O que sempre me desvalorizou, por tanta
incompreensão em relação aos trocos com que lido – tanto agora, no tempo do
euro, como dantes, no tempo do escudo, que se dizia moeda sem valor, apoiada
numa economia sem apreço, apesar do vinho do Porto do orgulho nacional,
juntamente com a cortiça e os azeites. Mas a China é outra coisa, domina
espaços cada vez mais amplos, de gente cada vez mais espalhada, nas lojas das
muitas tralhas, dirigidas por gentes estáticas, sem dias santos nem feriados,
nem horas de lazer, de sol a sol, mudas e quedas, colaborantes com os seus
chefes de mansidão só aparente, e prestáveis aos yuans do seu império. Só me
pergunto se têm vida própria ou se esta também é desvalorizada em termos
devoção exclusiva aos seus mandatários de aparência impassível, que jogam pela
calada, numa mansidão infiltrante, superior actualmente à do ciclo das águas, nas
vastas áreas a desertificarem-se, por este mundo de Cristo. Salles da Fonseca é economista, ele lá sabe o que diz, e
a gente lê-o com alegria, por tanta vida, a superar outros problemas, mais
importantes, afinal, do que esses dos yuans ou ienes de maior ou menor monta,
gente que de vez em quando fecha as portas em falência aparente, não de
desvalorização própria, mas de desprezo por nós, para não pagarem os
impostos dessas firmas-fantoche, que
logo a seguir reabrem, sob idêntico formato, sem empregados a quem tenham de
pagar ordenados e a quem devam estipular horários que os próprios não têm, desvalorizada
essa vida humana, gerida lá de longe, mansamente, decisivamente, numa
eficiência mecanizada e sem alma …
Quanto vale o yuan? Eu diria “quanto
vale o ser humano” para esse estranho “Império do Meio” avassalador, do nosso espanto sem
quebras.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 15.10.19
QUANTO VALE O YUAN
As
conversas são como as cerejas: agarrada a uma vem sempre outra e assim por aí
além…
Já
não sei como começou mas lembro-me de termos passado pela polémica marca
chinesa de telemóveis e termos chegado ao valor real do Yuan.
E
a questão a que chegámos, afinal, centra-se no conceito mais inesperado, na
palavra «real», não no «valor». Que valor algum há-de ele ter,
quanto mais não seja o que o Decreto determina.
Mas
centremo-nos no que está em causa: quanto vale o Yuan?
E
aqui se dividem as opiniões entre os que dizem que…
… está sobrevalorizado
porque, depois de ter absorvido toda a massa quase incalculável das «senhas»
(não convertíveis) que circulavam entre os chineses comuns, deveria ter-se
desvalorizado para níveis certamente muito mais baixos do que o definido por
Decreto;
… está subvalorizado para facilitar as exportações e
dificultar as importações.
Desde
já me coloco do lado dos que acusam o Yuan de estar sobrevalorizado. Porquê?
Porque uma moeda cujo valor é
definido por Decreto, não representa certamente uma economia transparente em
que os preços se formem livremente. E
isto mantém-se válido apesar de, entretanto, o Yuan ter sido indexado a um
cabaz de moedas credíveis como são o Dólar americano, o Euro, o Yen e o Won da
Coreia do Sul. Só que o valor de base é duvidoso pois ninguém me faz acreditar que a absorção de toda a massa
monetária não convertível (o Renminbi não convertível) pelo sistema de uma
única moeda em toda a República Popular da China, não tenha provocado grande
mossa no valor da moeda que já então era convertível, o Yuan. E mais ainda, o
«gato escondido com rabo de fora», revela-nos o Yuan, o Dólar de Hong Kong e a
Pataca com o mesmo valor. Tudo cheira
a artificial e, por causa da tal absorção da moeda não convertível, cheira a
falsidade no sentido da sobrevalorização – o Yuan deveria ter um valor muito
mais baixo.
Mas,
para além destas anormalidades, há ainda outra que tem a ver com o volume
de dinheiro anualmente lançado no mercado quando os orçamentos do Partido
Comunista Chinês e das Forças Armadas chinesas são segredo de Estado. Qual a
política monetária que sustenta uma tal opacidade orçamental? Sim, tudo me
cheira a falso.
Quanto
à hipótese de o Yuan já estar subvalorizado para sustentar as exportações e
dificultar as importações, tenho a recordar que as desvalorizações…
…
ou são discretas e decretadas depois do encerramento das grandes
praças financeiras, de preferência ao final da
tarde de 6ªs feiras para dar tempo à digestão do novo câmbio (até à 2ª feira
seguinte) pelos mercados, ou…
… ou
são deslizantes – o chamado «crawling peg» - de modo a que os
preços se vão adaptando ao ritmo anunciado da própria desvalorização deslizante.
Em
ambas as desvalorizações, os operadores económicos são beneficiados com a
informação suficientemente atempada para se poderem adaptar aos novos câmbios e
na respectiva correspondência a nível dos preços no mercado doméstico. E na
actual sociedade da informação, é inútil pensar que o efeito surpresa exista.
Ora, se o instrumento da
competitividade cambial era o efeito surpresa, então ele nunca existiu e
actualmente, com a globalização, menos eficácia tal efeito poderia ter. A menos
que haja preços tabelados e respectivo controlo policial, nessa situação, a
ruptura dos abastecimentos só será evitada pelos mercados paralelos.
Eis por que cada vez mais tenho
a política cambial por decreto como um bluff que, para além do mais, tenta
esconder os factores da incompetitividade da economia cuja moeda é sujeita a
tais desvalorizações. E a China tem outros motivos
de salvaguarda da sua competitividade internacional a começar pela inexistência
de sindicalismo livre e, consequentemente, pela prevalência de um mercado esclavagista de trabalho.
Então, se eu não acredito na política cambial que possa ou não
estar subjacente ao Yuan, para quê preocupar-me com o tema?
Muito simplesmente porque a
República Portuguesa se empenhou não há muito tempo em Yuans e o valor dessa
moeda deixou de me ser indiferente: quanto mais desvalorizada, melhor para nós,
seus devedores. É que eu, ao contrário de um tal que por aí
anda, acho que as dívidas devem ser pagas – mas, se pudermos beneficiar de
alguma desvalorização da dívida, tanto melhor.
15
de Outubro de 2019
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca, 15.10.2019: Abraço. Jorge C.
Isabel Pedroso, 16.10.2019: Para
o português mais genuíno dos poucos que existem por aí, vai toda a minha
gratidão, por tudo o k tão bem escreves k nos ajuda a arejar a mente e muitas
vezes a abrir horizontes, ainda bem k existes queremos é mais gente assim
Anónimo, 16.10.2019: Apenas dois
ou três comentários breves, Henrique: Na realidade desconheço se o yuan está
sobrevalorizado ou não, mas não me custa aceitar que o esteja. Refiro, todavia,
que, quando necessário, as autoridades chinesas desvalorizam a moeda para
facilitar as exportações e dificultar as importações. Foi o que fizeram no
início de agosto último perante o anúncio da Casa Branca de nova tarifa
aduaneira adicional de 10% sobre produtos chineses a ter lugar a partir de
setembro. O yuan fixou-se no patamar mais baixo dos últimos 11 anos, tendo
gerado uma queda das bolsas e de moedas de países emergentes, em paralelo com a
subida do dólar dos EUA. Logo a Casa Branca denunciou manipulação da moeda
chinesa, como forma de a China ganhar vantagem competitiva injusta no comércio
internacional. Mas o FMI veio de imediato afirmar que não confirmava aquela
acusação, porquanto, segundo a sua opinião, o yuan tem estado “amplamente
alinhado” com os fundamentos económicos. E assim vai a guerra comercial e
cambial sino-americana… Sublinho também as declarações da Presidente do IGCP,
desta semana, em que afirma que, de momento, não é prioridade a emissão de
dívida em outras divisas que não o Euro, a fim de não dificultar o programa do
BCE. Recorde-se que a emissão de dívida pública em moeda chinesa teve como
objetivo, segundo então anunciado, atrair novos investidores.
Finalmente, e tanto quanto me recordo, quando Macau estava sob administração portuguesa, tínhamos já o cuidado, atendendo à interdependência das duas economias, de alinhar a pataca ao dólar de Hong-Kong e ambas as divisas estavam alinhadas, em geral, ao dólar de EUA (alinhadas, não paridade). Abraço. Carlos Traguelho
Finalmente, e tanto quanto me recordo, quando Macau estava sob administração portuguesa, tínhamos já o cuidado, atendendo à interdependência das duas economias, de alinhar a pataca ao dólar de Hong-Kong e ambas as divisas estavam alinhadas, em geral, ao dólar de EUA (alinhadas, não paridade). Abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca, 16.10.2019: M/ Caro Dr. Salles da Fonseca, Ora aí está uma
questão bem colocada. Eu começaria por responder que o Yuan não é
"dinheiro", é a "unidade monetária" em que se expressam as
dívidas livremente transmissíveis do Banco Central da RP China e dos Bancos
Comerciais chineses. É a liquidez, por lá. Como a liquidez denominada em
Yuan não é livremente transmissível entre não residentes na RP da China, nem
entre residentes e não residentes na RP China, representa certamente
"dinheiro" (isto é, terá funções monetárias plenas) no território da
RP China para quem aí resida (designando-se, então, renmimbi), mas terá funções
monetárias (poder liberatório e reserva de valor) muito limitadas no exterior. No
território da RP China: (i) pagam-se os
impostos entregando saldos de liquidez em Yuan; (ii) extinguem-se dívidas,
mesmo em processo de execução judicial, entregando saldos de liquidez em Yuan;
(iii) os Bancos Comerciais estabelecidos na RP China têm a sua Base Monetária
denominada em Yuan. A liquidez em Yuan é um facto, mas é algo que só a eles diz
respeito. No
exterior da RP China: (i) nem é possível pagar impostos entregando saldos
de liquidez em Yuan; (ii) nem o credor a quem seja oferecido um saldo de
liquidez em Yuan está obrigado a considerar o seu crédito pago, e a dar a
correspondente quitação; (iii) alguns Bancos Comerciais podem deter activos
financeiros em Yuan, mas encontrar-se-ão expostos ao risco cambial, porque a
sua Base Monetária está expressa noutra liquidez. O Yuan não é ainda uma
divisa livremente convertível (talvez venha a ser um dia). Em regime
de câmbios flutuantes (que não é o que se passa na RP China), a liquidez em Yuan vale exactamente aquilo que um não
residente na RP China esteja na disposição de pagar por um saldo de liquidez em
Yuan.
Como o Banco Central da RP China tem descomunais Reservas em divisas convertíveis é ele, apesar de ser residente, o primeiro e principal comprador de saldos de liquidez em Yuan (vendendo divisas convertíveis) - e o primeiro e principal vendedor de saldos de liquidez em Yuan (comprando divisas convertíveis). E, em determinadas circunstâncias, está sempre comprador e sempre vendedor: é um "Market-Maker".
Agora a resposta à questão inicial: Enquanto o Banco Central da RP China nadar em divisas convertíveis, o Yuan (leia-se: a liquidez denominada em Yuan) valerá exactamente aquilo que ele estiver na disposição de pagar ou entender pedir. Abraço António Palhinha Machado
Como o Banco Central da RP China tem descomunais Reservas em divisas convertíveis é ele, apesar de ser residente, o primeiro e principal comprador de saldos de liquidez em Yuan (vendendo divisas convertíveis) - e o primeiro e principal vendedor de saldos de liquidez em Yuan (comprando divisas convertíveis). E, em determinadas circunstâncias, está sempre comprador e sempre vendedor: é um "Market-Maker".
Agora a resposta à questão inicial: Enquanto o Banco Central da RP China nadar em divisas convertíveis, o Yuan (leia-se: a liquidez denominada em Yuan) valerá exactamente aquilo que ele estiver na disposição de pagar ou entender pedir. Abraço António Palhinha Machado
Anónimo, 16.10.2019: Como te
tenho dito, Henrique, foi no teu blog que fiz a minha estreia de comentador, e
sempre que comento fico com a ansiedade da dimensão do comentário, procurando
que ele seja ligeiro, não muito profundo, nem demasiado técnico. Tive a sorte
de ler dois comentários do nosso António Palhinha Machado, um sobre o futuro
(?) aeroporto e agora este, e vejo que o António, e bem, naqueles temas que
comenta, fá-lo com profundidade, concorde-se ou não com os seus argumentos.
Ainda bem que assim é, até pela valorização que isso carreia para o blog, mas
eu vou manter as características acima citadas quando me permitires, Henrique,
que comente algo. Com licença tua e da do António, e para benefício dos
leitores do blog, vou avançar com alguns conceitos ou esclarecimentos para
simplificar as questões. Como diz o António, o yuan é
uma unidade de conta (como era o conto português, ou como são os Direitos
Especiais de Saque, do FMI, de que, infelizmente, num passado recente, muito
ouvimos falar), enquanto o renminbi (RMB) é o nome da moeda oficial chinesa. Em linguagem correcta, diz-se que o RMB se valorizou e
não que o yuan se valorizou. Por outro
lado, fala-se que o preço de uma mercadoria é de 5 yuans e não de 5 RMB. Para complicar um pouco mais a situação, existem
dois RMB – um onshore, para uso só na China, que não é convertível, penso, e
outro externo, offshore, convertível, não sei, confesso, se inteiramente, ou
com algumas limitações. Não estou
totalmente de acordo com o último parágrafo do António (mas isso é um
pormenor), pois, como dei nota, existe alguma supervisão sobre o comportamento
da moeda chinesa (veja-se a atitude do FMI, por mim recordada, perante a
acusação da Casa Branca de manipulação da moeda chinesa). Já agora, aproveito a
oportunidade de ter voltado ao espaço de comentários ao teu artigo, Henrique,
para, em relação também ao teu último parágrafo, informar que, tanto quanto
sei, a emissão de dívida pública portuguesa, em RMB, foi objecto de imediato
swap, pelo que não está denominada, para efeitos de risco cambial, nessa moeda.
Vou pedir-te licença para transmitir aqui um sentimento íntimo de “realização”,
quando no início da década 90 do século passado, passou a circular em Macau uma
nota de 5 patacas, com a minha assinatura, na qualidade de administrador do
Banco Nacional Ultramarino…
Um abraço para o Henrique e outro para o António. Carlos Traguelho
Um abraço para o Henrique e outro para o António. Carlos Traguelho
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