sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Quem dera que fique


A escrita serena e bem esclarecida, sem rodriguinhos, de Teresa de Sousa, mas avançando, correcta e firme, no caminho da sua luz, julgo que nos toca a alma. Para mim, deixa-me a sensação de que já pensava assim, embora pouco percebendo eu das políticas do mundo. Mas talvez se deva isso, neste caso, à aparência calma e sagaz, de Angela Merkel, o seu todo maternal, de quem deseja apoiar os filhos, que somos nós, dispersos, à espera e à espreita … Sim, quem dera que fique. E a Teresa de Sousa, também, longos anos a esclarecer, tranquilamente, sabiamente, segura e firme, sem conflito, ou indiferente a ele …

ANÁLISE: Merkel: hoje, amanhã e depois de amanhã

TERESA DE SOUSA               PÚBLICO, 10 de Dezembro de 2020

1.O que fará a Europa quando a Mutti se for embora?” O site Político-Europe começa assim a sua breve justificação para a escolha de Angela Merkel como uma das principais figuras políticas de 2021. “Nada reflecte melhor o estado actual da política europeia do que o facto de alguém que já está de saída continuar a ser a sua porta-estandarte”. Talvez seja um exagero dizer que Merkel já está de saída. É verdade que há eleições legislativas na Alemanha em Setembro e que a chanceler disse que não seria candidata. Mas também é verdade que muita coisa pode mudar até lá, neste tempo em que a incerteza é a única certeza. Como é verdade que, se as coisas correrem bem para Merkel e para a Europa, nada a impede de vir a ocupar um cargo europeu. Até lá, não vale a pena ter grandes dúvidas. O capital político que acumulou interna e externamente, somado ao facto de liderar o país mais poderoso da União, fazem dela a líder mais influente do continente europeu. O que não quer dizer que tudo lhe corra de feição.

2. Merkel ambicionava uma presidência alemã do Conselho da União Europeia à altura do legado que quer deixar à Europa. A pandemia trocou-lhe as voltas, mergulhando o continente na sua maior crise de sempre e tomando conta da agenda europeia. Como é próprio da sua maneira de agir, no início da crise pandémica a chanceler hesitou. As instituições europeias levaram algum tempo a reagir. Ninguém estava preparado para o que aconteceu. A Europa envolvera-se numa infindável polémica sobre a melhor maneira de garantir a sustentabilidade do euro no longo prazo, para evitar crises idênticas à que ia destruindo a união monetária na crise de 2010-2015. Berlim opunha-se a qualquer ideia de orçamento próprio da zona euro ou de emissão de dívida conjunta. As negociações do Orçamento Plurianual (2021-2027) arrastavam-se penosamente. Os países chamados “frugais”, com o beneplácito alemão, recusavam-se a colmatar as perdas resultantes da saída do Reino Unido, um dos maiores contribuintes líquidos dos cofres de Bruxelas. Os países da coesão não aceitavam cortes volumosos nos fundos estruturais. As inimagináveis consequências económicas da pandemia vieram pôr tudo em causa. Contra todas as expectativas, em Julho deste ano, no início da presidência alemã, os líderes europeus conseguiram chegar a acordo sobre um pacote de ajudas à economia de uma dimensão nunca vista (1,8 biliões de euros), cujo financiamento inclui a emissão de dívida conjunta pela Comissão Europeia. Levaram menos de quatro meses. Caíram vários tabus.

Merkel não chegou a este resultado sozinha. O Presidente francês foi decisivo para convencê-la. O seu ministro das Finanças - que, como lembrava alguém, não se chama Schauble, mas Scholz e é social-democrata - deu uma preciosa ajuda. Merkel abriu com chave de ouro a sua presidência europeia. Gostaria de encerrá-la da mesma maneira. Será difícil.

3. Conseguirá, provavelmente, uma solução de compromisso com os governos da Polónia e da Hungria para desbloquear a aprovação do pacote financeiro. Assegurar este compromisso, evitando o recurso a uma “cooperação reforçada” a 25, era um ponto de honra para a chanceler. Citando o historiador britânico Timothy Garton Ash, a Alemanha quer estar no centro da Europa, desde que esteja rodeada de Ocidente por todos os lados, ou seja, de democracias. “De amigos”, como dizia Kohl. As derivas iliberais e autoritárias de Varsóvia e de Budapeste, somadas aos múltiplos sintomas das fragilidades de alguns outros países do Leste europeu, continuarão a ser um problema que a União não pode ignorar ad eterno.

Nunca quis a saída do Reino Unido. “Em parte, devido ao papel económico, político e diplomático de Londres, mas também pelo que significa para os equilíbrios de poder na Europa”, escreve Judy Dempsey, do Carnegie-Europe. Ainda corre o risco de ver os britânicos saírem sem um acordo, aumentando a distância entre os dois lados da Mancha e enfraquecendo a Europa.

4. A última prova, talvez a mais importante, nos meses que lhe restam na chancelaria, é a relação com os Estados Unidos. O Conselho Europeu vai aprovar a proposta de uma “nova agenda global para a renovação das relações transatlânticas, apresentada pela Comissão. É ambiciosa e vai no bom sentido. Ao contrário de Macron, que via em Trump um sinal definitivo do afastamento inexorável entre os dois lados do Atlântico, Merkel preferiu sempre olhar para o seu mandato como uma “anomalia”, que acabaria por ser superada, embora soubesse que mais quatro anos poriam definitivamente em causa um dos dois pilares em que assentou o regresso da Alemanha ao concerto das nações civilizados, depois da II Guerra: a aliança com os EUA. A Alemanha teve inúmeras surpresas geopolíticas nos anos recentes”, escreve Constanze Stelzenmuller, da Brookings Institution. “Mas a pior, de muito longe, não foi a agressão da Rússia às portas da Europa, a estratégia chinesa de domínio global ou os conflitos provocados pela Turquia no Mediterrâneo Oriental. Foi a eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA”. Biden é um enorme alívio e uma oportunidade. , diz a mesma investigadora, “um novo sentimento de urgência em Berlim”, que implica escolhas muito difíceis. Entre os seus interesses económicos, para os quais o mercado chinês foi uma bênção, e os seus interesses estratégicos. Entre uma visão geoeconómica da sua influência mundial e uma visão geopolítica. Entre um contributo limitado para a capacidade militar europeia e o seu dever de “partilhar o fardo” com os EUA e com a França e o Reino Unido.A nova desordem mundial coloca escolhas inevitáveis. Há momentos em que as nações – incluindo a Alemanha – têm de tomar partido”, diz Edward Luce no Financial Times.

Angela Merkel foi sempre capaz de gerir a ambiguidade. Esse tempo está a esgotar-se, como o seu tempo para garantir um lugar na história da Europa que não desmereça de Adenauer, Brandt ou Kohl – o de uma “Alemanha verdadeiramente europeia”. Capaz de liderar através do compromisso. Disposta a pagar o custo inevitável de quem lidera.

tp.ocilbup@asuos.ed.aseret

TÓPICOS: MUNDO  ALEMANHA  UNIÃO EUROPEIA  ANGELA MERKEL  TIMOTHY GARTON ASH  EUROPA  GEOPOLÍTICA

COMENTÁRIOS:

rafael.guerra EXPERIENTE: Merkel é "a líder" mais influente do continente europeu, inteligência pura, mas "o líder" que melhor defende a ideia duma Europa forte e unida é Macron, a anos-luz. 10.12.2020      Bernardo Sousa INICIANTE: "A pandemia trocou-lhe as voltas, mergulhando o continente na sua maior crise de sempre e tomando conta da agenda europeia." Parece-me que houve crises maiores no continente europeu que esta pandemia.        José Cruz Magalhaes MODERADOR: De imediato, a única saída da cena política, embora sem abandono da cena mediática, subterrânea ou ruidosa, vai ser a do inquilino da Casa Branca, nos últimos quatro anos. A diferença que esse facto poderá acrescentar para a Europa, será o de confirmar, ou não, a visão da Chanceler, de que o desvario norte-americano seria temporário, com Trump, embora não resida nas relações entre os dois lados do Atlântico, o problema maior de uma UE que, ou dará provas de consolidação, com a resolução frontal de uma crise que nasceu de uma pandemia, ou correrá o risco de se tornar uma Babel, irrelevante no concerto das Nações e prisioneira de um jogo prolongado de aparências.    Fun.eduardoferreira.883473 EXPERIENTE: Depois de enumerar as suas simpatias, mais uma vez o Jonas mostra não só ignorância, pois compara cargos presidenciais com o cargo de chanceler para o qual é tal como para primeiro-ministro não há limite de mandato, compara Ângela Merkel a esses @grandes democratas” que enumera. A desonestidade intelectual de alguém que diz que votou Sanders e se diz democrata, ou é tolo ou então um simples aldrabão. Jonas Almeida MODERADOR: Quando Putin, Ordoban, Xi, Maduro, Sung etc quebram o limite de 2 mandatos, os democratas, e bem, lançam o alarme que os chefes dos ramos executivos comprometem o processo democrático. Desde Péricles que sabemos, com ou sem luvas, ser essa uma receita para a esclerose e a prepotência que comprometem o tal estado de direito. Em quantos mandados consecutivos vai a chanceler?     Beep Beep INFLUENTE: Comparar o processo eleitoral entre uns e outros é só desonesto.  Jonas Almeida MODERADOR: Desonesto é o estado de direito do limite de dois mandatos ser só para uns braços executivos e não para todos. Desonestidade é mesmo a palavra certa. Ou é Democracia ou não é. Em quantos mandatos consecutivos vai Merkel?           ipsolorem EXPERIENTE: Qual limite de mandatos? O chanceler Alemão é o primeiro-ministro, em nenhum lado há limites de mandatos para primeiros-ministros... Roberto34 MODERADOR: Como bem diz o Beep, a argumentação do Jonas é pura desonestidade intelectual. Não me recordo em momento algum de Merkel andar a destruir a Democracia Alemã ou o Estado de Direito Alemão. E como disseram, e bem, outros comentadores, não há limites de mandatos para chefes de governo em muitas Democracias, inclusive na Noruega, Suécia ou Dinamarca. O Jonas não deve sequer saber o que significa o conceito de Democracia Parlamentar. Os Alemães votam na CDU.    Roberto34 MODERADOR: O Jonas tanto critica a Merkel por estar há demasiado tempo no poder e não haver limite de mandatos, como rapidamente se começa a defender Orban que está igualmente no poder e sem limites de mandatos, e aliás sem oposição sequer! Democrata você? Só para o que lhe interessa.

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