Mas o que sobretudo nos alegra é a forma
“desportista” com que Salles da Fonseca enfrenta o “touro” de uma saúde traiçoeira,
com o subterfúgio da sua ironia. E rimos com ele. E aprendemos.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 01.10.19
A cena passa-se num caminho lateral do jardim
junto ao muro do antigo Hospital Militar Principal estando eu sentado
debaixo duma grande árvore a descansar da caminhada que fizera desde casa até
ali. Aproxima-se um casal de meia idade já passada que mira e remira a árvore.
Hesitantes, dirigem-se-me em português mas com uma pronúncia que não duvido de
os classificar como emigrantes em França.
Ele – Bom
dia, Senhor!
Eu – Bom
dia Cavalheiro! – respondi eu para não ser repetitivo.
Ele – O
Senhor sabe que árvore é esta com estes ramos pendentes?
Eu – Não são ramos, são raízes aéreas e é
uma «Figueira da Índia». Há-de ter um nome científico qualquer mas isso eu já
não sei. Como se imagina, é muito antiga.
Ela – E dá frutos?
Eu – Sim, sim, à semelhança de todas as
plantas, mas eu creio que a Senhora pergunta se os frutos são comestíveis. Sim,
são, mas têm uma casca rija e é preciso dar-lhes pancada para os abrir. Dizem
que o miolo é macio mas um pouco ácido. Nunca comi. Há tempos vi aqui um grupo
de imigrantes a comê-los e a espalharem as cascas por toda a parte. Vieram os
guardas do jardim e obrigaram-nos a varrer tudo. Eles diziam em inglês que no
país deles não varriam e que não era aqui que iam varrer. Foi só verem um
polícia a vir ali ao fundo e agarraram-se às vassouras e ficou tudo limpo.
Ainda pensei que eles agarrassem nas vassouras para desancarem os guardas do
jardim mas eram cobardolas e «enfiaram a viola no saco». Nunca mais vi ninguém
aqui a comer disto.
Ele – O Senhor não imagina como está em
França com os muçulmanos…
Ela - … uma vergonha! Parece que eles é que
são os donos da França.
Eu – Por aqui ainda não é assim mas não
estamos livres de que tal aconteça. Não temos um muro à nossa volta. Mas quanto
mais disso houver em França, mais a Marine le Pen vai ganhar votos e ela pode
muito bem construir um muro como o Trump.
Ela – Mas não há-de ser só para não os
deixar entrar. Ela vai ter que deportar todos os que se portem mal. E quando eles
disserem que já são cidadãos franceses, ela tem que lhes dizer que vão fazer a
glória da França no país dos paizinhos deles.
Eu – Julgo
que é isso mesmo que o Canadá já faz há bastante tempo.
Ele – Mas
nós andamos aqui a fazer turismo, não andamos a fazer política francesa. O
Senhor sabe o que é este editício aqui nas nossas costas e que parece
abandonado?
Eu – Sim. Até há meia dúzia de anos era o
Hospital Militar Principal que esteve aqui durante muitos anos. Mas antes disso
era um convento beneditino. Só que, a certa altura, os frades acharam que o
clima aqui em cima era insalubre e que lá em baixo, mais próximo do Tejo, era
muito melhor. Então, fizeram outro convento lá ao fundo da Calçada da Estrela
que é essa rua que vai por aí a baixo (apontei para lá). Por
acaso – e dizem as más línguas que foi mesmo por mero acaso – do outro lado da
calçada havia outro convento, o das Francesinhas… Talvez tivessem sido elas que
lhes tinham dito que os ares eram por ali muito mais puros. Sim, talvez.
Entretanto, uma grande parte do convento das freiras foi demolido e o convento
dos frades é hoje a «Assembleia da República» cuja nova arquitectura foi
inaugurada pelo Rei D. Manuel II.
Ela – O Rei a inaugurar o edifício da
República?
Eu – Naquela altura chamavam-lhe «Cortes».
Ele – Bem, acho que já o maçámos muito com
perguntas da nossa História. Agora vamos ver a igreja ali à frente.
Eu – Está lá a Rainha D. Maria I. Dêem-lhe
os meus cumprimentos.
Feitas
as despedidas, seguiram ao caminho deles e eu deixei-me ficar a pensar se a
Marine vai mesmo fazer um muro. Nada me admiraria.
Outubro
de 2019
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca, 02.10.2019:
Caro
Amigo Salles da Fonseca
Caro
Doutor Salles da Fonseca
1
- Leio tudo o que escreves, e de que maneira.
2
- Mas de tudo, a viagem que fizeste de Nampula a Lourenço Marques nos idos de
70 é qq coisa de muito bom. Bem contado, bem escrito e bem recordado.
Infelizmente, para nós que lá estivemos, a Cátedra da Endogamia e afins diz
logo que não pode ser assim porque naquela altura a Guerrilha estava por todo o
lado, blá blá blá, e a guerra não a teria deixado fazer. E militares que deviam
corroborar certas coisas, hoje em dia, blá blá blá, nada acrescentam ou dizem.
Mas se eles não dizem dizemos nós. Numa das minhas "investidas
universitárias" por causa dos submarinos que comprámos ia-me chateando a
sério com um Professor Universitário. Ele não compreendia o poder da arma submarina
como factor de dissuasão, de observação sem ser visto e só quando lhe falei no
jeito que deu na Guiné pós-colonial é que se calou. Mas ficou sempre com muita
azia.
3
- Depois no teu regresso a Moçambique foi outra vez tudo de ler com imensa
satisfação. Mas lá está os mesmos passados estes anos todos culpam o
colonialismo que fizemos da actual (atual) situação, e talvez o AO de tudo e
mais que acontece por aquelas bandas.
4
- Tudo ajudado por aqueles que em jornais e revistas de referência enquanto
enchiam o papo era Eng. Isabel dos Santos e ele o Presidente Eduardo dos
Santos. Agora os mesmos é a Isabel dos Santos e ele é o Eduardo dos Santos
ignorando que o novo mandante foi general sempre com ele e a actual primeira
dama foi ministra do mesmo. Abraço de muita estima e consideração, José
Augusto Fonseca
Henrique Salles da Fonseca, 02.10.2019: Gostei!
Obrigado pela partilha Henrique, manda mais para que possamos rir e pensar. Um
abraço. Carlos Antolin Teixeira
Anónimo 02.10.2019: Gostei
de ler esta crónica. Vem a propósito, como tema central, a questão da emigração
e dos muros. Esta temática dá a azo a muita discussão e há uma pluralidade de
opiniões. Penso que para resolver o problema das hordas de emigração em
direcção aos países ricos será preciso em primeiro lugar derrubar os muros
instalados nas consciências daqueles que têm uma visão empedernida sobre o
mundo e o homem e o seu destino. Enquanto o mundo ocidental não se convencer de
que para deixar de ser invadido por emigrantes tem de investir no
desenvolvimento do Terceiro Mundo, a situação vai continuar a agravar-se. Creio
que, por enquanto, a civilização humana não está preparada minimamente para uma
convivência multicultural e multireligiosa. Creio mesmo que não será nas
próximas gerações que isso acontecerá, se é que possa mesmo acontecer num
futuro próximo. Porque é possível que a civilização humana deixe de existir
dentro de um milénio, se tanto.
Anónimo, 02.10.2019: Prezado Dr., Acaba
de ganhar uma velhice mais sossegada. Decidi que continuaria a ver o seu blog
mas abstenho-me — como, no gozo, disse o Dr. Machado (Vice-Reitor à época)
'abesto-me — de escrever qq comentário. A censura cansa o mais cristão. Boa
velhice
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