quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Mais uns contos de ensinar



Coisas de muito interesse conta SF, prova dos seus interesses vastos – agora pela história dos Estados Unidos e das relações com o mundo árabe, da religião desordeira e do petróleo como faísca importante da desordem. Um prazer de leitura.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA  A BEM DA NAÇÃO, 20.10.19
A HISTÓRIA ESQUECIDA
Quando os EUA nasceram, no final do séc. XVIII, havia uma grave crise com os muçulmanos do norte da África. Eram povos oficialmente muçulmanos, que viviam sob as leis do Corão.
- Estes islâmicos atacavam os navios que passavam pelo Mediterrâneo, incluindo os americanos, sequestrando, escravizando e matando ocupantes, além de saquear a carga. Os navios americanos eram normalmente protegidos pela marinha inglesa antes da independência dos EUA, mas depois de 1776, era cada um por si. - Os piratas muçulmanos cobravam fortunas para resgate dos reféns e os preços subiam sempre a cada sequestro bem sucedido. Thomas Jefferson opôs-se veementemente aos pagamentos, mas foi vencido pelo voto. Os EUA e as outras nações com navios sequestrados, aceitavam pagar os resgates e subornar os piratas. O Presidente americano era George Washington. - Por volta de 1783, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e John Adams vão para a Europa como Embaixadores, para negociar tratados de paz e cooperação. Os EUA nasceram em 1776 e desde então, estavam mergulhados na Guerra de Independência. Assim que a situação acalmou, essas três grandes figuras saem em missão diplomática para representar o país. - Em 1786, depois de dois anos de conversações diplomáticas com os islâmicos, Thomas Jefferson e John Adams encontraram-se com o embaixador dos povos que ficavam na região de Trípoli, actual Líbia, chamado Sidi Haji Abdul Rahman Adja. Jefferson estava incomodado devido aos ataques que não acabavam, mesmo com todos os esforços de paz. Quis saber por isso, com que direito os muçulmanos continuavam a sequestrar e a matar os americanos. - A resposta que ouviu, marcou Jefferson para sempre: "o Islão foi fundado nas Leis do Profeta, que estão escritas no Corão, e diz que todas as nações que não aceitarem a sua autoridade são pecadoras, que é direito e dever declarar guerra contra os seus cidadãos onde puderem ser encontrados e fazer deles escravos; e que todo o muçulmano que for morto na batalha irá de certeza para o Paraíso." Jefferson ficou chocado. Ele não queria acreditar que uma religião literalmente mandava matar todos os que considerava infiéis e que quem morresse na batalha iria para o paraíso.
- Durante 15 anos, o governo americano pagou os subornos para poder passar com seus navios na região. Foram milhões de dólares, uma quantia que representava 16% de todo orçamento do governo federal. O primeiro presidente do país, George Washington, não queria ter forças armadas permanentes, por não ver riscos de ataques ao país, mas os muçulmanos fizeram mudar esta ideia. Os subornos serviriam para evitar a necessidade de ter forças militares permanentes, mas não estavam a funcionar porque os ataques continuavam. Quando John Adams assume a Presidência dos EUA, as despesas sobem para 20% do orçamento federal. - Em 1801, Jefferson torna-se no terceiro presidente americano e, mal tinha esquentado a cadeira, recebe uma carta dos piratas aumentando o preço da autorização para navegar naquela área. Jefferson fica louco e, agora como presidente, diz que não vai pagar nada.
- Com a recusa de Jefferson, os muçulmanos de Trípoli tomaram conta da embaixada americana e declararam guerra aos EUA. Foi a primeira guerra da América após a independência. A marinha de guerra americana foi criada exactamente para esse conflito. As actuais regiões da Tunísia, Marrocos e Argélia juntaram-se aos líbios na guerra contra os americanos, o que representava praticamente todo norte da África com excepção do Egipto. - Jefferson não estava para brincadeiras. Mandou os seus navios para a região e o conflito durou até 1805, com a vitória americana. O presidente americano ainda colocou tropas ocupando o norte de África, para manter a situação sob controle. Thomas Jefferson ficou realmente impressionado com o que aconteceu. Ele era contra as guerras e escreveu pessoalmente as leis de liberdade e tolerância religiosa que estão na origem da Constituição americana, mas entendeu que o Islão é totalmente diferente, era uma religião imperialista, expansionista e violenta. Jefferson mandou publicar o Corão em inglês em 1806, lançando a primeira edição americana. Ele queria que o povo americano conhecesse o Corão e entendesse aqueles povos do norte da África que roubavam, saqueavam e matavam, cobravam resgates e que declararam guerra quando os pagamentos cessaram.
Durante 15 anos, um diplomata de Jefferson chegou a dizer, que os americanos eram atacados porque não atacavam de volta, sendo vistos como fracos. A fraqueza americana foi um convite para os muçulmanos daquela época, como é hoje para o ISIS.
Só houve paz na região quando Jefferson atacou e venceu a guerra, ocupando depois o território. Só assim foi conseguida a paz. Eles estão como os motivadores da primeira guerra; foram eles que forçaram a criação das forças armadas que nem existiam, e fazem parte até do hino dos marines que começa com "From the Hills of Montezuma / To the shores of Tripoli".
(por amabilidade de D. Martinho Pereira Coutinho)
COMENTÁRIOS
Anónimo, 20.10.2019: Interessantíssimo, desconhecia de todo, Henrique. Agora há que ter algum cuidado em tirar conclusões, sem se ter em atenção o contexto, a época e o enquadramento histórico. Infelizmente, nunca me dediquei (e já é tarde para isso) ao estudo das Religiões, mas possivelmente das outras duas Religiões, chamadas do Livro (Judaica e Cristã), vamos encontrar citações no Tora e na Bíblia, respectivamente, que actualmente nos chocam tanto ou quase tanto quantas as referidas no Alcorão. Infelizmente, encontram-se sempre seguidores religiosos extremistas que interpretam os textos sagrados da forma que melhor acham para tentar justificar os seus actos injustificáveis. Sou amigo desde há quase 60 anos do nosso colega Abdool Karim Vakil, que ocupou (não sei se ainda ocupa) lugares cimeiros na Comunidade Muçulmana em Portugal. Ele tem-me garantido, e acredito nele, que a Religião dele é de Paz. Religiões, Civilizações e Países não estão isentos de culpa. Por exemplo, o que dizer da pirataria, levada à categoria de Estado, praticada pelo corsário Sir Francis Drake, vice-almirante da esquadra isabelina? O que dizer, por exemplo, da escravatura de que fomos tão bons praticantes?Forte abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca, 20.10.2019:  Uma nota prévia relativamente à pirataria: pirata é empresário em nome individual; se “trabalha” por conta do seu Chefe de Estado, é corsário. E, já que estamos com eufemismos, também podemos ir à ironia dizendo deles «tutti buona gente». O Islão divide-se fundamentalmente em três ramos: o sunita, o xiita (sobretudo, o Irão) e o ismaelita (do Aga Kahn). Dentro do sunismo há certas sub-divisões sendo a mais radical a wahhabita (de Ibn al Wahhab) e a mais «suave» o Ibadismo (sobretudo do Sultanato de Omã). De um modo geral, os sunitas não fazem a exegese dos textos sagrados e fazem uma leitura literal dos seus termos. A excepção a este imobilismo são o Ibadismo e o sunismo bangladeshiano (do nosso Martim Moniz). De um modo geral, no sunismo nem sequer há uma hierarquia religiosa que defina regras de conduta e muito menos que aborde criticamente questões dogmáticas. Cada mulah está por si e só responde perante Alá. Pelo contrário, o xiismo tem uma rígida hierarquia que interpreta os seus textos e dita procedimentos. Mas nenhum deles separa a religião do Estado. Só os ditadores laicos praticam essa separação fazendo com que os religiosos temam mais a ira terrena do que a Divina. Só que a Hillary Clinton, desconhecendo tudo isto (???) optou por provocar a “Primavera árabe” com os resultados que estão à vista. Julgaria ela que, lançando o caos, ficaria a reinar sobre o petróleo. Mas regressemos ao que interessa agora, a essência da religião. Assim, se o cristianismo e o budismo pregam, respectivamente, o amor e a compaixão, o islamismo segue a regra de Talião – olho por olho, dente por dente. Ou seja, se uns são pelo perdão, os outros são pela vingança. Ainda em relação ao teu comentário, permito-me chamar a atenção para o facto de, desde os tempos do nosso obscurantismo, muita água ter corrido por baixo das pontes, ou seja, em termos religiosos, muita exegese foi entretanto feita. E no caso do catolicismo, o Concílio Vaticano II assumiu figura de fronteira. Mais: como podemos testemunhar nos dias actuais, essa fronteira move-se…
Pêro Pedroso, 20.10.2019: Ficaria mais completo e quiçá mais engraçado juntar o excerto musical seguinte ao final do texto. https://youtu.be/oFNfdBnd
Henrique Salles da Fonseca 21.10.2019, Caro Salles: Texto muito interessante sobre um assunto ainda bem actual. António Benoliel de Carvalho.
Henrique Salles da Fonseca  21.10.2019, Caro Henrique: Fiquei muito satisfeito que tivesse podido ler, e mais ainda, fiquei muito honrado que tivesse integrado o texto no seu blog, pois como sabe desde há muito que venho seguindo sempre com interesse o que produz, pela alta qualidade que revela. Assim sendo vou procurar com redobrado entusiasmo entre o que tenho guardado, algo que lhe possa interessar. Abraço Martinho Pereira Coutinho
Henrique Salles da Fonseca, 21.10.2019: Caro Henrique Obrigado. Muito interessante. Abraço Manuel Veloso
Henrique Salles da Fonseca, 22.10.2019: Jorge Gouveia da Costa gostou disto.
Anónimo, 22.10.2019: Se os Pais Fundadores conhecessem um pouco da história europeia, se calhar teriam descoberto que havia um pequeno país, virado para eles, do outro lado do mar, que pelos mesmos motivos, já no séc XV começaram sozinhos a fazer o mesmo, começando com a conquista e ocupação de Ceuta !! Quem não sabe de história ( e os americanos persistem ) arrisca-se a errar !! Os moiros, desde a queda do império romano do ocidente e tendo ocupado todo o norte de África, não penso que se tenham dedicado a plantar batatas ou à criação de vacas nos seus desertos!! Era pirataria mesmo, e comércio de escravos e resgates. Pois se nos seus vai vens pelo Mediterrâneo tivessem parado em Lisboa os yankees teriam poupado muitos amargos de boca aqui nestas bandas... V v Z

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