JPP, não lembra Fradique, que era um diletante viajado e sortudo, autor das Lapidárias, poemas de grande impacto
naqueles tempos de Coimbra, admirado por Eça para, por contraste, condenar o nosso
lirismo romântico - «Lirismo íntimo»,
que, «enclausurado nas duas polegadas do
coração», não compreendia “dentre
todos os rumores do Universo senão o rumor das saias de Elvira», segundo o
traçado desdenhoso de Eça. Não, JPP
não
se coloca na posição nem de admirador de Fradique, nem mesmo na do Fradique
alegremente fútil, porque JPP, além de pessoa séria, se admira essencialmente a
si próprio e o seu escárnio sério – pretendendo ser racional e construtivo –
reserva-o para o público que não há meio de elevar intelectualmente como desejaria,
ao demonstrá-lo semanalmente no seu debate da circulatura do quadrado. Todavia, em termos de provincianismo –
este, malandro ou suspiroso - já ultrapassámos o tal rumor de saias, agora mais
esbatido pela generalização das calças femininas, menos rumorejantes –
conquanto de ruído alargado às fofocas sociais que por vezes os comentários da
escabrosidade mediática demonstram serem igualmente incompatíveis com as
mentalidades que PP deseja menos “provinciana”, a escabrosidade profundamente
alargada ao foro urbano.
Não, nem os candidatos nem os partidos
ultrapassam as questões intestinas nos seus debates. Mas virtuosamente reservam
as “saias de Elvira” para as fofocas revisteiras. Agora o que está a dar são os
incêndios, os veganismos, os direitos sociais, as corrupções que não param… A
televisão ensina muito, mas sobretudo aquilo que nos toca intimamente. Desde
que não nos vá faltando o que a Europa camaradamente nos fornece… Já todos
estamos informados a respeito do sentido de democracia, graças a Deus, que é o que mais conta - a reivindicação livre que Tino de Rans tão gostosamente exponencia.
A mentalidade provinciana
Os nossos candidatos a primeiro-ministro
e os partidos que os apoiam têm opiniões sobre o que se passa para além da
nossa frágil fronteira?
PÚBLICO, 5 de Outubro de 2019
A
completa ausência de debates, discussões, posições sobre matérias
internacionais na campanha eleitoral revela o carácter paroquial da nossa
política. Revela também uma profunda inconsciência sobre o que se está a passar
no mundo, que pode alterar todos os nossos planos e projectos nacionais de um
dia para o outro. Por fim, revela uma coisa ainda pior – a interiorização da
completa impotência nacional para ter uma política externa que corresponda ao
interesse nacional e aos interesses comuns que partilhamos com os nossos
aliados.
Este
desinteresse é acompanhado pela comunicação social, que, salvo raríssimas
excepções, acha que falar destas coisas não interessa a ninguém, deita
abaixo as audiências ou, pior ainda, sugere que é como dar pérolas a porcos,
pela ignorância dos portugueses sobre a política internacional. É um
círculo vicioso que se agrava cada vez mais e se torna mais preocupante, porque
a situação internacional é cada dia mais perigosa.
O
desprezo pelas questões internacionais tem duas faces e uma natureza diferente
em cada uma, embora haja elementos comuns. As duas faces são a Europa e o mundo,
a política nacional e comum na União Europeia e a política externa propriamente
dita face aos grandes problemas globais, o independentismo catalão, a guerra
das tarifas, a presidência Trump, o
crescendo do autoritarismo e a crise da democracia nos EUA, Brasil, Turquia,
Filipinas, Hong Kong, as grandes linhas geoestratégicas face à Rússia, China, o
Médio Oriente, o ambiente, os direitos humanos (ou a falta deles), as guerras e
migrações, etc. Sobre
tudo isto quase nada, como se pudéssemos continuar com a nossa vidinha
sossegada, com o mundo a arder à nossa volta.
O
caso da Europa é mais complexo, mais difícil de discutir, porque existe uma
censura objectiva para impedir a sua discussão livre, devido ao peso do
“consenso europeu” que inclui todos os partidos de governo, PS, PSD, CDS, e
compromete no silêncio os partidos que têm alianças, como a “geringonça” –
falam, discordam, mas são inconsequentes. O mesmo
se passa com a atitude europeísta da maioria da comunicação social, que tende a
proteger a “discussão” europeia de um verdadeiro escrutínio e a repetir
afirmações sem fundamento. Veja-se o que se passou sobre a “importância” do
pelouro da comissária portuguesa, e do bravado nacional sobre
o seu papel crucial, para depois se descobrir a redução dos seus poderes,
o
corte dos seus fundos e a colocação sofrível no ranking dos comissários. Em
tudo o que é secundário e ilusório somos os maiores, no que é mais importante,
nem um pio. Nem vale a pena chover no molhado
Ora,
se a Europa está de rastos, é uma sombra do que era, e o que sobra das ruínas é
uma tendência para limitar as democracias nacionais a favor de soluções
impostas pelos grandes países, em particular a Alemanha, no resto do mundo
aproxima-se a tempestade perfeita. Se olharmos para os EUA sob a
presidência autocrática de Trump, assistimos ao declínio da democracia
americana, com enormes repercussões em todo o mundo, favorecendo regimes como a
Rússia de Putin e a China comunista, ambas beneficiando da política
isolacionista dos EUA e do carácter caótico e errático da sua política externa. Mesmo esta descrição é eufemística, à
medida do que vamos sabendo, por exemplo, sobre a Ucrânia e a utilização de
chantagem sobre um país fragilizado pelo seu conflito com a Rússia, para obter
não só informações, mas procedimentos judiciais contra o seu adversário principal,
Biden. O
narcisismo patológico de Trump, as suas obsessões de grandeza são a fractura
que países como a Arábia Saudita têm usado com sucesso para prosseguir uma
política contra o xiismo, tendo como alvo o Irão. Essa política entronca com o
radicalismo sionista de Netanyahu e
ameaça levar a uma guerra no Golfo Pérsico, com
países dotados de armamento sofisticado e exércitos numerosos e que podem
causar enormes danos à economia mundial.
O
mesmo Trump que é alegremente toureado pelo ditador da Coreia do Norte
permanece silencioso sobre Hong Kong mesmo em plena guerra de tarifas com os
chineses, e em tudo o que toca deixa o rasto da sua vaidade e incompetência,
agravando todos os conflitos que já existiam. Já nem vale a pena perguntar como
é que isto aconteceu e como o mundo pode estar à mercê de um psicopata, porque
a verdade é que já aconteceu.
Os
nossos candidatos a primeiro-ministro e os partidos que os apoiam têm opiniões sobre o que se passa para além da nossa frágil fronteira? Logo aqui ao lado, o que vão dizer e fazer quando
o Estado espanhol mandar os presos políticos catalães para longas penas de
cadeia? E que opiniões têm sobre os planos de Boris Johnson para
negociar o “Brexit”? Ou como vão
tratar gente como Bolsonaro? Isto num país que parece que só conhece
um ditador no mundo, o obscuro Obiang da Guiné Equatorial. Ou como vamos
responder às tarifas de Trump de produtos da União Europeia? Também vamos impor
tarifas? Convém lembrar que em muitas destas matérias Portugal tem um voto na
União. Não deveríamos saber como ele vai ser usado?
O
problema das paróquias não é quem lá vive, é quem lhe define as fronteiras, a
identidade e a dignidade. A Dinamarca também é pequena, mas mandou Trump passear na sua
proposta “absurda” de comprar a Gronelândia. Sem hesitações.
COMENTÁRIOS
Jonas Almeida, 05.10.2019: Mais uma pedrada neste charco cada vez mais estagnado.
Portugal é um protectorado a virar colónia e as colónias não só não tem nem
política monetária, nem económica, nem outra voz se não a dos seus donos em
Bruxelas, como de facto implementam ferozmente a tal censura que JPP descreve
escondida por detrás do "consenso europeu". A
Dinamarca é de facto um excelente exemplo:
faz referendos, num deles recusou o euro, e só entrou na UE com 4 opt-outs - o
da moeda, o da obediência a tribunais europeus, o de ideias de "cidadania
europeia", e o de participar em acordos de defesa exclusivamente da UE.
Antes que venham os insultos do costume dêem um salto à página do governo
dinamarquez googlando o título "The Danish opt-outs from EU
cooperation".
TM, 05.10.2019 Essas
suas mentiras sobre a DInamarca ja aqui foram desmacaradas Jonas! Nao
precisamos de insultos, voce insulta-se a si mesmo com os disparates e as
mentiras que escreve nao é? Gosta mesmo de ser ignorante! A Dinamarca tem de
obedecer aos Tribunais Europeus SIM! A Dinamarca nao tem o Euro mas a sua moeda
é indexada ao Euro, o que na pratica implica que tem de seguir a politica do
BCE. A nivel da defesa, a DInamarca entrou no recente acordo de Defesa e
Cidadania Europeia é apenas uma etiqueta nada mais!
Jose, 05.10.2019: Completamente de acordo Caro Jonas Almeida. É
deprimente a quase generalizada resignação à condição de protectorado a que
Portugal foi reduzido pelas decisões pessoais de meia dúzia de iluminados
traidores: Mário Soares, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Passos
Coelho, Paulo Portas e António José Seguro. Todos, sem mandato, firmaram, sem
condições, acordos de abdicação da soberania nacional a favor de uma abstracção
sem identidade, com poder fáctico filiado no sistema financeiro internacional e
sua volatilidade. Quem está rendido sem o admitir nem questionar a dimensão da
sua rendição não tem absolutamente nada para debater numa campanha que se
destina a eleger quem vai "legitimar" o próximo
"Vasconcelos". Uma cegueira perigosa e vergonhosa!
rafael.guerra.www, 05.10.2019: O único protectorado que o traidor aprecia é o dos EUA,
já sabemos. Fique bem com o tio Trump e com os abutres de Walll Street.
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer
coisa de verdade, 05.10.2019: Daqui
a 100 anos continuaremos nesta ladainha de atribuir os males desta paróquia ao
salazarismo. A verdade nua e crua é que os portugueses vivem nesta vidinha
isolacionista e triste desde sempre. Andamos neste registo há 900 anos. Somos
um povo macambúzio e resignado à sua sorte. É o nosso fado.
Nuno Silva, 05.10.2019: A malta do resto do mundo só lá vai com o
exemplo, como em tudo na vida, Sr. Dr. Pacheco...
José Manuel
Martins: o 'ambiente', ali arrefecido num canto da listagem, não
é uma 'questão internacional', mas supra-internacional. Claro que se engancha
com o resto dos fenómenos da antropopolitosfera, como efeito e como causa, mas
reside além-humanidade, como um seu limite entitativo. Quanto ao fenómeno
português, eu chamar-lhe-ia o PSCLT, o pequeno-salazarismo consensual
lusitano tácito (por que triunfou salazar? porque o país era salazarista sem o
saber; e continua a ser, e continua sem o saber. O novo
salazarismo-benfiquismo chama-se ps) A internacionalidade da questão chinesa
entre nós chama-se, essa, EDP (com 50% de produção sobre o carbono). De
resto (prodigioso raciocínio!), se tivéssemos uma Gronelândia também
mandaríamos os marcianos aterrar em Vénus.
agany: Não chorem lágrimas de crocodilo pela Ucrânia. Foi a Europa que
estendeu o tapete... A guerra Arábia (sunitas)-Irão(xiitas) são velhas contas
do passado com motivação geopolítica e religiosa ou vice-versa. O JPP já se
interrogou, por acaso, o que o "universo sunita", composto por mais
de mil milhões de pessoas, pensa, ou sente, sobre esta guerra?
rafael.guerra.www: O provincianismo político é um mal na maioria dos países. Uma
questão essencial, depois da razia que sofremos após a última crise financeira
americana das subprimes, é como a UE e os países do sul vão fazer face à
próxima que se anuncia. Daí a importância de ter excelentes representantes em
Bruxelas e na BCE, capazes de articular com os governos nacionais e defender em
bloco a UE. Pacheco Pereira não foi com panos quentes quando escreveu
que: "Trump é alegremente toureado pelo ditador da Coreia do
Norte"... Pelo menos há um que aprecia as faenas infligidas.
Manuel
Pessoa: Concordo que há deficit de
discussão de questões internacionais, nomeadamente mas não só, de cariz
politico. Mas Pacheco Pereira não teria, aqui e noutros palcos a que acede,
uma oportunidade de, em vez de fazer um enunciado dessas questões, por natureza
incompleto e em constante alteração, tratar com a profundidade que merece uma
ou duas delas. Quem sabe se esse método não conduziria a colocar alguns
assuntos na ordem do dia nacional.
Marina
Palhavã Reino: Obrigado JPP
Luis Morgado: É verdade o que escreve Pacheco Pereira. Mas a falta de debate a
esse nível não será porque por um lado acabamos por estar alinhados com aquilo
que são as posições da Europa e por outro lado porque o PS, o PSD e o CDS estão
de acordo com uma atitude pragmática nas relações externas, aceitando que é
mais importante mantermos boas relações com os outros países (especialmente com
os mais fortes) do que levantar problemas, como o dos direitos humanos na
China, em Angola e noutras paragens? Acresce que falar de política externa
seria obrigar o PCP e o Bloco a manifestar visões que estão nos antípodas
daquilo que é a visão do PS.
António O
autor sabe bem porque tal atenção às questões externas não existe em Portugal.
Ele próprio contribui para isso, como é sugerido noutros comentários, pela
escolha dos temas das suas crónicas aqui, também pouco dadas a questões
internacionais. Mas o propósito deste artigo parece ser outro. Em dia de
reflexão eleitoral consegue mesmo assim puxar um assunto que “puxa a brasa à
sua sardinha”: as relações internacionais sublinham a vulnerabilidade do país e
com isso sugerem-se receios e temores que fazem o jogo de atitudes mais
conservadoras... Pensar que isso não foi premeditado seria talvez fazer do
autor aquilo que ele não é.
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