sábado, 26 de outubro de 2019

Ainda em torno da política económica de Mário Draghi


Ou seja, o decréscimo dos juros dos débitos ao BCE, política que terá efeitos negativos, segundo SF: «Ora, se em 2017 (e até mesmo em anos anteriores), os cenários que se perfilavam para 2018 e 2019 eram de clara redução das taxas de crescimento, fazía todo o sentido que se «alargassem os cordões à bolsa». As explicitações dos seus comentadores merecem-me um “Santa Bárbara!” de pura incompreensão, por ser santa de trovoadas, de tempestade cerebral também possível. Mas prefiro desistir de compreender, vergando os ombros impotentes ao “o que for, soará”, ou o “p´r’ó que der e vier” da “longa e negra apatia” que o próprio José Régio não deixaria de sentir, mesmo sem ser em Portalegre, caso precisasse de se afundar nestas tragédias económicas da actualidade – as suas inscritas, na altura, no espaço onde uma acácia, crescendo, lhe trouxera, ainda, a laracha da esperança.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA          A BEM DA NAÇÃO, 25.10.19
Uma das verdades mais axiomáticas que existe na lógica de inspiração aristotélica diz-nos que dos resultados das experiências nunca experimentadas, não se podem conhecer os resultados. E a pergunta é: - Como teria sido o crescimento europeu caso a política monetária tivesse sido diferente da que o BCE praticou sob a égide de Mário Draghi? Ora, se em 2017 (e até mesmo em anos anteriores), os cenários que se perfilavam para 2018 e 2019 eram de clara redução das taxas de crescimento, fazía todo o sentido que se «alargassem os cordões à bolsa».
Foi perante perspectivas de abrandamento do crescimento que o BCE decidiu que a banca deveria pôr o dinheiro a circular em vez de o entesourar, nomeadamente em depósitos nele próprio, o BCE - daí, a redução drástica da remuneração desses depósitos até passar da remuneração à oneração (juros negativos). E para pôr a economia a mexer, nada melhor do que «secar» os mercados financeiros alimentados pelas dívidas soberanas para que a banca não se entretivesse com esse tipo de títulos e se encaminhasse mais determinantemente para a economia produtiva – daí, as quantitative easings, ou seja, a compra (de preferência à nascença, nos mercados primários) pelo próprio BCE das dívidas dos Estados. Como quem diz que o dinheiro é para circular, não para entesourar.
O que dizem os contrários?
Os contrários dizem que não haverá investimento se, antes, não houver poupanças e que, portanto, estas devem ser estimuladas por remunerações (juros) compensatórios, ou seja, sempre superiores à inflação. Por esta lógica, dizem que os juros negativos são absurdos. Pelo mesmo tipo de razões, são contrários aos quantitative easings pois estes secam um mercado em que a banca pode ter um meio de ganhar dinheiro e, daí, embaratecer o crédito que concede e não mais repercutir no vulgar depositante os custos que lhe são impostos pelo BCE.
Então, como dizia no início deste escrito, fica por saber o que teria acontecido se a política do BCE tivesse sido diferente da que efectivamente foi. Curiosamente, não ouvi críticas às quantitative easings como sendo um atestado indirecto de aprovação às políticas públicas a que há muito quem chame de perdulárias, as de esquerda. Mas, para mim, é óbvio que sim, são esse atestado integrando directamente as dívidas soberanas na política geral de juros baixos, quiçá negativos.
Com a saída de Mário Draghi da presidência do BCE e sua substituição por Christine Lagarde, admito que esta política de juros híper baixos (negativos) e de compra das dívidas soberanas vai chegar ao fim. Na dúvida, na sua última reunião sob a presidência de Draghi, o BCE decidiu comprar mensalmente até 20 mil milhões de euros de dívidas soberanas durante um prazo não definido e não mexeu nas taxas de juro. À saída, olhando para trás, dirá com aquele sorriso giocondesso que lhe conhecemos que, depois de morto, ainda vive. Com Lagarde, os depósitos da banca no BCE voltarão a ser remunerados e ela, a banca, voltará a ter mão livre nos mercados das dívidas públicas. É claro que tudo servirá para embaratecer o crédito e para desonerar as poupanças do cidadão comum…
Aristote oblige.    Outubro de 2019
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim, 25.10.2019: Como o dinheiro é todo falso, escriturado... os juros seguem-lhe o rasto. O tempo dirá quem vai falir primeiro.
Anónimo, 25.10.2019: No teu artigo, Henrique, “A trás de mim virá”, de 16/9, escreveste o que certamente te parecia necessário escrever em relação aos aspectos da política do BCE, comandado por Mário Draghi, tendo-te acompanhado nessas considerações e alertado para a eventual alteração dessa política, após a saída de Draghi, nomeadamente o quantitative easing, perante as posições conhecidas de alguns bancos centrais de países do Euro, designadamente o alemão e o francês. Dissemos, possivelmente, o necessário, mas não o suficiente. Múltiplos balanços, considerações e opiniões têm acompanhado esta semana a saída de Mário Dgrahi das funções no BCE, desde rasgados elogios a críticas, passando por tons algo acinzentados. Um articulista aponta como integrante desse lado cinzento “eventuais bolhas financeiras”, quebra de remuneração de poupanças e perda de rentabilidade dos bancos europeus. Em contrapartida, há quem o aponte como salvador do Euro, mas também “protector” dos países sobre endividados e pouco disciplinados orçamentalmente. O Governador do Banco de Portugal, felizmente, não se coibiu de agradecer o apoio prestado ao nosso País (e não só). Também estou contigo, Henrique, quando dizes que a sucessora, Christine Lagarde, irá ser mais contida e crítica dessas políticas, não só porque os bancos centrais da França (seu País natal), Alemanha, Holanda e Áustria, pelo menos estes, têm muita força, como a situação actual é felizmente menos grave do que a de 2012, quando ele afirmou que faria tudo o que fosse preciso para salvar o Euro. Três notas a finalizar: Primeira, o que seria dos bancos da EU, dos aforradores e dos investidores perante uma crise persistente e profunda do Euro? Não será que o benefício alcançado não supera, em muito, o custo de reduzidas taxas de poupança e de fraca rentabilidade da Banca? Ou, como Draghi afirmou, “a melhoria na economia mais do que compensou o efeito negativo da política monetária”. Não é isto verdade? É claro que aquela política comporta riscos, mas estando-se conscientes deles, há que os monitorizar, conter e neutralizar. Segunda nota refere-se à rentabilidade da Banca, cujo baixo nível é preocupante. Mas não creio que os Bancos não consigam reagir ao cenário de taxas negativas de depósitos no BCE, no pressuposto de um horizonte razoável temporal. Só recordar dois aspetos: as reservas obrigatórias mínimas dos Bancos junto do BCE não são remuneradas, mas também não são cobrados juros por este e, através do chamado tiering, também está isento de pagamento de juros pelos Bancos ao BCE o depósito de reservas em excesso até 6 vezes o montante das reservas mínimas obrigatórias. A partir de então os Bancos passam a pagar uma taxa de 0,5%. Basta ler os jornais para ver que os bancos se preparam (se é que não praticam já) para cobrar às pessoas colectivas juros pelos montantes dos seus depósitos à ordem, enquanto nivelam praticamente pelo zero os juros dos depósitos a prazo dos particulares. Terceira e última nota: Há duas críticas que se ouvem e em relação às quais sou sensível – é quando se afirma que (i) há activos de baixa qualidade que exibem taxas de juro zero ou mesmo negativas, isto é, a taxa de juro não reflecte o risco inerente ao activo, e (ii) a política seguida “anestesiou” os países mais endividados, ou com economia mais débil, a tomar as medidas necessárias para uma verdadeira consolidação orçamental, e não apenas nominal, não os incentivando a fazer as reformas estruturais que aumentem a competitividade ,a produtividade e o desenvolvimento económico. Aqui, convém que olhemos para nós próprios. O Governo que agora cessa funções é, por vezes, criticado por ter feito reversão de várias medidas do tempo da Troika. Não o critico por repor rendimentos, nem vejo grandes críticas nesse domínio. Pode discutir-se sobre o ritmo da reposição, mas não sobre o acto em si. Já o mesmo não digo em relação à redução das 40 para 35 horas semanais de trabalho que reputo como, possivelmente, o maior erro governamental praticado naquela conjuntura, não só pelas consequências na despesa pública como também pelo sinal que deu. Mas agora com o render da guarda no BCE, continuemos a ter esperança que não seja necessário, num futuro mais ou menos próximo, chamar “Oh!.... da guarda!...” Abraço. Carlos Traguelho
Antonio P Machado 25.10.2019: Caro Dr. Salles da Fonseca: Isto de pensar que o dinheiro é aquilo que se lê nos manuais de economia é o diabo. Como sabe, hoje, dinheiro é dívida: dívida de Bancos Centrais (a liquidez primária) e dívida dos Bancos Comerciais (a circulação monetária). O BCE, com o quantitative easing (QE) injectou liquidez primária no sistema bancário (ou seja, aumentou enormemente a Base Monetária dos Bancos Comerciais, o que lhes permite aumentar a circulação monetária, emprestando), mas a liquidez primária não chega à esfera real da economia - permanece nos Balanços dos Bancos Comerciais. Com isso, visou ele dois resultados: (i) suprir as quebras na liquidez em circulação devidas ao colapso eminente de alguns Bancos Comerciais; (ii) reforçar o sistema de pagamentos na Zona Euro, na medida em que diminuiu a probabilidade de alguns Bancos Comerciais entrarem em ruptura de tesouraria. Até aqui, tudo se passou no sistema de pagamentos, como devia passar-se. Mas o BCE entendeu ir mais longe e incentivar os empréstimos bancários como forma de contrariar uma recessão que se avizinhava. Uma recessão que tinha três origens à compita: (i) a crise do sistema bancário, que reduziria a liquidez em circulação se nada fosse feito; (ii) a crise na procura pública, consequência do sobre-endividamento de muitos Estados-Membros; (iii) a crise da procura, em geral, típica de conjunturas em que a percepção dos riscos financeiros (no caso, o risco de crédito e os riscos de mercado) se agudiza. E aí, o BCE baixou e baixou e baixou até tornar negativas as taxas de cedência de liquidez. Inicialmente, cometeu um erro, deixando as taxas de absorção de liquidez no preto - e, com a percepção dos riscos a agudizar-se, os Bancos Comerciais faziam o que era razoável fazerem: (i) vendiam Dívida Pública ao BCE; (ii) reduziam o desequilíbrio temporal dos seus Balanços (que era enorme); (iii) aumentavam a sua posição de liquidez, a sua Base Monetária (motivo precaução), sem custos (e, ao princípio, até com uns pequenos lucros); (iv) esperavam para ver se a percepção dos riscos financeiros era exagerada ou, pelo contrário, perigosamente optimista. Não nos esqueçamos que a liquidez primária é o que há de mais parecido com o activo financeiro sem risco (peça fundamental da Teoria da Finança): a recirculação da liquidez primária para o BCE era uma apólice que cobria o risco de liquidez com um prémio muito em conta. O problema não foi, nem é, o QE (a injecção de liquidez primária), mas o facto de se ter acompanhado essa medida com uma redução abrupta do custo do dinheiro. Ora, as actividades dos Bancos Comerciais desdobram-se em: (i) sistema de pagamentos; (ii) intermediação bancária; (iii) operações nos mercados financeiro. Se a política de "dinheiro a preço de saldo" esmaga as margens proporcionadas pela intermediação bancária (até há pouco era precisamente aí que eles iam gerar o grosso dos seus lucros), e se os riscos de mercado escapam à sua vontade (mal será quando assim não for), resta o sistema de pagamentos para compensar a quebra de proveitos. É de esperar que, também aqui, os Bancos Comerciais comecem a conhecer grande concorrência, deixando-os ainda mais frágeis. Pessoalmente, nunca percebi porque é que as taxas directoras do BCE foram empurradas tão para baixo (muito menos para níveis negativos). A única explicação que encontro é o BCE acreditar que pode compensar a maior percepção do risco baixando o custo da liquidez primária. Pura ilusão. E os efeitos negativos estão à vista de todos: (i) os prejuízos dos Bancos Comerciais a "comerem" os seus Capitais Próprios e a minarem a estabilidade do sistema financeiro; (ii) o aforro de todos nós (incluindo os Fundos de Pensões) pela rua da amargura, empurrado para aplicações expostas a cada vez maior risco; (iii) os orçamentos dos Estados Membros sem conseguirem compensar a falta de aforro do Sector Privado. Enquanto a incerteza for grande e a percepção do risco muito elevada, não há nada a fazer. Solução: reduzir a incerteza que paira sobre as economias. O pior é que a incerteza não se reduz por decreto. Como fazer, então? Fica para outra altura. Abraço, APM .

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