Por todo este descalabro… Mas a Europa
lá foi tentando remendar, acolhendo, acolhendo… Álvaro Vasconcelos deseja mais. Duvido, todavia, que quem tanto fugiu de
defender as suas fronteiras se atreva a ir em socorro de fronteiras alheias… É
sempre mais fácil mandar os outros, na valentia das palavras. Neste caso, os
europeus, onde nos podemos, sempre, enfiar, AV entre os tais, talvez …
OPINIÃO: A invasão turca: a hora da Europa
É um erro grave pensar que a invasão
turca é apenas mais uma guerra do Médio Oriente. Aceitarem-se guerras de
conquista e crimes contra a humanidade é permitir a destruição progressiva da
Ordem Internacional. É aceitar um mundo em que as guerras de agressão voltam a
ser a regra.
ÁLVARO VASCONCELOS PÚBLICO, 14
de Outubro de 2019
A agressão turca, com o beneplácito de Trump, contra o Curdistão,
controlado pelas Forças Democráticas Sírias, aliadas decisivas do ocidente na
luta contra o Daesh, é uma clara confirmação de que a ordem do Médio Oriente
sob liderança americana, com o apoio crítico dos europeus, entrou em colapso.
Erdogan justifica a guerra com o mantra(1) do combate ao
terrorismo e com o objectivo de controlar uma faixa do território sírio
para aí deslocar os milhões de refugiados que a Turquia acolheu. Para Trump, a ofensiva de Erdogan representa os
crocodilos e as cobras que queria colocar numa fossa entre o México e os
Estados Unidos. Trump, para justificar a sua traição, chama à invasão
turca uma “guerra tribal centenária”, que nos faz lembrar a
formulação racista “deixem que esses selvagens se matem uns aos outros”.
É verdade que os cidadãos americanos
estão fartos de ver os seus soldados partirem para guerras inglórias no Médio
Oriente e regressarem com o opróbrio resultante dos crimes que aí cometeram,
como na invasão do Iraque. Todavia, também é verdade que a presença militar
americana no nordeste da Síria era reduzida e tinha o efeito positivo de
dissuadir uma ofensiva turca.
É indignado que constato a impunidade com que a
Turquia invade e bombardeia o nordeste da Síria. Indignação que é a
nossa desde 2011, quando Assad, com o apoio militar da Rússia e do Irão,
recorreu à violência mais brutal para reprimir a vontade democrática dos
sírios. O sofrimento de curdos e árabes (muçulmanos e cristãos) do nordeste da
Síria é o mesmo dos habitantes de Alepo, de Homs ou de
Ghouta.
Americanos (durante os anos Obama) e
europeus tinham a obrigação de ter protegido os sírios. Como afirmou Kofi Annan no seu discurso do milénio,
é um imperativo ético pôr termo à impunidade dos crimes contra a humanidade,
recorrendo à força, se necessário. Foi por isso que apoiei a intervenção
humanitária na Bósnia, para pôr fim ao massacre dos muçulmanos pelos
nacionalistas sérvios e a criação do TPI. E considerei, como considero, um
avanço da humanidade que tenham sido julgados os que tinham cometido crimes na
Bósnia e na Croácia, na Libéria ou no Ruanda.
A
intervenção na Líbia, justificada com recurso ao princípio do direito de proteger,
legitimada pelo Conselho de Segurança foi desvirtuada na sua aplicação e tornada numa
operação de mudança de regime. O fracasso
líbio tornou mais difícil a criação dos consensos necessários para proteger os
sírios e explica, em parte, o recuo de Obama, que expôs a incapacidade dos
europeus para intervirem sem os americanos.
A invasão da Síria pela Turquia põe em causa os princípios fundadores
das Nações Unidas. A incapacidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apesar
dos esforços europeus, em aprovar uma resolução que condene a invasão, mostra
como estamos distantes dos anos 90. Em 1991, o Conselho de segurança não só
condenou a invasão do Kuwait por Saddam Hussein, como legitimou a coligação
internacional dirigida pelos Estados Unidos para lhe pôr termo.
O sofrimento de curdos e árabes
(muçulmanos e cristãos) do nordeste da Síria é o mesmo dos habitantes de Alepo,
de Homs ou de Ghouta
Das políticas de intervenção humanitária dos anos 90 passamos para as
guerras de conquista do século XXI. O
momento de viragem foi a invasão do Iraque em 2003 pelos Estados Unidos. A invasão do Iraque foi uma guerra
de conquista que abriu um perigoso precedente, a que se seguiram a anexação da
Crimeia pela Rússia de Putin e hoje a invasão do Curdistão sírio pela Turquia.
É um erro grave pensar que a invasão
turca é apenas mais uma guerra do Médio Oriente. Aceitarem-se
guerras de conquista e crimes contra a humanidade é permitir a destruição
progressiva da Ordem Internacional. É aceitar um mundo em que as guerras de
agressão voltam a ser a regra.
Ainda há dias, numa conferência em
Bruxelas, foi dito por um alto responsável europeu que a União nada podia fazer
na Síria. Não podemos aceitar tal resposta.
Quinhentos milhões de europeus não
podem, cinicamente, deixar que centenas de milhares de pessoas sejam
assassinadas na Síria e só se preocuparem quando Erdogan os ameaça com os 3,5
milhões de refugiados sírios que alberga. A União
Europeia deve responder à chantagem com a defesa dos princípios em que se funda
e preparar-se para receber refugiados caso seja necessário. O Congresso
norte-americano ameaça a Turquia com sanções económicas, caso não trave a
ofensiva. A União Europeia pode e deve associar-se a essa ameaça. Ainda há dias foi dito por um alto responsável
europeu que a União nada podia fazer na Síria. Não podemos
aceitar tal resposta. Quinhentos milhões
de europeus não podem, cinicamente, deixar que centenas de milhares de pessoas
sejam assassinadas na Síria e só se preocuparem quando Erdogan os ameaça com os
3,5 milhões de refugiados sírios que alberga. É preciso mostrar a Erdogan que,
com esta acção militar, perdeu o que lhe restava do capital de simpatia que
tinha conquistado na Europa, com as reformas democráticas do início deste
século, que entretanto pôs em causa, e com uma generosa política de acolhimento
de refugiados sírios.
O regresso ao projecto da Europa como
potência multilateral é hoje a única esperança para nos prevenirmos das
consequências do caos e da guerra no Médio Oriente. A esperança é ténue, mas a
União Europeia já não pode contar com os Estados Unidos para garantir a sua
segurança. Mesmo num mundo pós-Trump, a União não poderá escapar às suas
responsabilidades na construção da paz no Sul do mediterrâneo, se quiser ter
paz na Europa.
Fundador
do Fórum Demos. Antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União
Europeia
COMENTÁRIOS
Manuel Caetano, 14.10.2019: A UE instou hoje a ONU a fazer parar o ataque turco à
Síria. Não seria mais assertivo e eficaz instar a França (que é membro
permanente do Conselho de Segurança da ONU e motor da União Europeia) a
convocar uma reunião urgente do Conselho de Segurança para discutir e aprovar
uma Resolução com essa finalidade?
Jonas Almeida, 14.10.2019: certamente seria mas, até ver, nem sequer foi capaz de
reagir à ameaça de Erdogan que não se atrevessem a usar a palavra
"invasão" uma segunda vez ... YouTube iskvbyuwJkI
TM14.10.2019:
Jonas tem a sua casa livre para receber refugiados?
Disponha-se! Manuel,
a Franca ate pode ter assento permamente na NATO, mas é membro da UE. A Franca
não pode ir contra uma decisão da UE desta dimensão.
Jonas Almeida, 14.10.2019: Eu concordo com este artigo, mas, como o João em baixo,
acho que é importante não empurrar nada para debaixo do tapete - a invasão da
Linha foi uma guerra de iniciativa e responsabilidade europeia, sobretudo
Francesa - ver por Ex France24 logo em 2012: "The Libyan War, brought to
you by Bernard-Henri Levy". De resto concordo, a "Europa" devia
ter protegido os Curdos e o resultado do seu referendo enquanto tinha o
interesse e protecção americano. Entretanto a América perdeu o interesse no médio
oriente e a "Europa" está mais interessada em proteger as suas as
máfias financeiras em Bruxelas. O primeiro passo é acabar com a NATO. Trump não
é parvo e tem essas contas feitas também, 14 Jan último no NYT "Trump
Discussed Pulling U.S. From NATO". A Guerra Fria acabou há 30 anos ...
TM, 14.10.2019: Sim acabar com a Nato mas criar um exército europeu com
uma defesa comum! Nem mais!
Terráqueo, 14.10.2019: Concordo consigo, Jonas, mas acho que a União europeia
precisa de uma reforma democrática e não de destruição. E a dissolução da NATO
é um imperativo para a autonomia estratégica da Europa. Com uma maior
integração, a Europa poderia ajudar e proteger os curdos!
Joao, 14.10.2019: Onde é que o Álvaro estava quando os Turcos invadiram e
ocuparam Afrin o ano passado? Onde é que o Álvaro estava quando os USA e os
países da Nato invadiram e ocuparam um terço do território sírio e se apossaram
de 99% dos seus recursos? Onde é que o Álvaro estava quando Israel invadiu e
ocupou a Síria e bombardeia os sírios? Onde é que o Álvaro estava quando todos
esses criminosos arregimentaram e armaram e transportaram terroristas wahabitas
para invadirem a Síria e aterrorizarem e matarem os Sírios?
Joao, 14.10.2019: Se estivesse atento e crítico em vez de permissivo e
branqueador talvez tivesse ajudado a conseguir que mais de meio milhão de
mortes fossem evitadas, evitado que milhões de refugiados aterrorizados
tivessem de fugir.
(1) - Mantra (Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre): Mantra
(do sânscrito
Man, mente
e Tra, controle ou protecção, significando "instrumento para conduzir a
mente") é uma sílaba ou poema,
normalmente emsânscrito. Os
mantras se originaram do hinduísmo, porém são utilizados também no budismo
e jainismo,
bem como notoriamente por práticas espirituais que não têm vínculo com
religiões estabelecidas. No tantrismo, são usados para materializar as divindades. O mantra é uma
fórmula mística e ritual recitada ou cantada
repetidamente pelos fiéis de certas correntes budistas e hinduístas. O
termo é uma palavra em sânscrito que significa 'controle da mente'. O mantra
é repetido de forma a auxiliar a concentração durante a meditação. Alguns mantras famosos são Namo
Amito (glória a Buda) e Om Sri Shanaishwaraya Swaha'('Om' e 'saudações a Saturno,
o planeta dos ensinamentos'). Os mantras Tibetanos são entoados como orações
repetidas…
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