segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Duas crónicas de Helena Matos e uma anedota a finalizar



Helena Matos tem o dom raro de dizer o que pensa e de bem pensar o que diz. Na questão das novas modas alimentares, que pretendem eliminar carnes e peixes das refeições, tudo convertendo em papas floridas, a imitar as que se comem na infância, de fabrico caseiro, embora sem flores, e que os supermercados hoje fornecem já enfrascados, favorecedores dos descansos maternos, Helena Matos descreve as pedantes refeições com rúcula para ruminarmos, quais os bovinos que a nossa sensibilidade preservou da matança do nosso sustento glutão. E tudo se vai em flores, na questão do alimento, na preparação prévia para as que nos cobrirão o caixão futuro, antes de ser jogado à campa, ou convertido em cinzas que ventos revoltos poderão dispersar, mesmo sem flores. O mesmo se dirá da capacidade mental de Helena Matos, no que respeita aos jogos astuciosos de António Costa, relativamente aos compromissos de camaradagem que ele espera obter dos seus parceiros de esquerda ou de direita, no apelo manhoso ao “bom senso” nacionalista eliminador de rejeições participativas desses parceiros, certamente que desestabilizadoras. Enfim, o melhor mesmo é rirmos um pouco, não só dessas farsas, mas igualmente com a anedota que nos conta Salles da Fonseca, sobre os rebuscados linguísticos, que bem graciosamente complementam aquelas.
A rúcula / premium
Esta sina de publicar textos aos domingos leva a que tenha esta desdita de escrever em dia de eleições. Mas enquanto os resultados não chegam tratemos da rúcula. E das prateleiras dos supermercados
PÚBLICO, 06 oct 2019
A coisa apresenta-se assim: um puré vermelho ou alaranjado. Umas sementes por ali espalhadas. Uns pedacinhos de massa (sem glúten). Quiçá um ovo (pode ser substituído por natas de soja). E, a finalizar, a rúcula. A coisa constitui o prato forte (não há qualquer ironia nisto) das várias revistas de cozinha que nos sorriem ao pé das caixas dos supermercados. Não sei o que me enerva mais se chamarem culinária a estas papinhas se aquela profusão de folhas de rúcula, tipo arranjo floral de verduras que temos a obrigação de mastigar porque dá muito nas vistas deixá-las no prato.
A pobre da Eruca sativa é um dos meus ódios de estimação. Não propriamente ela que, mais amarga ou menos picante (ou vice-versa), lá se vai comendo-ruminando. O meu problema mesmo é com o que ela embrulha e simboliza: esta comida-papinha que por aí anda e que nos põem à frente, já devidamente empratada e cobertinha com aquelas folhinhas verdes que, na falta de ossos e espinhas para trincar, sempre nos ocupam os dentes. A sério, alguém conseguirá comer aquela vegetação espalhada por cima daqueles pratos onde purés coloridos devidamente misturados com uns picados, compõem uma espécie de refeições outrora de bebés e agora comida para adultos?
Serei só eu a achar que para lá da mania com a saúde, as proteínas, as zero calorias, os oligoelementos, as vitaminas e com o biológico – o que será comida não biológica? – há nestas paparocas uma infantilização das refeições? De repente é como se continuássemos a comer a abençoada papa da nossa infância de banana com laranja e bolacha (sim, bolachas que eram só bolachas e não um dilema gastro-moral!) mas agora na versão saudável dos legumes zero calorias, combinados com o puré de abacate de produção sustentável, sem esquecer a quinoa, “segredo dos incas”, e, por fim, a envolver aquilo tudo a folharada de rúcula!
Tenho para mim que as prateleiras dos supermercados e as revistas de culinária traçam um retrato mais fiel das sociedades actuais que muitos inquéritos. (E também dos regimes políticos mas esse é um assunto que provavelmente não é aconselhável desenvolver no dia de hoje, pelo que me limito a sugerir que se pesquise “Venezuela supermercados” e logo se perceberá que o marxismo nunca falha no seu propósito de fabricar pobres.)
Afinal que melhor espelho do nosso tempo que esses corredores onde consumidores ansiosos lêem rótulos com a atenção outrora dedicada aos livros e seleccionam cervejas sem álcool, leite sem lactose, pão sem glúten, café sem cafeína, hambúrgueres sem carne, natas de soja, maionese sem ovo, queijo sem proteína do leite…?
II -Outra vez o faz de conta /premium
As negociações que Costa agora mantém com o BE e o PCP são tão faz de conta quanto as que teve com a PàF em 2015. O governo vai viver em compasso de espera até se saber quem fica à frente do PSD.
PÚBLICO, 13 oct 2019
Sim, já se sabe que por estes dias em Portugal, país de que a extrema-esquerda faz parte da solução de governo desde 2015, se vive em tumulto mediático a eleição de um deputado que é apresentado como sendo de extrema-direita. O ambiente é o do costume e já se viu noutros locais: qualquer um que agora queira passar por bom cidadão tem de declarar a sua preocupação com a entrada de André Ventura no parlamento. Numa espécie de reflexo pavloviano logo se ouve por todo o lado e de todos os lados a rejeição do novo deputado. Consegue-se ainda com tal clima que não se abordem as preocupações que levaram milhares de pessoas a dar-lhe o seu voto. (As reportagens efectuadas nesta semana nos locais onde o Chega obteve bons resultados são exercícios de uma arrogância sem limites!) Também temos o Presidente que ora pode estar tão doente que não sabe se se vai recandidatar ora avisa que a legislatura vai depender da economia mundial. A isto juntou-se a prestação entertainer do Livre com a sua deputada que não queria ser discriminada por ser gaga e agora quer mais tempo para falar no parlamento precisamente por ser gaga (curiosamente o Livre não pediu mais tempo nos debates da campanha).
Pode dizer-se que tudo isto se esperava. Sim, é verdade. Mas também é verdade que para lá desse previsível espalhafato se sente no ar aquele ambiente falsete que, em Outubro de 2015, acompanhou as negociações entre o PS e a PàF. Nos primeiros momentos instalou-se uma espécie de desconcerto: o PS declarava as reuniões com o PSD e CDS “inconclusivas”, ao passo que os encontros com Bloco de Esquerda e PCP eram descritos como positivos e produtivos. Para mais a delegação do PS abandonava de cara cerrada as reuniões com o PSD e CDS, pelo contrário arvorava sorrisos doces após o encontro com os comunistas e bloquistas. Como os socialistas nunca tinham assumido com clareza perante o eleitorado que estavam disponíveis para governar com bloquistas e comunistas e muito menos se sabia que, desde o próprio Domingo das eleições, António Costa articulava com o BE uma solução de governo, todos estes episódios das impropriamente chamadas negociações pareciam um puzzle com peças trocadas. Pouco depois o cenário desfazia-se e nascia a geringonça.
Algo de semelhante está a acontecer de novo, com a diferença que o faz de conta agora é à esquerda: para telespectador-eleitor ver, Costa negoceia com o BE mas o que acontece nessas reuniões pouco conta para o desfecho das negociações. Afinal o PS está à espera de Rui Rio. E valha a verdade faz bem em esperar. Por muito que os socialistas procurem dificilmente arranjarão alguém que lhes possa proporcionar aquilo que Rio lhes garante: alterar o regime.
Como Rui Rio explicou: “O país precisa de reformas estruturais na justiça, no sistema político, na segurança social, na descentralização, e essas reformas não se fazem sem os dois maiores partidos”. Ao que Carlos César respondeu com esta frase que deve ter accionado vários alarmes na sede dos bloquistas: “O PSD é um partido referencial da vida política portuguesa e a sua voz também deve ser ouvida”. Portanto o PS governa com a extrema-esquerda que é o mesmo que dizer que as escolas funcionarão como uma introdução ao acampamento de Verão do BE; que o estatismo pode continuar a matar o SNS (esta noite a urgência pediátrica do Hospital Garcia da Orta esteve fechada); que as taxas e impostos continuarão a esbulhar os portugueses… Tudo isso, podem os socialistas ficar descansados, receberá do dr. Rui Rio aquele silêncio enfastiado que o caracterizou até perceber que tinha de fazer campanha eleitoral não para vencer o PS mas sim os que se lhe opunham dentro do PSD. Ele, Rui Rio, está lá para os grandes assuntos. A saber, uma reforma do sistema político que só interessa aos políticos; uma reforma da justiça que acabará com o PS a fazer papel de defensor da independência dos tribunais de tal forma são atrabiliárias as teses de Rio nessa matéria; uma reforma da segurança social  que obviamente o PS de Costa não quer nem pode fazer e por fim aquilo que realmente será feito porque ambos os partidos ganham com isso: a descentralização, ou seja a regionalização. Em 2015, o BE e o PCP permitiram a um PS derrotado ter maioria para ser governo. Em 2019, Rui Rio pode permitir ao PS mudar o regime.
III - OBVIOUSLY
HENRIQUE SALLES DA FONSECA             A BEM DA Nação, 13.10.19
Na minha actividade de reaproximação a Portugal dos descendentes dos «portugueses abandonados», são muitos os contactos que mantenho em todo o mundo, sobretudo naquelas partes em que tivemos um Império. No Oriente e até no Extremo Oriente, são muitos os lusófilos que nutrem uma enorme admiração pelo nosso país. A maior parte dos meus contactos começou há pouco a aprender os primeiros rudimentos da nossa língua e até já está em andamento o dicionário de «Português de Portugal – Português de Malaca» Mas, daí, a conversarmos, vai uma grande distância. Por enquanto, servimo-nos do inglês como língua intermédia. Foi assim que recentemente perguntei a um interlocutor, o que era feito de um terceiro de quem não tinha notícias desde há muito tempo. E a resposta foi rápida: - (…) it seemed to have become defunct after he passed away (…). «Parece que se tornou defunto depois de ter morrido». Ainda não respondi porque ainda não parei de rir. A ver se consigo respirar um pouco…             Lisboa, 13 de Outubro de 2019
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca,14.10.2019: : Caro Henrique: Independentemente da enorme graça que tem a história que nos relata, tenho um certo alivio em voltar a receber um texto seu. Apesar da limitação da sua vista, permite escrever. Bem como escreve, seria uma pena perdermos esse bem. Abraço, Martinho Pereira Coutinho

Henrique Salles da Fonseca 14.10.2019: Estimado Dr. Henrique Salles da Fonseca,
Interessantíssimo o que relata e de um tão grande humor a frase do seu interlocutor que também me fez soltar uma boa gargalhada. Esta frase, entretanto, fez-me recordar algumas citações que coleccionei quando uma excelente Professora de Inglês que tive na Faculdade nos presenteava, nas aulas de conversação, com interessantes citações (algumas delas humorísticas). Fui procurar a sebenta desse tempo (que ainda guardo) e à qual tenho vindo a acrescentar outras frases à medida que me dizem algo. Passo a transcrever algumas (apenas 6) relacionadas com esta temática da morte: “Death pays all debts” (W. Shakespeare) Unbeing dead isn´t being alive (E. Cummings) “Each night, when I go to sleep, I die and when I wake up I am reborn” (Mahatma Gandhi) “I am prepared to meet my Maker. Whether my Maker is prepared for the great ordeal of meeting me is another matter!” (Churchill) I´m not afraid of death because I don´t believe in it. It´s just getting out of one car and enter into another (John Lennon) “I am not afraid of death. I just don´t want to be there when it happens.” (Woody Allen) ----Have a nice day! Meus melhores cumprimentos
Mª Emília Gonçalves
Henrique Salles da Fonseca, 14.10.2019: Bem apanhado. Abc
José Montalvão: Henrique Salles da Fonseca14.10.2019: Henrique se continuares a encontrar interlocutores assim gostaria de saber como progridem no conhecimento da língua. Se é que é possível. Considero interessante. E generoso da tua parte. Não fosses tu e a Graça grandes viajantes... Isabel O'Sullivan Lopes da Silva
Henrique Salles da Fonseca, 14.10.2019: Caro Henrique: Fartei-me de rir e passei a um amigo meu -Luís Simões - conhecedor de Malaca dos seus povos e costumes. Um abraço. Carlos Otolin Teixeira
Henrique Salles da Fonseca, 14.10.2019: Oh cavaleiro andante nunca me ri tanto. Ana Nascimento

Henrique Salles da Fonseca, 14.10.2019: Gostei! Abraços Manuel Guedes-Vieira

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