Para a coligação formal, na ameaça de Paulo Rangel. Voltaríamos, sem dúvida, à era do Prec, de má
memória. Quanto ao PSD
como
alternativa, estribado nos grupos mais à direita, não chegam para impor outras
regras, se o PS, enternecidamente,
e por simpatia camarada, optar por
aquelas que são do agrado dos partidos mais à esquerda em que se apoia. Não
tarda que as questões da eutanásia, da exclusão da carne na
alimentação, da conversão do reino animal – irracional (na teoria pessimista decididamente arcaica) - ao estatuto da igualdade
e fraternidade que gere a democracia humana, e outras regras de
idêntico calibre de debilidade afectiva, se o PS optar fraternalmente pelos dogmas desses tais
PANtomineiros da nossa decadência humana …
OPINIÃO
Eleições: primeiras impressões
O resultado atingido é claro: o PSD está
em condições de ser líder indisputado de uma oposição construtiva, com sentido
de Estado e capaz de confrontar o Governo PS com uma alternativa.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 8 de
Outubro de 2019
1. Hoje
devia escrever sobre Freitas do
Amaral. Devia
porque lhe devo isso – especialmente pelo convívio mais próximo nos anos da
transição do século XX para o XXI. E muito mais importante, devia porque
Portugal – o Portugal que ele tanto amava – lhe deve isso. Fica aqui a promessa
de que o farei na primeira oportunidade.
2. O
escasso tempo decorrido e a incerteza quanto às dinâmicas políticas resultantes
das eleições fazem com que qualquer análise que se queira séria não possa sair
do domínio das primeiras impressões; primeiras impressões que podem ser
confirmadas, infirmadas ou corrigidas pelo livre devir dos acontecimentos e das
práticas políticas.
3. No
plano dos factos crus, sem leituras, análises e interpretações complexas e
profundas, há, na lista das três primeiras forças políticas, uma
vitória do PS, uma derrota do PSD e um empate do Bloco de
Esquerda. A que segue uma derrota
do PCP, uma séria derrota do CDS, uma expressiva vitória do PAN e uma conquista
assinalável dos três novos partidos parlamentares.
Esta é a leitura objectiva, imediata, da qual, julgo, ninguém pode seriamente
discordar. Importa, no tal plano das primeiras impressões, captar e
apreender algumas das consequências e implicações para o nosso sistema de
governo, para o nosso sistema partidário e para a correlação de forças
partidárias.
4. A
primeira implicação, ao nível do sistema político-institucional, é uma
continuação da prevalência do Parlamento e do Presidente em detrimento do
Governo. A nossa democracia foi sempre muito
“governamentalizada” e muito centrada na figura do primeiro-ministro, a ponto
de se falar em “presidencialismo” do PM (o que, de resto, evidencia alguma
“sobrevida” de traços da prática da Constituição de 33). Quando há maiorias absolutas ou coligações formais
estáveis, o Governo comanda o processo político e o PM surge como figura
dominante ou predominante. Como não há maioria absoluta – o que configura
uma derrota ou uma meia-derrota de Costa –, o Parlamento continuará a ser o
órgão vital do drama político. Só não seria assim, se houvesse
espaço para uma coligação formal, fosse entre o PS e o Bloco, entre o
PS e o PCP ou entre o PS e ambos. Mas
ontem essa possibilidade foi expressamente excluída por todos, pelo que o eixo
da dinâmica política vai continuar a ser a Assembleia. Um tanto paradoxalmente, e por força da inexistência
da maioria homogénea, a mais poder do Parlamento corresponde mais poder do
Presidente.
Efectivamente, o poder de arbitragem e de influência do Presidente aumenta,
quando não há maioria estável e fixa no parlamento. Esse
poder presidencial crescerá ainda, se entretanto ocorrer a reeleição para um
segundo mandato, em que os presidentes têm sempre as “mãos” mais livres.
5. Esta
prevalência da Assembleia será muito exponenciada pela entrada dos deputados
dos três novos estreantes, já que todos eles parecem ser “personalidades”
talhadas para a projecção mediática. Estes 3 novos deputados assumirão
provavelmente uma atitude tribunícia, que vai aumentar a visibilidade do
parlamento e que pode dar-lhes rendimentos em futuras eleições. Este mesmo
efeito, mas agora mais pelo peso da formação de um grupo parlamentar articulado,
far-se-á sentir com o PAN. Não está apenas em causa uma mudança institucional,
mas também uma relevante alteração do sistema partidário (cuja consistência só
se poderá medir com o andar dos anos).
6.
Olhando para os resultados do PS e de António Costa, parece haver alguns
padrões de semelhança e de diferença com 2015. Em 2015, depois de quatro anos
de resgate da troika, era natural e expectável uma vitória do PS, que não
ocorreu. Em
2019, tendo em vista a narrativa do PS sobre a excelência da sua governação,
era expectável a obtenção de maioria absoluta. Por duas vezes, Costa falhou
aquele que seria o desígnio inicial do PS, do “seu” PS. Neste
sentido, o PS e Costa ficaram sempre aquém das suas metas e, por isso, há
também um dissabor nos resultados de 2019. Se é verdade que em 2015, com a
solução da geringonça, ultrapassou esse fracasso; agora, em 2019, não sendo as
coisas claras, tudo pode – tal como tantos já sublinharam – ser bem mais
difícil. E, por isso, a uma derrota transformada em vitória pode seguir-se uma
vitória degenerada em derrota ou em “impasse”.
7. No
que ao PSD diz respeito, importa lembrar que continua a ser de longe o maior
partido da oposição (mais de três vezes superior ao terceiro e com um grupo
parlamentar quatro vezes maior). Efectivamente, olhando para o hemiciclo,
só há uma força alternativa ao PS e essa é o PSD. Em rigor, se pensarmos na
rede de cumplicidades entre o PS e o PCP e o Bloco, só o PSD é oposição.
A manter-se um diálogo preferencial ou mesmo acordos (ainda que
intermitentes) de incidência parlamentar, ninguém pode considerar que o Bloco,
o PCP ou até o PAN fazem parte da oposição. Eles serão partidos no arco
magnético da governação, no arco magnético do PS. Atentando
na correlação de forças, considerando o recuo do CDS, só o PSD pode ser o
bastião da oposição e o pilar da alternativa. Muitos
comentadores acentuaram que o PSD resistiu, que, apesar de tudo, mostrou
resiliência. Mas há algo mais do que isso: no actual xadrez parlamentar: só o
PSD tem massa e energia crítica para estruturar uma oposição e para confrontar
o PS e os seus satélites com uma alternativa.8. Por isso mesmo, por estar nessa posição – nessa
oposição – o PSD deve ser um federador e catalisador de outros
partidos e movimentos do espaço do centro-direita, em especial, o CDS e a
Iniciativa Liberal. E
mesmo a Aliança, a que, aliás, poderia ser dado um sinal de abertura,
ponderando um eventual regresso ao PSD daqueles membros que quisessem de novo
nele militar. O resultado atingido é claro: o
PSD está em condições de ser líder indisputado de uma oposição construtiva, com
sentido de Estado e capaz de confrontar permanentemente o Governo PS com uma
alternativa.
Sim: Diogo Freitas do Amaral. Fundador da democracia, europeísta convicto, grande
académico e pedagogo. Racional e moderado, patriota e cosmopolita, simbolizava
como nenhum outro o “sentido de Estado” de que tantos se ufanam.
Não: António Costa. No discurso
de vitória, a dada altura, quis colar o Chega aos restantes partidos de
centro-direita. Por todas as razões, tem a obrigação democrática, política e
cívica de não o fazer.
Colunista
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