Histórias do presente, do passado
próximo, do antigamente … Tudo o que somos e fomos, em síntese no Público de
27/9/2019, e nas evocações em torno de um Jardim
da Estrela, que também atravessei muitas vezes, quando ia à Editora Santelmo, do outro lado, em breve extinta, que
se atreveu a publicar-me “Cravos
Roxos” naquela altura – 1980 - de muita explosão libertária, desfavorecedora
de quaisquer intuitos contestatários. Um país que prosseguiu, com muitos casos
e muitas figuras da nossa tragicomédia, trazidos à baila por João Miguel
Tavares, as mais recentes, por Francisco
Teixeira da Mota, as mais antigas, (em referência literária), e uma
conversa social, contada por Salles da Fonseca, trazendo o histórico de um Jardim, sem
nada a ver com o histórico de um filme gracioso e romanesco, que tantas vezes
víamos, com o encanto de quem pouco frequentava o cinema, e se deixava enlevar
pela beleza e a graça dos filmes portugueses dos primórdios. E a picardia
habitual de SF, nos seus
remoques de economista, na trivialidade de um encontro evocativo, lembrando
tempos que foram, no sentimento triste da mudança…
I -A campanha está chata. O que é óptimo. E
péssimo
Tenho a triste sensação de que nada do
que é realmente importante tem sido discutido (vamos ser optimistas: até agora)
nesta campanha eleitoral, nem mesmo quando as coisas realmente importantes vêm
esbarrar com ela.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Setembro de 2019
Que
tal está a correr a campanha eleitoral até ao momento? De forma extremamente
civilizada – o que seria uma coisa extremamente aborrecida de se dizer, não
fosse vivermos num planeta político onde a gritaria impera. Muito em breve,
iremos votar em candidatos que falam com bons modos e dispensam energizar as
bases com declarações desvairadas. Eis um facto que não pode ser menorizado,
por mais que me custe.
E
porque é que custa? Porque a modorra política nacional também não é solução
para coisa alguma. Sim, é óptimo não termos Donald Trump em São Bento; sim,
é excelente que o maior admirador de Jair Bolsonaro não passe de André Ventura;
sim, é magnífico que a extrema-esquerda tenha passado a ser social-democrata;
sim, é extraordinário que o líder do Partido Comunista seja um avozinho a quem
apetece dar abraços. Tudo isto é supimpa e mereceria celebração efusiva, não
fosse o reverso da medalha ser uma profunda falta de debate e de reflexão sobre
os problemas mais graves do país.
Tenho
a triste sensação de que nada do que é realmente importante tem sido discutido
(vamos ser optimistas: até agora) nesta campanha eleitoral, nem mesmo quando as
coisas realmente importantes vêm esbarrar com ela. Apenas dois exemplos: o caso das golas e o caso de Tancos. O caso das golas veio
denunciar aquilo que são estruturas de corrupção instaladas no Estado,
envolvendo empresas amigas e o mundo autárquico, com as suas ligações ao
governo central. O que disse Rui Rio sobre isso? “Não seria
ajustado chamar o caso das golas à campanha.”
O caso de Tancos denuncia as fragilidades institucionais de um Estado
depauperado e incompetente, em que qualquer pilha-galinhas consegue roubar
material de guerra e negociar a sua entrega, perante a total ausência de
sentido de Estado por parte de altos funcionários civis e militares. O que disse Catarina Martins sobre isso? “Não ajuda
a ninguém que o caso Tancos seja usado na campanha.”
Não
ajuda a ninguém? Peço desculpa, a mim ajudava. Os políticos da colheita 2019
são tão pachorrentos e delicados que fogem a qualquer polémica que vá além de números do INE, seja por acharem que os
eleitores não gostam de confusão, seja porque temem os seus próprios telhados
de vidro. É uma triste forma de embalar o país, que nunca chega a acordar para
falar dos seus problemas mais fundos e mais graves. Se nem em campanha
eleitoral há vontade de falar do que mais importa, quando é que vai haver? Esta
é fácil: nunca.
II - OPINIÃO: A corrupção em Portugal de A a Z
O livro Corrupção – Breve história de um crime que
nunca existiu, do jornalista Eduardo Dâmaso, dá-nos uma radiografia que chega a
ser dolorosa.
FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA
FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA
PÚBLICO, 27 de
Setembro de 2019
Esta
citação do recém-publicado livro Corrupção – Breve história de um crime
que nunca existiu, do
jornalista Eduardo Dâmaso, introduz-nos à fantástica história
(jornalística) dos últimos 40 anos de Portugal no campo da corrupção,
terminando com um Glossário dos casos que foram abalando o regime que tem como
primeira entrada “Aviões Airbus”,
a que se segue “BPN” e termina
com “Portucale”, sendo a
penúltima entrada “Operação Furacão”.
A
descrição da forma como, ao longo das já quatro décadas do regime democrático, o combate (ou a falta dele) à
corrupção evoluiu, o poder político, partidário e económico se foi
relacionando com o mundo da Justiça e as investigações criminais foram vingando
ou, sobretudo, soçobrando, é recheada de nomes, casos e exemplos que vale a
pena recordar. Para o autor do livro, são cinco as “expressões mágicas” para
compreender a corrupção no nosso país: “fundos comunitários,
perdões fiscais, facturas falsas, obras públicas e prescrições judiciais”. É certo que é uma radiografia, às vezes, dolorosa: “(Durante
três décadas) funcionava assim: faziam-se buscas para recolher informação, a
documentação amontoava-se e os processos ficavam parados, por vezes uma década,
na fase da investigação, acabando por prescrever. A Polícia Judiciária e
o Ministério Público não dispunham de meios técnicos nem humanos, nem de leis
apropriadas, e limitavam-se a desenvolver uma linha de investigação
arqueológica, uma autópsia judicial.”
O
livro enquadra, com pormenores, as grandezas e misérias de todos os nossos
casos investigados e mediatizados de corrupção e das suas ligações com a
política das últimas décadas: “O comportamento político de Portas na negociação dos submarinos é fortemente criticado no despacho de arquivamento do Ministério Público.
Nomeadamente, a questão do preço, que, tendo sido decidido em Conselho de
Ministros, não era final. E que, não sendo final, tinha o tal mecanismo
contratual que previa uma actualização diária”; ou “No
processo Face Oculta,
ficou igualmente bem vincada para a história a já referida omissão da Justiça
aos níveis mais elevados. Uma omissão que tem a assinatura do então
procurador-geral da República, Pinto Monteiro, do presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento. Pelo punho destes dois magistrados foi
impedida, pura e simplesmente, a investigação do negócio PT/TVI, pelo qual passava a
compra da TVI e o controlo da esmagadora maioria dos títulos da imprensa português.
Sócrates queria ter tudo na mão”.
Os
capítulos e as histórias aí narradas, algumas bem recentes, sucedem-se ao longo
das 342 páginas: “O BPN foi, também, o primeiro símbolo trágico da
incapacidade de o Banco de Portugal de fazer uma verdadeira supervisão bancária
que, pela fiscalização preventiva, evitasse desastres maiores, como os que vieram a verificar-se mais tarde com o BES
e quase todo o sistema financeiro”; ou, mais à frente, “quando Joe Berardo vai a uma comissão de inquérito do Parlamento gozar
com os deputados e dizer que não tem dívidas (...), isso não é um episódio
caricato. Berardo sabe que pode dizer o que quiser. O seu seguro de
vida está nos segredos na cumplicidade, no que conhece sobre todos os outros –
políticos, banqueiros, empresários – com quem partilhou a estratégia de ataque
à Cimpor, à PT e, em particular, ao BCP, que deu início ao maior ciclo de
politização da banca portuguesa de sempre, entre 2005 e 2011. Isso chama-se o
poder da chantagem”.
Por
último, nesta obra, cuja leitura naturalmente se recomenda, a aversão dos
portugueses às maiorias absolutas encontra aqui uma explicação simples: “As
maiorias absolutas de Cavaco
Silva e de José Sócrates
(...) são mesmo casos brutais, no que comportam de evidência sobre formas
delinquentes de gestão do poder político.”
III - JARDIM DA
ESTRELA – 1
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO30.09.19
A cena passa-se numa das esplanadas do Jardim da Estrela, em Lisboa, onde
eu estava com a minha mulher. Lanchávamos…
Isabel – Olá Henrique! Gosto muito de
te ver ao fim de tantos anos.
Eu –Olá Isabel! Também gosto
muito de te ver. Apresento-te a minha mulher, a Graça. E a si, Graça,
apresento-lhe a minha antiga colega de Liceu, a Isabel que era conhecida por
«Isabel II» já que havia outra que era mais alta e era conhecida por «Isabel I».
Senta-te aqui connosco. Que vais tomar?
Isabel, doravante a II – Posso tomar um café.
Graça – Só
um café? Mande vir mais alguma coisa, uma torrada, um bolo…
Isabel II –
Muito obrigada, Graça, mas fico-me só pelo café que é para que a balança não se
queixe muito.
Pedido o café, expliquei à Graça…
Eu – A «Isabel II» também é
economista. A «I» não acabou o curso; e Você conhece-a porque ela é sua
prima.
Graça – Ah,
sim! Pela descrição, Liceu, alta e prima, já sei perfeitamente de quem se
trata.
Isabel II –
E foi a outra Isabel que vos apresentou, sendo sua prima?
Graça – Não, até já estávamos casados
quando descobrimos que o Henrique a conhecia do Liceu.
Eu – E
tu costumas vir aqui ao Jardim da Estrela?
Isabel II – Muito raramente. Só passo por
aqui quando venho a casa duma amiga que mora ali daquele lado e quando
estaciono o carro do lado contrário do Jardim. Assim, atravesso por aqui, faço
um pouco de horas para chegar a casa da minha amiga e sempre é um bom pretexto
para ver duas coisas que acho lindíssimas: o coreto e aquele antigo pavilhão de
chá que agora é um infantário da Misericórdia.
Graça – Sim, também gosto muito dessas construções.
Não sabia que o pavilhão tinha sido casa de chá.
Isabel II – Foi
o que me disseram mas eu não fui verificar. Na Internet deve haver informação.
Chegando a casa vou procurar.
Eu – Eu ouvi dizer ou li algures que era o chamado
«pavilhão chinês». O que é que isso queria dizer…? Admito perfeitamente que
fosse um salão de chá. E lembram-se do «Leão da Estrela»?
Graça – Isso foi um filme com o António Silva…
Isabel II - … e com o Vasco Santana…
Eu – Sim, também. Mas o que deu o nome ao filme foi
uma história que li há pouco tempo sobre um tal Paiva Raposo
que terá tido alguma actividade na exploração africana e que trouxe um leão
que ofereceu ao Jardim. Tudo isto se passou em pleno séc. XIX e eu julgo
que ainda não existia o «Jardim Zoológico de Lisboa». Então, este leão era uma
enorme atracção e assim foi desde que aqui chegou até que se finou. Não
consegui saber se morreu de velho, de gordo ou de neura. Pobre bicho –
enjaulado toda a vida e vítima dos votos de celibato que alguém fez por ele…
Graça – Está então visto que o nome
do filme nada tinha a ver com esse leão e devia ser um sportinguista que morava
por aqui, na Estrela….
Isabel II - …
e que queria ir ao Porto ver um jogo. Já não sei mais nada da história a não
ser que o motorista era o Artur Agostinho…
Eu – Quando éramos
miúdos, achávamos esses filmes muito maus, só gostávamos dos estrangeiros mas
hoje achamos tudo isso muito giro. E outra coisa que li há dias foi que um
Visconde qualquer que deu quatro Contos para os acabamentos deste jardim, foi
promovido a Conde pela Rainha D. Maria II.
Isabel II – Quatro
Contos para acabar o jardim e com direito a promoção a Conde. Fantástico! O que
é o valor do dinheiro…
Eu – Isabel: sobre essa matéria sabes tanto ou
mais do que eu. Que políticas monetárias foram seguidas desde o tempo de D.
Maria II? E os Orçamentos do Estado? Havía-os a sério ou à força da espadeirada?
Quantas vezes foi a Fazenda à glória desde essa época, quantas «troikas»
tivemos?
Isabel II –
Julgo que qualquer historiador económico, no fim do trabalho, terá que passar
por um psicólogo ou mesmo por um psiquiatra que o reponha com alguma
normalidade. Felizmente, não foi a isso que me dediquei;
andei pela Cooperação. Mas agora, meus queridos, são horas de ir andando.
Feitas as despedidas, ficámos os dois a ouvir
a passarada a regressar aos ninhos, antes do pôr do Sol. Posto este, pagámos a
conta por muito mais dinheiro que o necessário para acabar o jardim no tempo da
Rainha e não fomos promovidos a Condes.
Setembro
de 2019
COMENTÁRIO:
Adriano Lima 30.09.2019: Li este
diálogo com muito gosto. Assim como quem não quer a coisa, aflorou aspectos
curiosos das vivências pessoais e até deu uma bicada na história.
Deixei de passar pelo Jardim da Estrela desde que desactivaram o Hospital Militar Principal que funcionava naquele vetusto edifício.
Deixei de passar pelo Jardim da Estrela desde que desactivaram o Hospital Militar Principal que funcionava naquele vetusto edifício.
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