspeitas de fraude e rapidamente os protestos tomaram o país.

O primeiro-ministro apresentou a demissão, mas não conseguiu aplacar a fúria das ruas. Em vez disso, foi criada uma nova crise política acerca da chefia do Governo, lançando o Quirguistão ainda mais no caos.

Do ponto de vista da Rússia, a situação assemelha-se à crise na Bielorrússia: Jeenbekov, apesar de ser um aliado, pode ser substituído por outra figura alinhada com o Kremlin, mas é o potencial de disrupção que mais preocupa Moscovo. O Governo russo chegou a suspender a assistência financeira ao país vizinho até que a situação se estabilize.

Na Ásia Central, a Rússia tem ainda outro factor para contemplar na sua busca por influência – a cada vez maior dependência da região do investimento chinês, sobretudo por via do projecto da Nova Rota da Seda. No início do mês, Pequim autorizou o adiamento do pagamento de um empréstimo pelo Quirguizistão, dando uma preciosa almofada financeira a Bishkek.

tp.ocilbup@aleur.oaoj

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COMENTARIOS:
OldVic1
MODERADOR:
O grande princípio orientador da política de Putin é manter as coisas como estão; está condenado ao fracasso. É uma questão de tempo, porque a mudança é inevitável. Cada vez mais, os povos vizinhos vão perceber que abrigar-se sob a asa do Kremlin é ficar para trás, que os outros povos não são malvados de quem é preciso defender-se com a ajuda da Rússia, e que o seu bem-estar depende mais da integração no mundo livre do que em agarrar-se a uma sociedade saudosista e retrógrada. O tempo desfaz todas as ilusões. Opinativo EXPERIENTE: Logo após a queda da USSR, em 1991, a Geórgia começou, como documentado pela Humans Right Watch, um regime de terror e perseguição na Ossétia do Sul semelhante ao praticado pela Sérvia no Kosovo. A Ossétia não faz parte da Rússia nem foi invadida. É independente. A Crimeia, que já tive o prazer de visitar, sempre foi maioritariamente habitada por "russos" ou se preferirem "pró-russos". Obviamente que os "homens verdes" que tomaram conta da Crimeia eram das forças especiais russas. Mas o referendo foi real e a maioria votou ficar na Rússia. O que as pessoas de lá querem é paz, prosperidade e estabilidade. Não lhes interessa muito se a capital fica em Kiev ou em Moscovo. Os Tatars são realmente ostracizados assim como os índios na América.          Jonas Almeida MODERADOR: Como diz, Opinativo, aliás o Público aqui desleixou-se e esqueceu-se dos seus próprios artigos sobre a tentativa de invasão da Ossétia pela Geórgia. Na altura foi-nos explicado que este povo caucasiano (literalmente) fala a sua própria língua e gere o seu próprio estado, a que chama Alania. Exacto ... como nos explicou o Público na altura, esta gente são os Alanos, os mesmos que chegaram até nós e deram nome a Alenquer ...      Joao MODERADOR: Caro Público, porquê afirmar que “Moscovo a avançar sobre a Geórgia” remetendo para um texto de 2018 quando o Público tem a notícia desse mesmo dia 8 de Agosto de 2008 e que diz Público 8/8/2008 “Geórgia ataca capital da Ossétia do Sul e faz 15 mortos”. Eu cá não percebo, ou melhor, até percebo, mas é inadmissível tal coisa. Aliás Reuters 30/9/2009 “Georgia started war with Russia: EU-backed report”. E aliás só para lembrar o “boy” que criou a guerra anda fugido e até já a Georgia lhe retirou a cidadania e anda agora acho que na Ucrânia a incendiar o que mais puder Nytimes “Georgian Court Sentences Mikheil Saakashvili in Absentia to 3 Years in Prison”.          Joao MODERADOR: E porque não explicar que a “anexação da Crimeia” foi a pedido, decisão do Parlamento e dum Referendo do povo da República Autónoma da Crimeia? E isto após o golpe de Kiev, da declaração imediata da perseguição à língua russa, do massacre de Korsun, da invasão do Parlamento da Crimeia pelo neo-nazis de Sector Direito (réplica da de Kiev), pela morte de dois manifestantes em Simferopol, etc por exemplo Público 26/2/2014 “Manifestantes anti-russos invadem parlamento regional da Crimeia”. Porque não referir que a “anexação” foi a pedido, sem tiros nem mortos? Público 6/3/2014 “Parlamento da Crimeia pede anexação à Rússia”. Acho inaceitável tal narrativa e sua repetição ao longo dos anos para ir reescrevendo o que se passou de forma mais vantajosa para as estratégias expansionistas dos USA?            Jonas Almeida MODERADOR: Há 10 anos atrás o Público reportou a invasão da Ossétia pela Geórgia. Reportou também que a UE fez a sua própria investigação e chegou à mesma conclusão - ver por exemplo "Relatório da UE conclui que Geórgia “disparou o primeiro tiro” da guerra" de 29 Set 2009. Como é que agora nos diz que afinal o conflito começou não com a invasão da Ossétia mas da Geórgia, e afinal a iniciativa dos tiros foi da Rússia. Isto começa a cheirar a Orwell em que havia um "inimigo eterno" que ia mudando: quem nos informa mal aqui? O Público de 2009 ou o de 2020? Fernandes2 INICIANTE: "Mas a argumentação de Moscovo também não parece ter convencido os investigadores. O relatório sublinha que a Rússia “criou e explorou as circunstâncias” que levaram à guerra, encorajando desde há vários anos os movimentos separatistas georgianos – tanto na Ossétia do Sul como na Abkázia –, treinando as suas forças militares e atribuindo passaportes russos aos cidadãos daquelas regiões." E mais uma máscara cai aqui no fórum.           Joao MODERADOR: É verdade Jonas. Mas enfim, é assim. É triste. Já agora sobre o tema central, é minha opinião, continua a ser, que a Rússia será esventrada e trucidada pois os atacantes são implacáveis. Desde séculos que é cobiçada, mas desde 1917 é “O Inimigo” ideológico e desde a guerra é o militar. Tudo, mas tudo, é movimentado e concentrado contra a Rússia, os militares, os media, as finanças, a economia, tudo. O esboroar é imparável, no Montenegro é delicioso, na Macedónia outra delícia de malabarismo corrupto e chantagem, nos Balcãs em geral com a guerra, na Ucrânia, na Geórgia, agora na Bielorrússia … já se sabe. Engoliram serem enganados nos Balcãs, na Líbia, mas repare que agora os ataques são mesmo na fronteira, na Geórgia foram enganados pois retiraram inocentemente o que nenhum outro faria ... há anos enganados no Donbass com a recusa continuada de Kiev de cumprir Minsk, até quando continuarão a aceitar isso? Enfim, estão acantonados dentro das suas fronteiras, militarmente será um osso duro de roer mesmo na futura guerra do Árctico, penso que a opção imediata dos USA será fomentar a discórdia por exemplo em Kaliningrad que acho que é Autónomo, e intensificar os habituais terroristas wahabitas no Cáucaso, e tentar criar outro Yeltsin e destruir tudo por dentro como o Yeltsin fez. Os USA estão a atacar em todas as frentes, repare. O Putin só pode ir adiando. Não sei quando mas será muito pior e mortal que os negros e terríveis anos 90.    Jonas Almeida MODERADOR: Fernandes, quantos artigos do Público precisa para se lembrar quem atacou quem? Tem do João em cima Público 8/8/2008 “Geórgia ataca capital da Ossétia do Sul e faz 15 mortos”. Quem tem razão o Público ou o Público? Que máscara cai aqui no fórum? A de quem lê o Público com atenção? Alexandre Pinto-Fernandes EXPERIENTE: Putin, o KGB que governa a Rússia, é talvez dos figurões mais tenebrosos da política internacional. A mentalidade da guerra fria, o terrorismo internacional disfarçado, a hipocrisia e violência sobre os seus vizinhos próximos.    AARR INICIANTE: Grande e clarividente análise. Talvez a dor de cabeça ou a comichão no braço que eventualmente pode ter sentido hoje seja obra do Putin. Deixou queimar o arroz na cozinha? Deve ser o Putin certamente ...12/12/20

 

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