terça-feira, 15 de outubro de 2019

Se a Europa até foi uma das responsáveis…



Por todo este descalabro… Mas a Europa lá foi tentando remendar, acolhendo, acolhendo… Álvaro Vasconcelos deseja mais. Duvido, todavia, que quem tanto fugiu de defender as suas fronteiras se atreva a ir em socorro de fronteiras alheias… É sempre mais fácil mandar os outros, na valentia das palavras. Neste caso, os europeus, onde nos podemos, sempre, enfiar, AV entre os tais, talvez …
OPINIÃO: A invasão turca: a hora da Europa
É um erro grave pensar que a invasão turca é apenas mais uma guerra do Médio Oriente. Aceitarem-se guerras de conquista e crimes contra a humanidade é permitir a destruição progressiva da Ordem Internacional. É aceitar um mundo em que as guerras de agressão voltam a ser a regra.
ÁLVARO VASCONCELOS     PÚBLICO, 14 de Outubro de 2019
A agressão turca, com o beneplácito de Trump, contra o Curdistão, controlado pelas Forças Democráticas Sírias, aliadas decisivas do ocidente na luta contra o Daesh, é uma clara confirmação de que a ordem do Médio Oriente sob liderança americana, com o apoio crítico dos europeus, entrou em colapso.
Erdogan justifica a guerra com o mantra(1) do combate ao terrorismo e com o objectivo de controlar uma faixa do território sírio para aí deslocar os milhões de refugiados que a Turquia acolheu. Para Trump, a ofensiva de Erdogan representa os crocodilos e as cobras que queria colocar numa fossa entre o México e os Estados Unidos. Trump, para justificar a sua traição, chama à invasão turca uma “guerra tribal centenária”, que nos faz lembrar a formulação racista “deixem que esses selvagens se matem uns aos outros”.
É verdade que os cidadãos americanos estão fartos de ver os seus soldados partirem para guerras inglórias no Médio Oriente e regressarem com o opróbrio resultante dos crimes que aí cometeram, como na invasão do Iraque. Todavia, também é verdade que a presença militar americana no nordeste da Síria era reduzida e tinha o efeito positivo de dissuadir uma ofensiva turca.
É indignado que constato a impunidade com que a Turquia invade e bombardeia o nordeste da Síria. Indignação que é a nossa desde 2011, quando Assad, com o apoio militar da Rússia e do Irão, recorreu à violência mais brutal para reprimir a vontade democrática dos sírios. O sofrimento de curdos e árabes (muçulmanos e cristãos) do nordeste da Síria é o mesmo dos habitantes de Alepo, de Homs ou de Ghouta.
Americanos (durante os anos Obama) e europeus tinham a obrigação de ter protegido os sírios. Como afirmou Kofi Annan no seu discurso do milénio, é um imperativo ético pôr termo à impunidade dos crimes contra a humanidade, recorrendo à força, se necessário. Foi por isso que apoiei a intervenção humanitária na Bósnia, para pôr fim ao massacre dos muçulmanos pelos nacionalistas sérvios e a criação do TPI. E considerei, como considero, um avanço da humanidade que tenham sido julgados os que tinham cometido crimes na Bósnia e na Croácia, na Libéria ou no Ruanda.
A intervenção na Líbia, justificada com recurso  ao princípio do direito de proteger, legitimada pelo Conselho de Segurança foi desvirtuada na sua aplicação e tornada numa operação de mudança de regime. O fracasso líbio tornou mais difícil a criação dos consensos necessários para proteger os sírios e explica, em parte, o recuo de Obama, que expôs a incapacidade dos europeus para intervirem sem os americanos. A invasão da Síria pela Turquia põe em causa os princípios fundadores das Nações Unidas. A incapacidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apesar dos esforços europeus, em aprovar uma resolução que condene a invasão, mostra como estamos distantes dos anos 90. Em 1991, o Conselho de segurança não só condenou a invasão do Kuwait por Saddam Hussein, como legitimou a coligação internacional dirigida pelos Estados Unidos para lhe pôr termo.
O sofrimento de curdos e árabes (muçulmanos e cristãos) do nordeste da Síria é o mesmo dos habitantes de Alepo, de Homs ou de Ghouta
Das políticas de intervenção humanitária dos anos 90 passamos para as guerras de conquista do século XXI. O momento de viragem foi a invasão do Iraque em 2003 pelos Estados Unidos. A invasão do Iraque foi uma guerra de conquista que abriu um perigoso precedente, a que se seguiram a anexação da Crimeia pela Rússia de Putin e hoje a invasão do Curdistão sírio pela Turquia.
É um erro grave pensar que a invasão turca é apenas mais uma guerra do Médio Oriente. Aceitarem-se guerras de conquista e crimes contra a humanidade é permitir a destruição progressiva da Ordem Internacional. É aceitar um mundo em que as guerras de agressão voltam a ser a regra.
Ainda há dias, numa conferência em Bruxelas, foi dito por um alto responsável europeu que a União nada podia fazer na Síria. Não podemos aceitar tal resposta.
Quinhentos milhões de europeus não podem, cinicamente, deixar que centenas de milhares de pessoas sejam assassinadas na Síria e só se preocuparem quando Erdogan os ameaça com os 3,5 milhões de refugiados sírios que alberga. A União Europeia deve responder à chantagem com a defesa dos princípios em que se funda e preparar-se para receber refugiados caso seja necessário. O Congresso norte-americano ameaça a Turquia com sanções económicas, caso não trave a ofensiva. A União Europeia pode e deve associar-se a essa ameaça. Ainda há dias foi dito por um alto responsável europeu que a União nada podia fazer na Síria. Não podemos aceitar tal resposta. Quinhentos milhões de europeus não podem, cinicamente, deixar que centenas de milhares de pessoas sejam assassinadas na Síria e só se preocuparem quando Erdogan os ameaça com os 3,5 milhões de refugiados sírios que alberga. É preciso mostrar a Erdogan que, com esta acção militar, perdeu o que lhe restava do capital de simpatia que tinha conquistado na Europa, com as reformas democráticas do início deste século, que entretanto pôs em causa, e com uma generosa política de acolhimento de refugiados sírios.
O regresso ao projecto da Europa como potência multilateral é hoje a única esperança para nos prevenirmos das consequências do caos e da guerra no Médio Oriente. A esperança é ténue, mas a União Europeia já não pode contar com os Estados Unidos para garantir a sua segurança. Mesmo num mundo pós-Trump, a União não poderá escapar às suas responsabilidades na construção da paz no Sul do mediterrâneo, se quiser ter paz na Europa.
Fundador do Fórum Demos. Antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia
COMENTÁRIOS
Manuel Caetano, 14.10.2019: A UE instou hoje a ONU a fazer parar o ataque turco à Síria. Não seria mais assertivo e eficaz instar a França (que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e motor da União Europeia) a convocar uma reunião urgente do Conselho de Segurança para discutir e aprovar uma Resolução com essa finalidade?
Jonas Almeida, 14.10.2019: certamente seria mas, até ver, nem sequer foi capaz de reagir à ameaça de Erdogan que não se atrevessem a usar a palavra "invasão" uma segunda vez ... YouTube iskvbyuwJkI
TM14.10.2019: Jonas tem a sua casa livre para receber refugiados? Disponha-se! Manuel, a Franca ate pode ter assento permamente na NATO, mas é membro da UE. A Franca não pode ir contra uma decisão da UE desta dimensão.
Jonas Almeida, 14.10.2019: Eu concordo com este artigo, mas, como o João em baixo, acho que é importante não empurrar nada para debaixo do tapete - a invasão da Linha foi uma guerra de iniciativa e responsabilidade europeia, sobretudo Francesa - ver por Ex France24 logo em 2012: "The Libyan War, brought to you by Bernard-Henri Levy". De resto concordo, a "Europa" devia ter protegido os Curdos e o resultado do seu referendo enquanto tinha o interesse e protecção americano. Entretanto a América perdeu o interesse no médio oriente e a "Europa" está mais interessada em proteger as suas as máfias financeiras em Bruxelas. O primeiro passo é acabar com a NATO. Trump não é parvo e tem essas contas feitas também, 14 Jan último no NYT "Trump Discussed Pulling U.S. From NATO". A Guerra Fria acabou há 30 anos ...
TM, 14.10.2019: Sim acabar com a Nato mas criar um exército europeu com uma defesa comum! Nem mais!
Terráqueo, 14.10.2019: Concordo consigo, Jonas, mas acho que a União europeia precisa de uma reforma democrática e não de destruição. E a dissolução da NATO é um imperativo para a autonomia estratégica da Europa. Com uma maior integração, a Europa poderia ajudar e proteger os curdos!
Joao, 14.10.2019: Onde é que o Álvaro estava quando os Turcos invadiram e ocuparam Afrin o ano passado? Onde é que o Álvaro estava quando os USA e os países da Nato invadiram e ocuparam um terço do território sírio e se apossaram de 99% dos seus recursos? Onde é que o Álvaro estava quando Israel invadiu e ocupou a Síria e bombardeia os sírios? Onde é que o Álvaro estava quando todos esses criminosos arregimentaram e armaram e transportaram terroristas wahabitas para invadirem a Síria e aterrorizarem e matarem os Sírios?
Joao, 14.10.2019: Se estivesse atento e crítico em vez de permissivo e branqueador talvez tivesse ajudado a conseguir que mais de meio milhão de mortes fossem evitadas, evitado que milhões de refugiados aterrorizados tivessem de fugir.
(1) -  Mantra (Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre): Mantra (do sânscrito Man, mente e Tra, controle ou protecção, significando "instrumento para conduzir a mente") é uma sílaba ou poema, normalmente emsânscrito. Os mantras se originaram do hinduísmo, porém são utilizados também no budismo e jainismo, bem como notoriamente por práticas espirituais que não têm vínculo com religiões estabelecidas. No tantrismo, são usados para materializar as divindades. O mantra é uma fórmula mística e ritual recitada ou cantada repetidamente pelos fiéis de certas correntes budistas e hinduístas. O termo é uma palavra em sânscrito que significa 'controle da mente'. O mantra é repetido de forma a auxiliar a concentração durante a meditação. Alguns mantras famosos são Namo Amito (glória a Buda) e Om Sri Shanaishwaraya Swaha'('Om' e 'saudações a Saturno, o planeta dos ensinamentos'). Os mantras Tibetanos são entoados como orações repetidas…

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