Corolário dos textos postos
anteriormente aqui, no blog, já neste dia, o Editorial de Manuel
Carvalho, que, provavelmente, se regozija do jogo de cintura do
seu Primeiro Ministro. E a continuação do jogo, no recomeço da tese, desta vez
apontado por Santana Castilho sobre o problema-mor deste país, de que
dependem todos os outros – a Educação, ou antes, a falta dela. Magnífico
texto este, de SC, que a
maioria dos comentadores reconhece, com as excepções dos adeptos habituais do
parasitismo social.
I - EDITORIAL: A força do Governo está na
fraqueza da esquerda
Como se fosse um rei feudal, Costa está
disposto a fazer dos deputados à esquerda uma espécie de escudeiros. Com
privilégios, mas obrigados a proteger o senhor.
MANUEL CARVALHO
PÚBLICO, 31 de Outubro de 2019
Passavam
poucos minutos das 16h00 desta quarta-feira quando, na Assembleia
da República, o deputado Pedro Filipe Soares recuperou a
fórmula de cálculo concebida pelo primeiro-ministro para analisar as hipóteses
de derrube do Governo e afirmou: “Onde havia promessa de negociação no ar hoje
parece haver um caminho de desafio e ameaça.” Nessa simples declaração ficou condensado o novo
relacionamento entre o PS e a esquerda parlamentar e, em especial, o Bloco.
Se
no passado a “geringonça” se alicerçou na dissimulação de
uma relação entre partidos que na sua essência têm mais para se confrontar do
que para colaborar, o futuro quadro político vai ser mais claro. O PS
viverá sempre condicionado, mas quer o Bloco e o PCP estarão condenados a
ponderar todos os dias os riscos políticos de deixarem cair um governo de
esquerda.
Pedro
Filipe Soares tem, por isso, razão no que disse. Quando António Costa declara
que “a direita toda junta, desde o PSD ao Chega, só poderá
derrotar o PS se conseguir somar os votos do PAN e de toda a
esquerda” está a tornar clara a razão pela qual desta vez decidiu prescindir da negociação de posições conjuntas com o
Bloco e o PCP. Está a sugerir que há uma coacção política a pairar
sobre os partidos da esquerda que protege o seu Governo.
Para o primeiro-ministro, e para a
maioria dos cidadãos, só uma anormalidade permitiria a soma dos votos de um
destes partidos com o PSD. A imunidade do Governo a moções de censura, na
teoria de António Costa, justifica-se pela fragilidade estratégica dos seus
outrora parceiros.
Sobra
ainda outra questão para a
sustentabilidade do Governo: a obtenção de maiorias para aprovar leis. E
aqui Costa regressa às suas conhecidas manobras de envolvimento. “Quem votou no
BE votou mesmo para dar continuidade à solução governativa da anterior
legislatura”, observou António Costa. O PS quer manter o anterior caminho,
quer estar aberto à negociação, pronto para o diálogo e até para eventuais
cedências, sugeriu. Como se fosse um rei feudal, Costa está disposto a fazer
dos deputados à esquerda uma espécie de escudeiros. Com privilégios, mas
obrigados a proteger o senhor.
Fica assim fechado o grande plano de
António Costa. Um plano que revela uma inteligência táctica notável, um cinismo
prático exemplar e um jogo de cintura impressionante. Se alguém tinha dúvidas de que o novo Governo tem
condições para durar quatro anos, esta terça-feira teve novos
argumentos para as desfazer.
II - OPINIÃO: Directo a si, dr. António
Costa!
Na Educação, o Governo falhou e o
Governo tem um primeiro responsável. Por isso o acuso a si, dr. António Costa.
SANTANA CASTILHO - PÚBLICO,
30 de Outubro de 2019
Na Educação, o ambiente é de profundo
mal-estar e o programa do novo Governo não conseguiu atribuir-lhe qualquer
réstia de esperança. Outrossim,
acentua a onda de “planos”, “projectos” e “estratégias”, para picar os miolos
aos professores. Antes de Maria de Lurdes Rodrigues, todos sabiam
exactamente o que fazer. Os chefes eram menos e as escolas funcionavam. Depois
cresceram os chefes. E consigo, dr. António Costa, cresceu a desorientação e o
deslumbramento com as pedagogias sem sentido. E cresceram as siglas “eruditas” para denominar
inúteis organismos, projectos, plataformas e planos. Veja estas, dr. António
Costa (e não são todas), criadas pelas suas luminárias da modernidade: ACES,
ACCRO, AERBP, AIRO, CAA, CAF, CD, CEB, CP, CPCJ, CRI, CT, DAC, DEE, DT, EE,
EECE, EFA, ELT, EMAI, EO, ESAD, JNE, ME, PAA, PASEO, PE, PEI, PES, PHDA, PIT,
PL2RTP, SPO, UFC e ULS. Não lhe chegavam? Enxergue-se, dr. António Costa!
O dr. António Costa deu campo aberto
ao narcisismo político dos seus prosélitos. Mas nunca promoveu um trabalho
sério para apurar o que pensa a esmagadora maioria dos professores de sala de
aula sobre um conjunto de temas-chave, que permitiriam reformar com solidez o
sistema de ensino. Por isso, não me espanta que tenha perdido totalmente o
pudor, proibindo as reprovações no Ensino Básico. Não me espanta, dr. António Costa, que a decisão
política em Educação continue assente no desconhecimento da realidade e no
oportunismo político das madraças da flexibilidade e da inclusão, criadas para
pastorear incautos e transformar velharias falhadas em tendências pedagógicas
novas.
O
grande tema da comunicação social foi, recentemente, o professor que bateu no aluno e os alunos que batem
todos os dias nos professores. O contraste evidente entre a
presteza com que o Ministério da Educação suspendeu o professor agressor e a
espiral de silêncio em que envolve as constantes agressões a professores e
funcionários não pode passar de fininho. Sem rodriguinhos e medindo o que digo,
é para si, dr. António Costa, que falo, que o ministro Tiago é tão-só seu
mordomo. O dr. António Costa é um dos grandes responsáveis pela sucessão de
políticas que têm reduzido os professores a simples funcionários, cada vez mais
desautorizados e despromovidos socialmente. Um
dos grandes responsáveis por, farisaicamente e de modo cruel e perverso, pôr a
sociedade e a opinião pública contra os professores: para lhes retirar o
direito à greve; para lhes retirar força salarial; para lhes roubar o tempo de
trabalho cumprido. É duro o que lhe digo? Repito-lho na cara se quiser, sem
seguranças de permeio, para ver se se domina, como o desgraçado professor da D. Leonor não se
dominou.
O seráfico paternalismo com que os
ideólogos a quem deu rédeas querem que os professores ensinem quem não quer
aprender ou integrem quem não quer ser integrado tem de ser denunciado. Com
efeito, é fácil medalhar os líricos que decidiram a “inclusão” universal. Mas é
impossível, sem meios nem recursos (materiais e humanos), lidar, dia-a-dia, na
sala de aula, com jovens com perturbações mentais sérias, descompensados por
imposições pedagógicas criminosas.
O
problema, dr. António Costa, é a natureza das políticas, que fizeram entrar o
ensino em decadência. O problema é que o dr. António Costa afaga banqueiros e
juízes sem perceber que morre lentamente uma sociedade que não acarinha os seus
professores.
Quando as obrigações do Estado não
são cumpridas, é ao Governo em funções que devemos pedir responsabilidades.
Porque o Governo, qualquer que seja a força partidária que o sustente, é o
rosto do Estado. Porque, independentemente da responsabilidade subjectiva (que
no caso vertente é sua), a responsabilidade objectiva do Governo é proteger os
professores das agressões de que são vítimas. O Governo falhou e o Governo tem
um primeiro responsável. Por isso o acuso a si, dr. António Costa.
Victor Jara (que também foi
professor) foi abandonado numa favela de Santiago do Chile, depois de torturado
e assassinado, por cantar O direito de viver em paz. A sua sorte, dr.
António Costa, é que os professores não são capazes de se unir, ao menos uma
vez, para reclamar o direito de ensinar em paz. Antes que acabem,
definitivamente, abandonados num país sem défice.
COMENTÁRIOS
subbmarine, 30.10.2019: Este homem é um dos pilares da nossa sanidade mental.
Que continue a bradar verdades por muitos anos, porque não há mais quem o faça.
mzeabranches, 30.10.2019: Obrigada, Professor! Sabe tão bem esta veemência com
que denuncia o contínuo desastre do nosso sistema de ensino e a dificuldade
crescente de ser professor! Alguém capaz de falar com paixão, num país tão
fadado para a apatia e a inércia! Permito-me sugerir: a todos os desastres
do nosso ensino é indispensável acrescentar a imposição ditatorial e imbecil do
AO90, linguisticamente indefensável, como tantos especialistas já demonstraram! O respeito pelo país que somos, cuja língua constitui
uma dimensão essencial, e o respeito pelos jovens que estamos a formar, não se
coaduna com a adopção deste vil atentado contra o português europeu, a língua
de Portugal, que herdámos e temos o dever de transmitir aos vindouros em boas
condições.
Luis Morgado, 30.10.2019: Muito bem apontada a falta de pudor do Dr António
Costa quanto à Educação. O programa do novo Governo combate o insucesso escolar
com um "plano de não retenção" até ao 9º ano de escolaridade.
Como é que isto pode ser bom para os alunos, para a educação e para o país?
Qual é o incentivo que se quer dar aos melhores para serem ainda melhores?
Definitivamente não se quer preparar os jovens para uma sociedade cada vez mais
competitiva. Isto só pode beneficiar os alunos das escolas privadas e aqueles
que tenham a sorte de ter frequentado escolas estrangeiras. Imagino também o
clima de frustração que os professores irão sentir numa sala de aula em que os
alunos sabem que não precisam de trabalhar para não ficar "retidos".
viana, 30.10.2019: Então agora os "melhores" precisam de saber
que os seus colegas podem chumbar (porque se são os "melhores", não
são eles que estarão em risco de chumbar) para se sentirem motivados a
trabalhar mais?!... Espero que quem escreveu este comentário não seja professor!
Mas que raio de valores é que quer que sejam transmitidos aos estudantes?
Egoísmo e tirar prazer com o sofrimento dos outros? Sinto-me em cima quanto
mais os outros estiverem na mer*a?!... E quanto à retenções, não sabe que em
alguns dos países com melhores índices educacionais, como a Finlândia, não há
retenções? Queremos uma sociedade em que as pessoas são "treinadas"
para responder apenas ao medo?! E que tal tentar motivar os estudantes? Dá
trabalho, é?!...
Luis Morgado, 30.10.2019: Os melhores para serem melhores precisam de saber que
o seu trabalho é valorizado através de um sistema de avaliação sério que não
nivele por baixo. Os que não são melhores têm que ter objectivos porque se
sabem que passam automaticamente, qual é o incentivo que lhes dá para
progredir? Sem metas, o que acontece é que se nivela a qualidade pelos mais
fracos e na nossa escola o nível médio é muito baixo. Por outro lado vai
agravar o problema dos alunos que passam de ano sem bases sólidas para
compreender as matérias seguintes. Quanto aos países nórdicos, espero que saiba
que esse sistema teve sucesso (agora começa a ser questionado) devido ao
elevado nível de vida e à igualdade social e económica da população, ou seja,
condições que não temos. As suas observações chegam a ser ofensivas.
viana, 30.10.2019: O que é que a
ausência de retenções tem a ver com o nível de dificuldade do ensino? As
retenções não deixam de existir porque a avaliação é tão benévola que todos
"passam". As retenções deixam de existir, pura e simplesmente. Em que
é que isto afecta o grau de exigência pedido aos estudantes?! Não passa a ser
"proibido" testes difíceis! Quanto aos que seriam "retidos",
caso não tenha percebido, estes terão obrigatoriamente de ter acompanhamento
(como já acontece com aqueles em risco de "chumbar"). Qual é a
vantagem para alguém de chumbar? Acha que no ano seguinte vai estar mais
motivado?! Aparentemente está satisfeito com um sistema que obriga muitos a
estudar por medo, entre os quais os que falham são condenados. Sacrificam-se
uns para outros "aprenderem". "Bela" filosofia de ensino!
Luis Morgado, 30.10.2019: Repito: entre muitos outros problemas, a retenção vai
agravar o problema dos alunos que passam para outros anos sem terem assimilado
as bases que permitem compreender as matérias mais complexas com que se vão
confrontar (este é um problema, mesmo no sistema actual). Estes alunos são
prejudicados porque dificilmente vão acompanhar os anos seguintes. Os restantes
alunos, em vez de progredir normalmente acabam por se ver travados pela
necessidade de rever matérias dirigidas aos outros que passaram sem as devidas
bases. Acha que um aluno brilhante ou trabalhador deve ser prejudicado por um
aluno fraco ou preguiçoso? A filosofia que eu defendo é a do trabalho, da
exigência e do mérito. Acredito que os mais fracos têm que ser ajudados, mas
não acredito em falsas igualdades e em facilitismos.
CF, 30.10.2019: Professor Santana, não adianta usar argumentos
inteligentes com gente do PSV (Pinho Sócrates Vara).
Maria Carlos Oliveira, 30.10.2019: O problema da educação não é de hoje. Maria de Lurdes
Rodrigues é uma referência neste processo, ainda que não a única. Lembremos
alguns aspectos: a) Apresentou um modelo de avaliação de professores, importado
do Chile (mal sucedido), impraticável; b) Proletarizou a função docente,
confundindo o número de horas com trabalho. Ignorou a importância do ócio
criativo no desempenho das funções docentes. José Gil, na altura, decretou em
Serralves o fim da profissão; c) Impulsionou, com grande apoio do representante
da A. de Pais, a escola a tempo inteiro (resultados?); d) Não resolveu, como os
sucessores, o problema da entrada na profissão (os exames deveriam ter sido
ponderados por todos); e) Desautorizou os professores, que lhe responderam com
uma multidão. E agora Senhor Primeiro Ministro?
Sandra, 30.10.2019: "oportunismo político das madraças da flexibilidade e
da inclusão, criadas para pastorear incautos e transformar velharias falhadas
em tendências pedagógicas novas." pois... justiça seria feita se
reconhecesse que, quem não deu para este peditório, foi o senhor professor Nuno
Crato.
J Ferraz, 30.10.2019: Só generalidades. Não especifica o que deve ser feito.
Bernardo Ribeiro, 30.10.2019: precisamente o oposto ao que denuncia! Não percebeu?
Jose, 30.10.2019 10:19: A generalidade dos portugueses e dos senhores
professores estão preocupados como Santana Castilho. O seu eloquente esforço
por evidenciar a angústia de ver o ensino público a entrar no cano de esgoto,
os alunos obrigados a permanecer retidos na escola/armazém da infância e
juventude é uma dor de alma. Costa está muito à frente. Ele sabe que o que
interessa são estatísticas que brilhem aos olhos dos tecnocratas do dono em
Bruxelas. Ele sabe que não há meritocracia nem elevador social. Ele sabe que a
elevação geral do nível de vida da população e designadamente a sua formação
são a maior ameaça à UE da TINA a que ele obedece com o empobrecimento,
precariedade, abandono, exclusão e punição. Os eleitores, que ainda votam,
acreditam, como Santana Castilho, na melhoria da educação. Costa não!
CS.788492, 30.10.2019: Apreciei comentário e a coragem, porque já vimos que
os afrontamentos podem ser perigosos. Parabéns
Jf, 30.10.2019: O primeiro
ministro governa como se estivesse a navegar sem vela nem motor, ou seja, ao
sabor dos ventos e marés... Parabéns pelo artigo.
SC RIBEIRO, 30.10.2019: O que andava a dizer este colunista nos tempos da
PaF????? Foi de excelência o ensino nessa altura? Com milhares de estudantes a
terem de fugir para o estrangeiro para estudarem???? Não me lembro de ler-lhe
nada sobre essa tragédia...
Manuel Castilho, 30.10.2019: Ao leitor SC Ribeiro: Seria preocupante não se
lembrar, tantos foram os artigos que publiquei sobre a matéria e a sua natureza
de crítica assertiva. Estimo pois que não seja um potológico caso de perda de
memória. Posto isto, a resposta é sobejamente fácil: pesquise aqui, no Público,
e ficará esclarecido. Os meus cumprimentos!
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