domingo, 6 de outubro de 2019

Mas já ultrapassámos as “saias de Elvira”


JPP, não lembra Fradique, que era um diletante viajado e sortudo, autor das Lapidárias, poemas de grande impacto naqueles tempos de Coimbra, admirado por Eça para, por contraste, condenar o nosso lirismo romântico - «Lirismo íntimo», que, «enclausurado nas duas polegadas do coração», não compreendia “dentre todos os rumores do Universo senão o rumor das saias de Elvira», segundo o traçado desdenhoso de Eça. Não, JPP não se coloca na posição nem de admirador de Fradique, nem mesmo na do Fradique alegremente fútil, porque JPP, além de pessoa séria, se admira essencialmente a si próprio e o seu escárnio sério – pretendendo ser racional e construtivo – reserva-o para o público que não há meio de elevar intelectualmente como desejaria, ao demonstrá-lo semanalmente no seu debate da circulatura do quadrado. Todavia, em termos de provincianismo – este, malandro ou suspiroso - já ultrapassámos o tal rumor de saias, agora mais esbatido pela generalização das calças femininas, menos rumorejantes – conquanto de ruído alargado às fofocas sociais que por vezes os comentários da escabrosidade mediática demonstram serem igualmente incompatíveis com as mentalidades que PP deseja menos “provinciana”, a escabrosidade profundamente alargada ao foro urbano.

Não, nem os candidatos nem os partidos ultrapassam as questões intestinas nos seus debates. Mas virtuosamente reservam as “saias de Elvira” para as fofocas revisteiras. Agora o que está a dar são os incêndios, os veganismos, os direitos sociais, as corrupções que não param… A televisão ensina muito, mas sobretudo aquilo que nos toca intimamente. Desde que não nos vá faltando o que a Europa camaradamente nos fornece… Já todos estamos informados a respeito do sentido de democracia, graças a Deus, que é o que mais conta - a reivindicação livre que  Tino de Rans tão gostosamente exponencia.

A mentalidade provinciana
Os nossos candidatos a primeiro-ministro e os partidos que os apoiam têm opiniões sobre o que se passa para além da nossa frágil fronteira?
PÚBLICO, 5 de Outubro de 2019
A completa ausência de debates, discussões, posições sobre matérias internacionais na campanha eleitoral revela o carácter paroquial da nossa política. Revela também uma profunda inconsciência sobre o que se está a passar no mundo, que pode alterar todos os nossos planos e projectos nacionais de um dia para o outro. Por fim, revela uma coisa ainda pior – a interiorização da completa impotência nacional para ter uma política externa que corresponda ao interesse nacional e aos interesses comuns que partilhamos com os nossos aliados.
Este desinteresse é acompanhado pela comunicação social, que, salvo raríssimas excepções, acha que falar destas coisas não interessa a ninguém, deita abaixo as audiências ou, pior ainda, sugere que é como dar pérolas a porcos, pela ignorância dos portugueses sobre a política internacional. É um círculo vicioso que se agrava cada vez mais e se torna mais preocupante, porque a situação internacional é cada dia mais perigosa.
O desprezo pelas questões internacionais tem duas faces e uma natureza diferente em cada uma, embora haja elementos comuns. As duas faces são a Europa e o mundo, a política nacional e comum na União Europeia e a política externa propriamente dita face aos grandes problemas globais, o independentismo catalão, a guerra das tarifas, a presidência Trump, o crescendo do autoritarismo e a crise da democracia nos EUA, Brasil, Turquia, Filipinas, Hong Kong, as grandes linhas geoestratégicas face à Rússia, China, o Médio Oriente, o ambiente, os direitos humanos (ou a falta deles), as guerras e migrações, etc. Sobre tudo isto quase nada, como se pudéssemos continuar com a nossa vidinha sossegada, com o mundo a arder à nossa volta.
O caso da Europa é mais complexo, mais difícil de discutir, porque existe uma censura objectiva para impedir a sua discussão livre, devido ao peso do “consenso europeu” que inclui todos os partidos de governo, PS, PSD, CDS, e compromete no silêncio os partidos que têm alianças, como a “geringonça” – falam, discordam, mas são inconsequentes. O mesmo se passa com a atitude europeísta da maioria da comunicação social, que tende a proteger a “discussão” europeia de um verdadeiro escrutínio e a repetir afirmações sem fundamento. Veja-se o que se passou sobre a “importância” do pelouro da comissária portuguesa, e do bravado nacional sobre o seu papel crucial, para depois se descobrir a redução dos seus poderes, o corte dos seus fundos e a colocação sofrível no ranking dos comissários. Em tudo o que é secundário e ilusório somos os maiores, no que é mais importante, nem um pio. Nem vale a pena chover no molhado
Ora, se a Europa está de rastos, é uma sombra do que era, e o que sobra das ruínas é uma tendência para limitar as democracias nacionais a favor de soluções impostas pelos grandes países, em particular a Alemanha, no resto do mundo aproxima-se a tempestade perfeita. Se olharmos para os EUA sob a presidência autocrática de Trump, assistimos ao declínio da democracia americana, com enormes repercussões em todo o mundo, favorecendo regimes como a Rússia de Putin e a China comunista, ambas beneficiando da política isolacionista dos EUA e do carácter caótico e errático da sua política externa. Mesmo esta descrição é eufemística, à medida do que vamos sabendo, por exemplo, sobre a Ucrânia e a utilização de chantagem sobre um país fragilizado pelo seu conflito com a Rússia, para obter não só informações, mas procedimentos judiciais contra o seu adversário principal, Biden. O narcisismo patológico de Trump, as suas obsessões de grandeza são a fractura que países como a Arábia Saudita têm usado com sucesso para prosseguir uma política contra o xiismo, tendo como alvo o Irão. Essa política entronca com o radicalismo sionista de Netanyahu e ameaça levar a uma guerra no Golfo Pérsico, com países dotados de armamento sofisticado e exércitos numerosos e que podem causar enormes danos à economia mundial.
O mesmo Trump que é alegremente toureado pelo ditador da Coreia do Norte permanece silencioso sobre Hong Kong mesmo em plena guerra de tarifas com os chineses, e em tudo o que toca deixa o rasto da sua vaidade e incompetência, agravando todos os conflitos que já existiam. Já nem vale a pena perguntar como é que isto aconteceu e como o mundo pode estar à mercê de um psicopata, porque a verdade é que já aconteceu.
Os nossos candidatos a primeiro-ministro e os partidos que os apoiam têm opiniões sobre o que se passa para além da nossa frágil fronteira? Logo aqui ao lado, o que vão dizer e fazer quando o Estado espanhol mandar os presos políticos catalães para longas penas de cadeia? E que opiniões têm sobre os planos de Boris Johnson para negociar o “Brexit”? Ou como vão tratar gente como Bolsonaro? Isto num país que parece que só conhece um ditador no mundo, o obscuro Obiang da Guiné Equatorial. Ou como vamos responder às tarifas de Trump de produtos da União Europeia? Também vamos impor tarifas? Convém lembrar que em muitas destas matérias Portugal tem um voto na União. Não deveríamos saber como ele vai ser usado?
O problema das paróquias não é quem lá vive, é quem lhe define as fronteiras, a identidade e a dignidade. A Dinamarca também é pequena, mas mandou Trump passear na sua proposta “absurda” de comprar a Gronelândia. Sem hesitações.
COMENTÁRIOS
Jonas Almeida, 05.10.2019: Mais uma pedrada neste charco cada vez mais estagnado. Portugal é um protectorado a virar colónia e as colónias não só não tem nem política monetária, nem económica, nem outra voz se não a dos seus donos em Bruxelas, como de facto implementam ferozmente a tal censura que JPP descreve escondida por detrás do "consenso europeu". A Dinamarca é de facto um excelente exemplo: faz referendos, num deles recusou o euro, e só entrou na UE com 4 opt-outs - o da moeda, o da obediência a tribunais europeus, o de ideias de "cidadania europeia", e o de participar em acordos de defesa exclusivamente da UE. Antes que venham os insultos do costume dêem um salto à página do governo dinamarquez googlando o título "The Danish opt-outs from EU cooperation".
TM, 05.10.2019 Essas suas mentiras sobre a DInamarca ja aqui foram desmacaradas Jonas! Nao precisamos de insultos, voce insulta-se a si mesmo com os disparates e as mentiras que escreve nao é? Gosta mesmo de ser ignorante! A Dinamarca tem de obedecer aos Tribunais Europeus SIM! A Dinamarca nao tem o Euro mas a sua moeda é indexada ao Euro, o que na pratica implica que tem de seguir a politica do BCE. A nivel da defesa, a DInamarca entrou no recente acordo de Defesa e Cidadania Europeia é apenas uma etiqueta nada mais!
Jose, 05.10.2019: Completamente de acordo Caro Jonas Almeida. É deprimente a quase generalizada resignação à condição de protectorado a que Portugal foi reduzido pelas decisões pessoais de meia dúzia de iluminados traidores: Mário Soares, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Passos Coelho, Paulo Portas e António José Seguro. Todos, sem mandato, firmaram, sem condições, acordos de abdicação da soberania nacional a favor de uma abstracção sem identidade, com poder fáctico filiado no sistema financeiro internacional e sua volatilidade. Quem está rendido sem o admitir nem questionar a dimensão da sua rendição não tem absolutamente nada para debater numa campanha que se destina a eleger quem vai "legitimar" o próximo "Vasconcelos". Uma cegueira perigosa e vergonhosa!
rafael.guerra.www, 05.10.2019: O único protectorado que o traidor aprecia é o dos EUA, já sabemos. Fique bem com o tio Trump e com os abutres de Walll Street.
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade, 05.10.2019: Daqui a 100 anos continuaremos nesta ladainha de atribuir os males desta paróquia ao salazarismo. A verdade nua e crua é que os portugueses vivem nesta vidinha isolacionista e triste desde sempre. Andamos neste registo há 900 anos. Somos um povo macambúzio e resignado à sua sorte. É o nosso fado.
Nuno Silva, 05.10.2019: A malta do resto do mundo só lá vai com o exemplo, como em tudo na vida, Sr. Dr. Pacheco...
José Manuel Martins: o 'ambiente', ali arrefecido num canto da listagem, não é uma 'questão internacional', mas supra-internacional. Claro que se engancha com o resto dos fenómenos da antropopolitosfera, como efeito e como causa, mas reside além-humanidade, como um seu limite entitativo. Quanto ao fenómeno português, eu chamar-lhe-ia o PSCLT, o pequeno-salazarismo consensual lusitano tácito (por que triunfou salazar? porque o país era salazarista sem o saber; e continua a ser, e continua sem o saber. O novo salazarismo-benfiquismo chama-se ps) A internacionalidade da questão chinesa entre nós chama-se, essa, EDP (com 50% de produção sobre o carbono). De resto (prodigioso raciocínio!), se tivéssemos uma Gronelândia também mandaríamos os marcianos aterrar em Vénus.
agany: Não chorem lágrimas de crocodilo pela Ucrânia. Foi a Europa que estendeu o tapete... A guerra Arábia (sunitas)-Irão(xiitas) são velhas contas do passado com motivação geopolítica e religiosa ou vice-versa. O JPP já se interrogou, por acaso, o que o "universo sunita", composto por mais de mil milhões de pessoas, pensa, ou sente, sobre esta guerra?
rafael.guerra.www: O provincianismo político é um mal na maioria dos países. Uma questão essencial, depois da razia que sofremos após a última crise financeira americana das subprimes, é como a UE e os países do sul vão fazer face à próxima que se anuncia. Daí a importância de ter excelentes representantes em Bruxelas e na BCE, capazes de articular com os governos nacionais e defender em bloco a UE. Pacheco Pereira não foi com panos quentes quando escreveu que: "Trump é alegremente toureado pelo ditador da Coreia do Norte"... Pelo menos há um que aprecia as faenas infligidas.
Manuel Pessoa: Concordo que há deficit de discussão de questões internacionais, nomeadamente mas não só, de cariz politico. Mas Pacheco Pereira não teria, aqui e noutros palcos a que acede, uma oportunidade de, em vez de fazer um enunciado dessas questões, por natureza incompleto e em constante alteração, tratar com a profundidade que merece uma ou duas delas. Quem sabe se esse método não conduziria a colocar alguns assuntos na ordem do dia nacional.
Marina Palhavã Reino: Obrigado JPP
Luis Morgado: É verdade o que escreve Pacheco Pereira. Mas a falta de debate a esse nível não será porque por um lado acabamos por estar alinhados com aquilo que são as posições da Europa e por outro lado porque o PS, o PSD e o CDS estão de acordo com uma atitude pragmática nas relações externas, aceitando que é mais importante mantermos boas relações com os outros países (especialmente com os mais fortes) do que levantar problemas, como o dos direitos humanos na China, em Angola e noutras paragens? Acresce que falar de política externa seria obrigar o PCP e o Bloco a manifestar visões que estão nos antípodas daquilo que é a visão do PS.
António O autor sabe bem porque tal atenção às questões externas não existe em Portugal. Ele próprio contribui para isso, como é sugerido noutros comentários, pela escolha dos temas das suas crónicas aqui, também pouco dadas a questões internacionais. Mas o propósito deste artigo parece ser outro. Em dia de reflexão eleitoral consegue mesmo assim puxar um assunto que “puxa a brasa à sua sardinha”: as relações internacionais sublinham a vulnerabilidade do país e com isso sugerem-se receios e temores que fazem o jogo de atitudes mais conservadoras... Pensar que isso não foi premeditado seria talvez fazer do autor aquilo que ele não é.



Nenhum comentário: