Ou seja, o
decréscimo dos juros dos débitos ao BCE, política que terá efeitos
negativos, segundo SF: «Ora, se em 2017 (e até mesmo em anos
anteriores), os cenários que se perfilavam para 2018 e 2019 eram de clara
redução das taxas de crescimento, fazía todo o sentido que se «alargassem
os cordões à bolsa». As explicitações dos seus comentadores merecem-me um “Santa Bárbara!” de pura incompreensão, por
ser santa de trovoadas, de tempestade cerebral também possível. Mas prefiro
desistir de compreender, vergando os ombros impotentes ao “o que for, soará”, ou o “p´r’ó
que der e vier” da “longa e negra
apatia” que o próprio José Régio não deixaria de sentir, mesmo sem ser em
Portalegre, caso precisasse de se afundar nestas tragédias económicas da actualidade
– as suas inscritas, na altura, no espaço onde uma acácia, crescendo, lhe trouxera,
ainda, a laracha da esperança.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA A BEM
DA NAÇÃO, 25.10.19
Uma das verdades mais
axiomáticas que existe na lógica de inspiração aristotélica diz-nos que dos
resultados das experiências nunca experimentadas, não se podem conhecer os
resultados. E a pergunta é: - Como teria sido o crescimento europeu caso a política
monetária tivesse sido diferente da que o BCE praticou sob a égide de Mário
Draghi? Ora, se em 2017 (e até mesmo em anos anteriores), os cenários que
se perfilavam para 2018 e 2019 eram de clara redução das taxas de
crescimento, fazía todo o sentido que se «alargassem os cordões à bolsa».
Foi
perante perspectivas de abrandamento do crescimento que o BCE decidiu que a
banca deveria pôr o dinheiro a circular em vez de o entesourar, nomeadamente
em depósitos nele próprio, o BCE - daí, a redução
drástica da remuneração desses depósitos até passar da remuneração à oneração
(juros negativos). E para pôr a economia a mexer, nada melhor do que «secar»
os mercados financeiros alimentados pelas dívidas soberanas para que a
banca não se entretivesse com esse tipo de títulos e se encaminhasse mais
determinantemente para a economia produtiva – daí, as quantitative easings, ou seja, a compra (de
preferência à nascença, nos mercados primários) pelo próprio BCE das dívidas
dos Estados. Como quem diz
que o dinheiro é para circular, não para entesourar.
O que dizem os contrários?
Os contrários dizem que não haverá investimento se, antes, não
houver poupanças e que, portanto, estas devem ser estimuladas por remunerações
(juros) compensatórios, ou seja, sempre superiores à inflação. Por esta lógica,
dizem que os juros negativos são absurdos.
Pelo mesmo tipo de razões, são contrários aos quantitative easings pois estes secam um mercado em que a banca pode ter um meio de
ganhar dinheiro e, daí, embaratecer o crédito que concede e não mais repercutir
no vulgar depositante os custos que lhe são impostos pelo BCE.
Então,
como dizia no início deste escrito, fica por saber o que teria acontecido se a
política do BCE tivesse sido diferente da que efectivamente foi. Curiosamente, não
ouvi críticas às quantitative
easings como sendo um atestado indirecto de aprovação às políticas
públicas a que há muito quem chame de perdulárias, as de esquerda. Mas, para mim, é óbvio que sim, são esse atestado integrando
directamente as dívidas soberanas na política geral de juros baixos, quiçá
negativos.
Com a saída de Mário Draghi da
presidência do BCE e sua substituição por Christine Lagarde, admito que esta
política de juros híper baixos (negativos) e de compra das dívidas soberanas
vai chegar ao fim. Na dúvida, na sua última
reunião sob a presidência de Draghi, o BCE decidiu comprar mensalmente até 20
mil milhões de euros de dívidas soberanas durante um prazo não definido e não
mexeu nas taxas de juro. À saída, olhando para trás, dirá com aquele sorriso
giocondesso que lhe conhecemos que, depois de morto, ainda vive. Com Lagarde, os depósitos da
banca no BCE voltarão a ser remunerados e ela, a banca, voltará a ter mão livre
nos mercados das dívidas públicas. É claro que tudo servirá
para embaratecer o crédito e para desonerar as poupanças do cidadão comum…
Aristote
oblige. Outubro de 2019
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim, 25.10.2019: Como o dinheiro é todo falso, escriturado... os juros
seguem-lhe o rasto. O tempo dirá quem vai falir primeiro.
Anónimo, 25.10.2019: No teu artigo, Henrique, “A trás de mim virá”, de
16/9, escreveste o que certamente te parecia necessário escrever em relação aos
aspectos da política do BCE, comandado por Mário Draghi, tendo-te
acompanhado nessas considerações e alertado para a eventual alteração dessa
política, após a saída de Draghi, nomeadamente o quantitative easing, perante
as posições conhecidas de alguns bancos centrais de países do Euro,
designadamente o alemão e o francês. Dissemos, possivelmente, o necessário,
mas não o suficiente. Múltiplos balanços, considerações e opiniões têm
acompanhado esta semana a saída de Mário Dgrahi das funções no BCE, desde rasgados
elogios a críticas, passando por tons algo acinzentados. Um
articulista aponta como integrante desse lado cinzento “eventuais bolhas
financeiras”, quebra de remuneração de poupanças e perda de
rentabilidade dos bancos europeus. Em contrapartida, há quem o aponte
como salvador do Euro, mas também “protector” dos países sobre
endividados e pouco disciplinados orçamentalmente. O Governador do Banco de Portugal, felizmente, não
se coibiu de agradecer o apoio prestado ao nosso País (e não só). Também estou
contigo, Henrique, quando dizes que a sucessora, Christine Lagarde, irá ser
mais contida e crítica dessas políticas, não só porque os bancos centrais da
França (seu País natal), Alemanha, Holanda e Áustria, pelo menos estes, têm
muita força, como a situação actual é felizmente menos grave do que a de 2012,
quando ele afirmou que faria tudo o que fosse preciso para salvar o Euro. Três
notas a finalizar: Primeira, o que seria dos bancos da EU, dos aforradores e dos
investidores perante uma crise persistente e profunda do Euro? Não será que o
benefício alcançado não supera, em muito, o custo de reduzidas taxas de
poupança e de fraca rentabilidade da Banca? Ou, como Draghi afirmou, “a
melhoria na economia mais do que compensou o efeito negativo da política
monetária”. Não é isto verdade? É claro que aquela política comporta riscos,
mas estando-se conscientes deles, há que os monitorizar, conter e neutralizar. Segunda nota refere-se
à rentabilidade da Banca, cujo baixo nível é preocupante. Mas não creio que os
Bancos não consigam reagir ao cenário de taxas negativas de depósitos no BCE,
no pressuposto de um horizonte razoável temporal. Só recordar dois aspetos: as
reservas obrigatórias mínimas dos Bancos junto do BCE não são remuneradas, mas
também não são cobrados juros por este e, através do chamado tiering,
também está isento de pagamento de juros pelos Bancos ao BCE o depósito de
reservas em excesso até 6 vezes o montante das reservas mínimas obrigatórias. A
partir de então os Bancos passam a pagar uma taxa de 0,5%. Basta ler os jornais
para ver que os bancos se preparam (se é que não praticam já) para cobrar às
pessoas colectivas juros pelos montantes dos seus depósitos à ordem, enquanto
nivelam praticamente pelo zero os juros dos depósitos a prazo dos particulares.
Terceira e
última nota: Há duas críticas que se ouvem e em relação às quais sou sensível –
é quando se afirma que (i) há activos de baixa qualidade que exibem taxas de
juro zero ou mesmo negativas, isto é, a taxa de juro não reflecte o risco
inerente ao activo, e (ii) a política seguida “anestesiou” os países mais
endividados, ou com economia mais débil, a tomar as medidas necessárias para
uma verdadeira consolidação orçamental, e não apenas nominal, não os
incentivando a fazer as reformas estruturais que aumentem a competitividade ,a
produtividade e o desenvolvimento económico. Aqui, convém que olhemos para
nós próprios. O Governo que agora cessa funções é, por vezes, criticado por ter
feito reversão de várias medidas do tempo da Troika. Não o critico por repor
rendimentos, nem vejo grandes críticas nesse domínio. Pode discutir-se sobre o
ritmo da reposição, mas não sobre o acto em si. Já o mesmo não digo em
relação à redução das 40 para 35 horas semanais de trabalho que reputo como,
possivelmente, o maior erro governamental praticado naquela conjuntura, não só
pelas consequências na despesa pública como também pelo sinal que deu. Mas
agora com o render da guarda no BCE, continuemos a ter esperança que não seja
necessário, num futuro mais ou menos próximo, chamar “Oh!.... da guarda!...”
Abraço. Carlos Traguelho
Antonio P Machado 25.10.2019:
Caro Dr. Salles da Fonseca: Isto de
pensar que o dinheiro é aquilo que se lê nos manuais de economia é o diabo.
Como sabe, hoje, dinheiro é dívida: dívida de Bancos Centrais (a
liquidez primária) e dívida dos Bancos Comerciais (a circulação monetária). O
BCE, com o quantitative easing (QE) injectou liquidez primária no sistema
bancário (ou seja, aumentou enormemente a Base Monetária dos Bancos Comerciais,
o que lhes permite aumentar a circulação monetária, emprestando), mas a
liquidez primária não chega à esfera real da economia - permanece nos Balanços
dos Bancos Comerciais. Com isso, visou ele dois resultados: (i) suprir as
quebras na liquidez em circulação devidas ao colapso eminente de alguns Bancos
Comerciais; (ii) reforçar o sistema de pagamentos na Zona Euro, na medida em
que diminuiu a probabilidade de alguns Bancos Comerciais entrarem em ruptura de
tesouraria. Até aqui, tudo se passou no sistema de pagamentos, como devia
passar-se. Mas o BCE entendeu ir mais longe e incentivar os empréstimos
bancários como forma de contrariar uma recessão que se avizinhava. Uma recessão
que tinha três origens à compita: (i) a crise do sistema bancário, que
reduziria a liquidez em circulação se nada fosse feito; (ii) a crise na procura
pública, consequência do sobre-endividamento de muitos Estados-Membros; (iii) a
crise da procura, em geral, típica de conjunturas em que a percepção dos riscos
financeiros (no caso, o risco de crédito e os riscos de mercado) se agudiza. E
aí, o BCE baixou e baixou e baixou até tornar negativas as taxas de cedência de
liquidez. Inicialmente, cometeu um erro, deixando as taxas de absorção de
liquidez no preto - e, com a percepção dos riscos a agudizar-se, os Bancos
Comerciais faziam o que era razoável fazerem: (i) vendiam Dívida Pública ao
BCE; (ii) reduziam o desequilíbrio temporal dos seus Balanços (que era enorme);
(iii) aumentavam a sua posição de liquidez, a sua Base Monetária (motivo
precaução), sem custos (e, ao princípio, até com uns pequenos lucros); (iv)
esperavam para ver se a percepção dos riscos financeiros era exagerada ou, pelo
contrário, perigosamente optimista. Não nos esqueçamos que a liquidez primária
é o que há de mais parecido com o activo financeiro sem risco (peça fundamental
da Teoria da Finança): a recirculação da liquidez primária para o BCE era uma
apólice que cobria o risco de liquidez com um prémio muito em conta. O problema
não foi, nem é, o QE (a injecção de liquidez primária), mas o facto de se ter
acompanhado essa medida com uma redução abrupta do custo do dinheiro. Ora, as
actividades dos Bancos Comerciais desdobram-se em: (i) sistema de pagamentos;
(ii) intermediação bancária; (iii) operações nos mercados financeiro. Se a
política de "dinheiro a preço de saldo" esmaga as margens
proporcionadas pela intermediação bancária (até há pouco era precisamente aí
que eles iam gerar o grosso dos seus lucros), e se os riscos de mercado escapam
à sua vontade (mal será quando assim não for), resta o sistema de pagamentos
para compensar a quebra de proveitos. É de esperar que, também aqui, os Bancos
Comerciais comecem a conhecer grande concorrência, deixando-os ainda mais
frágeis. Pessoalmente, nunca percebi porque é que as taxas directoras do BCE
foram empurradas tão para baixo (muito menos para níveis negativos). A única
explicação que encontro é o BCE acreditar que pode compensar a maior percepção
do risco baixando o custo da liquidez primária. Pura ilusão. E os efeitos
negativos estão à vista de todos: (i) os prejuízos dos Bancos Comerciais a
"comerem" os seus Capitais Próprios e a minarem a estabilidade do
sistema financeiro; (ii) o aforro de todos nós (incluindo os Fundos de Pensões)
pela rua da amargura, empurrado para aplicações expostas a cada vez maior
risco; (iii) os orçamentos dos Estados Membros sem conseguirem compensar a
falta de aforro do Sector Privado. Enquanto a incerteza for grande e a
percepção do risco muito elevada, não há nada a fazer. Solução: reduzir a
incerteza que paira sobre as economias. O pior é que a incerteza não se reduz
por decreto. Como fazer, então? Fica para outra altura. Abraço, APM .
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