A escrita serena e bem esclarecida, sem
rodriguinhos, de Teresa de Sousa,
mas
avançando, correcta e firme, no caminho da sua luz, julgo que nos
toca a alma. Para mim, deixa-me a sensação de que já pensava assim, embora
pouco percebendo eu das políticas do mundo. Mas talvez se deva isso, neste
caso, à aparência calma e sagaz, de Angela
Merkel, o seu todo maternal, de quem deseja apoiar os filhos, que somos nós,
dispersos, à espera e à espreita … Sim, quem dera que fique. E a Teresa de Sousa, também, longos anos a esclarecer,
tranquilamente, sabiamente, segura e firme, sem conflito, ou indiferente a ele …
ANÁLISE: Merkel: hoje, amanhã e depois de amanhã
TERESA DE SOUSA PÚBLICO, 10 de Dezembro de 2020
1. “O
que fará a Europa quando a Mutti se for embora?”
O site Político-Europe começa assim a sua breve justificação para a escolha
de Angela Merkel como uma das principais figuras políticas de 2021. “Nada
reflecte melhor o estado actual da política europeia do que o facto de alguém
que já está de saída continuar a ser a sua porta-estandarte”. Talvez seja um exagero dizer que Merkel já está
de saída. É verdade que há eleições legislativas na Alemanha em Setembro e que a chanceler disse que não
seria candidata. Mas também é verdade que muita coisa pode mudar até lá, neste
tempo em que a incerteza é a única certeza. Como é verdade que, se as
coisas correrem bem para Merkel e para a Europa, nada a impede de vir a ocupar
um cargo europeu. Até lá, não vale a pena ter grandes dúvidas. O capital
político que acumulou interna e externamente, somado ao facto de liderar o país
mais poderoso da União, fazem dela a líder mais influente do continente
europeu. O que não quer dizer que tudo lhe corra de feição.
2. Merkel
ambicionava uma presidência alemã do Conselho da União Europeia à altura do
legado que quer deixar à Europa. A pandemia trocou-lhe as voltas,
mergulhando o continente na sua maior crise de sempre e tomando conta da agenda
europeia. Como é próprio da sua maneira de agir,
no início da crise pandémica a chanceler hesitou. As instituições europeias
levaram algum tempo a reagir. Ninguém estava preparado para o que
aconteceu. A Europa envolvera-se numa
infindável polémica sobre a melhor maneira de garantir a sustentabilidade do
euro no longo prazo, para evitar crises idênticas à que ia destruindo a união
monetária na crise de 2010-2015. Berlim opunha-se a qualquer ideia de
orçamento próprio da zona euro ou de emissão de dívida conjunta. As negociações
do Orçamento Plurianual (2021-2027) arrastavam-se penosamente. Os países
chamados “frugais”, com o beneplácito alemão, recusavam-se a colmatar as perdas
resultantes da saída do Reino Unido, um dos maiores contribuintes
líquidos dos cofres de Bruxelas. Os países da coesão não aceitavam cortes volumosos nos
fundos estruturais. As inimagináveis consequências económicas da pandemia
vieram pôr tudo em causa. Contra todas
as expectativas, em Julho deste ano, no início da presidência alemã,
os líderes europeus conseguiram chegar a acordo sobre um pacote
de ajudas à economia de uma dimensão nunca
vista (1,8 biliões de euros), cujo financiamento inclui a emissão
de dívida conjunta pela Comissão Europeia. Levaram menos de quatro meses.
Caíram vários tabus.
Merkel não chegou a este resultado sozinha. O Presidente francês
foi decisivo para convencê-la. O seu ministro das Finanças - que, como
lembrava alguém, não se chama Schauble, mas Scholz e é social-democrata -
deu uma preciosa ajuda. Merkel abriu
com chave de ouro a sua presidência europeia. Gostaria de encerrá-la da mesma
maneira. Será difícil.
3.
Conseguirá, provavelmente, uma solução de compromisso com os governos da Polónia e da Hungria para
desbloquear a aprovação do pacote financeiro. Assegurar este
compromisso, evitando o recurso a uma “cooperação reforçada” a 25, era um ponto
de honra para a chanceler. Citando o historiador britânico Timothy
Garton Ash, a Alemanha quer estar no centro da
Europa, desde
que esteja rodeada de Ocidente por todos os lados, ou seja, de democracias. “De amigos”, como dizia Kohl. As
derivas iliberais e autoritárias de Varsóvia e de Budapeste, somadas aos
múltiplos sintomas das fragilidades de alguns outros países do Leste europeu,
continuarão a ser um problema que a União não pode ignorar ad eterno.
Nunca quis a saída do Reino Unido.
“Em parte, devido ao papel económico, político e diplomático de Londres, mas
também pelo que significa para os equilíbrios de poder na Europa”, escreve Judy
Dempsey, do Carnegie-Europe. Ainda
corre o risco de ver os britânicos saírem sem um acordo, aumentando a distância
entre os dois lados da Mancha e enfraquecendo a Europa.
4. A última
prova, talvez a mais importante, nos meses que lhe restam na chancelaria, é a
relação com os Estados Unidos. O
Conselho Europeu vai aprovar a proposta de uma “nova agenda global” para a renovação das relações transatlânticas,
apresentada pela Comissão. É ambiciosa e vai no bom sentido. Ao
contrário de Macron, que via em Trump um sinal definitivo do afastamento
inexorável entre os dois lados do Atlântico, Merkel preferiu sempre olhar para
o seu mandato como uma “anomalia”, que acabaria por ser superada, embora
soubesse que mais quatro anos poriam definitivamente em causa um dos dois
pilares em que assentou o regresso da Alemanha ao concerto das nações
civilizados, depois da II Guerra: a aliança com os EUA. “A Alemanha teve inúmeras surpresas geopolíticas
nos anos recentes”, escreve Constanze Stelzenmuller, da Brookings
Institution. “Mas a pior, de muito longe,
não foi a agressão da Rússia às portas da Europa, a estratégia chinesa de
domínio global ou os conflitos provocados pela Turquia no Mediterrâneo
Oriental. Foi a eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA”. Biden é um enorme alívio e uma
oportunidade. Há,
diz a mesma investigadora, “um novo sentimento de urgência em Berlim”, que
implica escolhas muito difíceis. Entre os seus interesses económicos, para os
quais o mercado chinês foi uma bênção, e os seus interesses estratégicos. Entre
uma visão geoeconómica da sua influência mundial e uma visão geopolítica. Entre um contributo limitado para a
capacidade militar europeia e o seu dever de “partilhar o fardo” com os EUA e
com a França e o Reino Unido. “A nova
desordem mundial coloca escolhas inevitáveis. Há momentos em que as nações –
incluindo a Alemanha – têm de tomar partido”, diz Edward Luce no Financial
Times.
Angela Merkel foi sempre capaz de gerir a ambiguidade. Esse tempo está a esgotar-se, como o seu tempo para
garantir um lugar na história da Europa que não desmereça de Adenauer,
Brandt ou Kohl – o de uma “Alemanha verdadeiramente europeia”. Capaz
de liderar através do compromisso. Disposta a pagar o custo inevitável de
quem lidera.
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COMENTÁRIOS:
rafael.guerra
EXPERIENTE: Merkel é "a líder" mais
influente do continente europeu, inteligência pura, mas "o líder" que
melhor defende a ideia duma Europa forte e unida é Macron, a anos-luz.
10.12.2020 Bernardo Sousa INICIANTE: "A pandemia trocou-lhe as voltas, mergulhando o
continente na sua maior crise de sempre e tomando conta da agenda
europeia." Parece-me que houve crises maiores no continente europeu que
esta pandemia. José Cruz Magalhaes MODERADOR: De imediato, a única saída da cena política, embora
sem abandono da cena mediática, subterrânea ou ruidosa, vai ser a do inquilino
da Casa Branca, nos últimos quatro anos. A diferença que esse facto poderá
acrescentar para a Europa, será o de confirmar, ou não, a visão da Chanceler, de
que o desvario norte-americano seria temporário, com Trump, embora não resida
nas relações entre os dois lados do Atlântico, o problema maior de uma UE que,
ou dará provas de consolidação, com a resolução frontal de uma crise que nasceu
de uma pandemia, ou correrá o risco de se tornar uma Babel, irrelevante no
concerto das Nações e prisioneira de um jogo prolongado de aparências. Fun.eduardoferreira.883473 EXPERIENTE: Depois de enumerar as suas simpatias, mais uma vez o
Jonas mostra não só ignorância, pois compara cargos presidenciais com o cargo
de chanceler para o qual é tal como para primeiro-ministro não há limite de mandato,
compara Ângela Merkel a esses @grandes democratas” que enumera. A desonestidade
intelectual de alguém que diz que votou Sanders e se diz democrata, ou é tolo
ou então um simples aldrabão. Jonas Almeida MODERADOR: Quando Putin, Ordoban, Xi, Maduro, Sung etc quebram o
limite de 2 mandatos, os democratas, e bem, lançam o alarme que os chefes dos
ramos executivos comprometem o processo democrático. Desde Péricles que
sabemos, com ou sem luvas, ser essa uma receita para a esclerose e a
prepotência que comprometem o tal estado de direito. Em quantos mandados
consecutivos vai a chanceler?
Beep Beep INFLUENTE: Comparar o processo eleitoral entre uns e outros é só
desonesto. Jonas Almeida MODERADOR: Desonesto é o estado de direito do limite de dois
mandatos ser só para uns braços executivos e não para todos. Desonestidade é
mesmo a palavra certa. Ou é Democracia ou não é. Em quantos mandatos
consecutivos vai Merkel?
ipsolorem EXPERIENTE: Qual limite de mandatos? O chanceler Alemão é o
primeiro-ministro, em nenhum lado há limites de mandatos para
primeiros-ministros... Roberto34 MODERADOR: Como bem diz o Beep, a argumentação do Jonas é pura
desonestidade intelectual. Não me recordo em momento algum de Merkel andar a
destruir a Democracia Alemã ou o Estado de Direito Alemão. E como disseram, e
bem, outros comentadores, não há limites de mandatos para chefes de governo em
muitas Democracias, inclusive na Noruega, Suécia ou Dinamarca. O Jonas não deve
sequer saber o que significa o conceito de Democracia Parlamentar. Os Alemães
votam na CDU. Roberto34
MODERADOR: O Jonas tanto critica a Merkel por estar
há demasiado tempo no poder e não haver limite de mandatos, como rapidamente se
começa a defender Orban que está igualmente no poder e sem limites de mandatos,
e aliás sem oposição sequer! Democrata você? Só para o que lhe interessa.
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