terça-feira, 15 de outubro de 2019

Uma “Catarina Eufêmia” às avessas



Um excelente texto de um nome a fixar – PATRÍCIA FERNANDES – jovem ainda, professora universitária que não receia atacar as temáticas em moda, de “cultura do ódio”, de um falso moralismo, que já encontráramos nos hippies, naqueles anos contestatários, de uma mocidade desejosa apenas de fruir da existência, e que trouxera para a ribalta todos esses valores da contestação, cada vez mais arreigados nessa sociedade equilibrada e capitalista que eles ajudaram a desmoronar, talvez, em termos de eficácia de pequena dimensão, (já que o fosso entre o capitalismo e a pobreza se tornou progressivamente mais vincado e para mais assente em corrupção imparável que a Justiça finge eliminar). E os “sem abrigo de hoje” são consequência dessa ausência de valores, que o alastrar das drogas ajudou a petrificar nesses conceitos apaixonados de um mundo injusto feito ao serviço de homens injustos, os puros amparando-se numa criatividade inicial de beleza de alma e de corpos juvenis, de que James Dean, os Beatles e tutti quanti foram símbolo que seduziu as gerações seguintes cada vez mais impregnadas dos sentimentos existencialistas que o após guerra ajudou a radicalizar, e as leituras marxistas ajudaram a esclarecer, como, aliás, já os filósofos da Revolução francesa haviam aberto as pistas dos novos rumos democráticos. Mas hoje, como nunca, o ódio está assente, sob a capa da falsa moralidade, que não isenta os contestatários de iguais vícios de uma ambição idêntica. Mas o texto de Patrícia Fernandes quase só mereceu unanimidade de loas dos seus comentadores, prova de quanto as pessoas estão cansadas dessa provocação e ódio gratuitos.
A cultura de ódio
O fanático activista sente-se moralmente superior porque reivindica um acesso privilegiado à verdade e essa atitude de superioridade impede a valorização do dissenso e a obtenção de consensos.
 Em 1714 Bernard Mandeville entrou para a história das ideias com a publicação de A Fábula das Abelhas: vícios privados, benefícios públicos. Considerado um dos livros fundamentais da economia política liberal, diz sobretudo muito sobre a moralidade do homem moderno. Partindo da separação moderna entre esfera pública e esfera privada, o argumento de Mandeville passa por considerar que os vícios privados são essenciais para a prosperidade económica, gerando benefícios públicos e colectivos – num argumento mais radical do que o do interesse próprio de Adam Smith. Ao recuperar a dicotomia entre vícios e virtudes e valorizando os primeiros, Mandeville permite-nos uma compreensão particular do espírito moderno. O espírito dos antigos consistia na busca pela vida virtuosa, a partir da comunidade, e o pensamento cristão manteve durante mais de mil anos a mesma ideia numa lógica de pecados capitais a evitar. Mas com a modernidade os vícios adquiriram aceitabilidade, primeiro privada e, mais tarde, pública.
Hoje assistimos ao culminar de uma expansão de vícios privados para a esfera pública. É o caso da ira e a tentativa de sustentar racionalmente discursos de ódio. Embora marque toda a modernidade, esse discurso floresceu com especial ênfase no mundo académico durante os anos 60 do século XX. É o nascimento da nova esquerda e a concepção radical de que o sistema existente é a encarnação de todo o mal, estando para lá da possibilidade de redenção. Todas as aflições públicas e privadas são manifestações desse sistema que é preciso combater activamente: deve ser totalmente destruído para que seja possível construir um novo mundo. Nos Estados Unidos esse discurso ganhou forma numa espécie de ira provavelmente inédita: contra o próprio país e tudo aquilo que ele representa – capitalismo, imperialismo, guerra, desigualdades, injustiça. Um sentimento que se foi alargando a outras academias e que atinge o seu auge com o 11 de setembro. A professora canadiana Janice Fiamengo refere essa data como o seu momento de ruptura com a cultura que dominava a academia e que determinara o seu feminismo radical anterior. Quando viu os colegas manifestarem satisfação com o ataque às torres gémeas percebeu que havia algo de profundamente errado com aquelas pessoas e aquela cultura.
Os últimos vinte anos ampliaram o discurso de ódio. Hoje deve odiar-se tudo e publicamente. O capitalismo, o imperialismo e todos os conflitos com os quais não concordamos. A cultura do patriarcado e todos os homens, pois todos são potencialmente violentos. Mas, em especial, o homem branco. Todos os que não usam as palavras certas. Todos os filmes e livros que não coloquem a mulher no papel principal e contenham um elenco preenchido de minorias, velhas e novas, mesmo que à custa de erros históricos. Todo o humor, a não ser que não tenha piada. Todos os que não aceitam cegamente a responsabilidade humana nas alterações climáticas. Todos os que não levam a vida a sério. Todos os que comem carne. Todos os que fazem piadas inadmissíveis, mesmo que seja por amizade. As gerações mais velhas, mesmo que se tenham sempre esforçado para que os filhos tivessem uma vida melhor. E tudo isto agravado pela maior de todas as invenções da humanidade, as redes sociais, com o seu destilar de ódio permanente desde as caixas de comentário aos tweets irados, assentes numa lógica de vitimização.
Em algum momento, passamos a aceitar como normal esta cultura de ódio. Pior do que isso, passamos a valorizá-la. E é por isso que aplaudimos os olhos e as palavras iradas da jovem Greta, os comentários daqueles que querem decidir sobre quem pode ocupar o espaço político, os antis de toda a espécie, os cordões sanitários, manifestos e cartas abertas, os que acusam os outros de mil e uma fobias, a absoluta falta de empatia para quem ousa olhar para o mundo com outros olhos.
É fácil de perceber. Como Amos Oz afirma no seu texto sobre o fanatismo (Contra o Fanatismo, Edições Asa, 2007), é da natureza do fanático preocupar-se com o outro, que é sempre a sua obsessão. O fanático acredita que pode salvar o outro, libertando-o pela conversão, impondo-lhe a sua verdade que é a única verdade. E é aqui que reside o perigo: o fanático activista sente-se moralmente superior porque reivindica um acesso privilegiado à verdade e essa atitude de superioridade impede a valorização do dissenso e a obtenção de consensos. Perder o fanatismo é abrir as portas à ambiguidade, é reconhecer um mundo que não é a preto e branco, é aceitar a diferença e admitir a legitimidade daquele que pensa de forma distinta. É saber ouvir. Mas uma cultura de ódio é surda e é, por essa razão, a maior ameaça a uma sociedade democrática. Professora da Universidade da Beira Interior
COMENTÁRIOS
José Sousa: Bom artigo. Lúcido, directo ao ponto e causa raiz desta praga do século XXI, o activismo cego, estúpido e irracional. 
Marco Silva: Muito bem. Que lufada de ar fresco, num jornal onde cada vez mais os artigos de opinião tendem só para a esquerda. Artigos de opinião que nem há 1 ano eram mais equilibrados. Agora, é o ataque diário ao homem branco por mulheres. É o ataque ao homem branco pelo racismo que a esquerda promove. É o ataque ao homem branco por tudo e mais alguma coisa. Enquanto isso, o homem branco tem de ir para o trabalho de transportes públicos, esmagado contra uma porta. Tem de trabalhar 8-9-10-12 horas e voltar para casa esgotado e esmagado contra uma porta. Tem de pagar as contas com o pouco dinheiro que lhe resta do salário miserável que tem, pois os impostos aumentaram outra vez, pois a esquerda quer distribuir mais umas regalias pelos parasitas do estado... e quando liga a televisão tem lá uma mulher "afrodescendente" a dizer que o homem branco é racista e que o/a "afrodescendente" não pode ser racista com o homem branco. Só o "branco" é que é racista. O "preto"...não... O homem branco repara também que essa personagem foi eleita para o parlamento... Esta é a realidade. O homem branco, o homem da classe média, com família que trabalha horas a fio, não tem representação no parlamento sequer...e é demonizado TODOS OS DIAS pelos media portugueses e mundiais. O homem branco da classe média, é que mais paga impostos, é quem mais sofre no dia a dia...e é o que é mais mal tratado. Enfim, há pelo menos um ou outro artigo que o defende...ou pelo menos não o ataca...daí ser uma lufada de ar fresco.
Ruik Krull: Admira-me não terem vindo aqui as/os alforrecas do costume fustigarem gosmas de ódio à autora e ao seu texto, devem estar prostrados a fazer Alahs à Greta.
Carminda Damiao: Óptimo texto.
Antaeus IX: Mais uma equalizadora da moral... ou como uma mão lava a outra...
Fernando Craveiro: Texto fabuloso. Cristina, ficamos no aguardo de mais lúcidos como este.
Gil Bernardes: A influência da Maria Vieira no meio académico não pára de crescer.
José Carlos Lourenço > Gil Bernardes: Qual influencia mais!! A actriz do berloque de esterco !! A gaga feminista-radical !! A doidona impostora infiltrada "pinta unhas na A.R."
"!!: Lourenço Marques > Gil Bernardes: Ah grande Maria Vieira! Adoro-te!
Qualquer Um: Excelente texto, identifico-me na íntegra.
José Ramos: Em suma, é mandar a Razão (como referi no sábado em relação ao artigo de Alberto Gonçalves), a razoabilidade, a liberdade às malvas, e regressar às trevas medievais. Com a agravante de hoje, com o olho que tudo vê de um Big Brother global que faria arrepiar George Orwell, não haver "vícios" que sejam privados e aquilo que são "virtudes" ser ditado pela moda da estação.
Liberal Impenitente > José Ramos: Muitas pessoas querem culpados, mesmo que não os haja. Isso torna-as disponíveis para irem atrás da primeira menina autista de trancinhas que lhes aparecer. E também há meninas de outro tipo no mercado dos milagres, mais sabidas.
Nelson Brito: Muito bom, finalmente algum senso nesta comunicação social que cada vez da mais voz a esse discurso radical. Eu sou da opinião que este discurso do ódio e das verdades absolutas tem tanto sucesso porque vende, os jornais estão cheios de exemplos, e porque é fácil de assimilar... Pensar dá muito trabalho.
João Sousa > Nelson Brito: É precisamente isso, é branco e preto. Básico.
Miguel Gentil Gomes: Excelente texto! Quem assim fala não é gago. Por falar nisso, alguém que mande o link à Presidenta Joacine.
Ana Ferreira: Como pode verificar lendo estes e os comentários que aí vêm, não obstante tentar generalizar o fenómeno, ao personalizar e, sobretudo, compará-lo com a "cruzada" de Greta, lamento mas também está a promover a cultura do ódio.
Pérolas a porcos > Ana Ferreira: Esse "também" é autobiográfico?...
Miguel Fernandes > Ana Ferreira: Escreveu a activista do escroto.
Antonio Fonseca > Ana Ferreira: " lendo estes e os comentários que aí vêm" A Ana Ferreira também prevê o futuro. Já sabe qual o conteúdo dos "comentários que aí vêm".
Antaeus IX > Antonio Fonseca: Vocês são muito previsíveis...
Qualquer Um > Ana Ferreira: Lamento, mas acabou de perder uma excelente oportunidade de ficar calada...
Joaquim Zacarias > Ana Ferreira: Calada és uma poeta.
Joaquim Zacarias > Ana Ferreira: Quando falas, ou entra mosca ou sai mer.a
João Sousa > Ana Ferreira: A esquerda não costuma dizer que se deve tolerar os intolerantes? Pois bem, não se pode tolerar a Greta.
Antonio Fonseca > Antaeus IX: Não te cansas de te repetires?
Diogo Luz: Parabéns, Patrícia. Retrato perfeito da lastimável condição de decadência e colapso eminente a que os marxistas totalitários, que capturaram a academia, o espaço público e a comunicação social, conduziram a Civilização Ocidental. Só faltou mesmo mencionar o caricato de tais odiadores patológicos usarem a baixeza de acusarem todo e qualquer crítico ou opositor político, precisamente, de "discurso de ódio", como forma de impedir o debate racional e impor a ditadura. Lamentavelmente, o ponto de possível regeneração pacífica há muito foi ultrapassado. Dor, sofrimento e muito sangue, é agora cenário inevitável para todos os que ambicionem manter as suas mais elementares liberdades.
Isabel Brito: Muito bom e 100% verdadeiro! Obrigada, vou partilhar!
victor guerra: O ódio é patrocinado pela comunicação, que transforma posições minoritárias em acontecimentos "relevantes"
Pérolas a porcos > victor guerra: Absolutamente!!! E além disso dá a palavra aos arruaceiros e às passionárias, como a "gretinha"!!! As pessoas deviam lembrar-se da Joana d'Arc e da Guerra dos Cem Anos, da Evita, etc.
Qualquer Um > Pérolas a porcos: Dá a palavra a bobos como tu também.
João Sousavictor guerra : 1000 likes, nada, passam a algo relevante quando aparecerem no telejornal.
Fernando Costa: Excelente artigo. Obrigado.
Carminda Damiao: Excelente texto. Fazem falta textos lúcidos como este para reporem a verdade que nos está a ser tirada. Obrigada.
Velha do Restelo: Muito bom. Parabéns e obrigada!
Maria Nunes: Muito bom. Parabéns.
Patrícia Fernandes. Obrigada. Já não lia um artigo tão lúcido há muito tempo. Começo o dia com alguma esperança, porque de cada vez que ouço rádio, tv ou jornais mais me afundo na convicção de que a sociedade ocidental, democrática está em vias de extinção.
Earl Woode. Artigo muito relevante. Exemplo disso a mudança de critérios para um filme estar apto à candidatura de um prémio BAFTA. Procurem online as quotas impostas já que a censura não me deixa publicar o link. É inacreditável.
Artigo muito relevante. Alguém deu pela incrível mudança de critério dos prémios BAFTA que agora impõe quotas para um filme sequer ser considerado apto a um prémio? As percentagens desta “quotas” baseadas em sexo, minorias étnicas, homosexuais e transexuais são fixadas para o filme sequer ser admitido. Portanto, acabou-se a liberdade de expressão ou artística. A partir de agora, os filmes passam a ser propaganda. Inacreditável!
Lourenço Marques: Bom artigo que devia dar que pensar a muitos e está em linha com o pensamento de Gabriel Mithá Ribeiro no seu último livro, "Um Século de Escombros". Foi para isto que renunciámos à moral cristã e à cultura de responsabilidade pessoal?
Eduardo S: Muito bom. White Male lives matter
Tiago Nogueira: Boa análise.
Miguel Antunes: Excelente texto.

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