quinta-feira, 17 de outubro de 2019

«ORDEM DA LIBERDADE» inapropriada


«ORDEM DA LIBERDADE» inapropriada
Eu gosto de Miguel Sousa Tavares quando o ouço, moralista de mão cheia, a explicar as suas razões de apoio ou condenação às políticas, e além disso gostei muito do seu romance “Equador” que para mim merecia mais o “Prémio Nobel”, na originalidade e profundidade da sua temática ultramarina, isenta e não instigadora de ódios espúrios, mas, pelo contrário, amável e de uma elegância inabitual, sadia e de aprofundamento social e histórico.
O mesmo não direi de António Lobo Antunes, cujo único livro que dele li – “Memória de Elefante” – cheio de obscuridades linguísticas do foro escatológico provocante, ao que me lembro, me arrefeceu um qualquer interesse em o aprofundar, nas suas múltiplas produções, de idêntico arreganho libertário, suponho, adequado à época, que o nome da obra seguinte – “Os Cus de Judas” – mais veio confirmar, de provocação acintosa. As poucas crónicas que li dele, em jornais, constituíam um acervo de referências pessoais presunçosas, dos seus múltiplos contactos estrangeiros ou outros auto-valorizadores, ou puramente pueris, de falsa timidez exibicionista, sem outro horizonte que não fosse a sua pessoa piegas, que o hábito de triturar o lóbulo auricular, nas entrevistas televisivas tornava grotesco, se não repulsivo.
Não, nada mais li dele, parecem-me banais as suas historietas vividas, e nem sequer o ser escritor bafejado pela aura estrangeira me faz ambicionar conhecê-lo melhor literariamente. Mas está na moda, fala-se dele como merecedor do Nobel, e nessa questão concordo na superioridade imaginativa e estilística de Saramago como merecedor do Nobel da Literatura, embora julgue que, não fora o apoio espanhol, favorecido pelo seu casamento com uma espanhola sua zelosa apoiante, ainda estaríamos limitados ao Nobel da Medicina. Fernando Pessoa, esse sim, o merecia, um Prémio Nobel pleno, mas só muito tarde foi reconhecido na sua genialidade ultrapassando fronteiras, o Prémio Nobel sem retroacção possível, e o flash-back de efeito nulo, nesse prémio que só favorece, naturalmente, os do ano transcorrido, contribuintes da evolução do mundo ou da sua estabilidade.
Mas leio o texto de Miguel de Sousa Tavares – “AI LIBERDADE” saído no EXPRESSO de 4 de Outubro, com três motivos da sua condenação, o segundo dos quais versando sobre a atribuição da Ordem da Liberdade, pelo PR a três figuras que nada fizeram para a merecer, entre as quais António Lobo Antunes, combatente em África na sujeição ao sistema, enquanto colegas seus fugiram para o estrangeiro, aparentemente, como objectores de consciência, numa espécie de nobre pacifismo para quem o queira ver como tal, caso de MST. Para mim, o ter-se, Lobo Antunes, submetido à imposição de defesa da “pátria dos antepassados” e dos “contemporâneos” ocupantes desses espaços que tanta coragem requereram daqueles, é uma mais-valia, todavia, que o torna merecedor da tal “Ordem da Liberdade”, por vontade própria ou forçado a isso, como tantos outros.
No que concerne a Maria João Pires, reconhecida como pianista de génio, não importa, quanto a mim, a “Ordem da Liberdade” (signos que, ironicamente se contradizem no seu significado) ou outra qualquer, se isso se traduz em benefício monetário – do que duvido. Sim, Maria João Pires exilou-se – livremente – de uma pátria mesquinha, talvez como forma inteligente de chamar sobre si a atenção da pátria que de longa data não “” “o favor com que mais se acende o engenho”, sempre “metida” no tal “gosto da cobiça e na rudeza duma austera apagada e vil tristeza”, já o nosso Camões se queixava.
Quanto a Cavaco Silva, lembro-me de que foi com ele que o país começou a desenvolver-se, nas suas estruturas várias, tal como na valorização das gentes, em termos profissionais, e quero-lhe bem por isso. Acho que merece a tal “Ordem da Liberdade”, pois ainda hoje, apesar das troças mesquinhas de alguns que escarram na velhice, não abdica, corajosamente, de dar voz ainda ao seu pensamento de equilíbrio, centrado no seu amor da pátria portuguesa.
Mas a nossa “vil tristeza”, aliada ao “gosto da cobiça”, causam uma constante de raquitismo nacional do foro mental, em termos mesmo de generosidade, por muito que esses tais sufoquem os seus discursos sob a capa da seriedade e da virtude.
Ordem da Liberdade é um reconhecimento simpático de valorização de três figuras portuguesas pelo Presidente da República, como sempre se fez, por cá, talvez para compensar daquilo que se não faz.

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