terça-feira, 1 de outubro de 2019

Três tristes textos



Histórias do presente, do passado próximo, do antigamente … Tudo o que somos e fomos, em síntese no Público de 27/9/2019, e nas evocações em torno de um Jardim da Estrela, que também atravessei muitas vezes, quando ia à Editora Santelmo, do outro lado, em breve extinta, que se atreveu a publicar-me “Cravos Roxos” naquela altura – 1980 - de muita explosão libertária, desfavorecedora de quaisquer intuitos contestatários. Um país que prosseguiu, com muitos casos e muitas figuras da nossa tragicomédia, trazidos à baila por João Miguel Tavares, as mais recentes, por Francisco Teixeira da Mota, as mais antigas, (em referência literária), e uma conversa social, contada por Salles da Fonseca, trazendo o histórico de um Jardim, sem nada a ver com o histórico de um filme gracioso e romanesco, que tantas vezes víamos, com o encanto de quem pouco frequentava o cinema, e se deixava enlevar pela beleza e a graça dos filmes portugueses dos primórdios. E a picardia habitual de SF, nos seus remoques de economista, na trivialidade de um encontro evocativo, lembrando tempos que foram, no sentimento triste da mudança…

I -A campanha está chata. O que é óptimo. E péssimo
Tenho a triste sensação de que nada do que é realmente importante tem sido discutido (vamos ser optimistas: até agora) nesta campanha eleitoral, nem mesmo quando as coisas realmente importantes vêm esbarrar com ela.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Setembro de 2019
Que tal está a correr a campanha eleitoral até ao momento? De forma extremamente civilizada – o que seria uma coisa extremamente aborrecida de se dizer, não fosse vivermos num planeta político onde a gritaria impera. Muito em breve, iremos votar em candidatos que falam com bons modos e dispensam energizar as bases com declarações desvairadas. Eis um facto que não pode ser menorizado, por mais que me custe.
E porque é que custa? Porque a modorra política nacional também não é solução para coisa alguma. Sim, é óptimo não termos Donald Trump em São Bento; sim, é excelente que o maior admirador de Jair Bolsonaro não passe de André Ventura; sim, é magnífico que a extrema-esquerda tenha passado a ser social-democrata; sim, é extraordinário que o líder do Partido Comunista seja um avozinho a quem apetece dar abraços. Tudo isto é supimpa e mereceria celebração efusiva, não fosse o reverso da medalha ser uma profunda falta de debate e de reflexão sobre os problemas mais graves do país.
Tenho a triste sensação de que nada do que é realmente importante tem sido discutido (vamos ser optimistas: até agora) nesta campanha eleitoral, nem mesmo quando as coisas realmente importantes vêm esbarrar com ela. Apenas dois exemplos: o caso das golas e o caso de Tancos. O caso das golas veio denunciar aquilo que são estruturas de corrupção instaladas no Estado, envolvendo empresas amigas e o mundo autárquico, com as suas ligações ao governo central. O que disse Rui Rio sobre isso? “Não seria ajustado chamar o caso das golas à campanha.” O caso de Tancos denuncia as fragilidades institucionais de um Estado depauperado e incompetente, em que qualquer pilha-galinhas consegue roubar material de guerra e negociar a sua entrega, perante a total ausência de sentido de Estado por parte de altos funcionários civis e militares. O que disse Catarina Martins sobre isso? “Não ajuda a ninguém que o caso Tancos seja usado na campanha.”
Não ajuda a ninguém? Peço desculpa, a mim ajudava. Os políticos da colheita 2019 são tão pachorrentos e delicados que fogem a qualquer polémica que vá além de números do INE, seja por acharem que os eleitores não gostam de confusão, seja porque temem os seus próprios telhados de vidro. É uma triste forma de embalar o país, que nunca chega a acordar para falar dos seus problemas mais fundos e mais graves. Se nem em campanha eleitoral há vontade de falar do que mais importa, quando é que vai haver? Esta é fácil: nunca.

II - OPINIÃO: A corrupção em Portugal de A a Z
O livro Corrupção – Breve história de um crime que nunca existiu, do jornalista Eduardo Dâmaso, dá-nos uma radiografia que chega a ser dolorosa.
FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA
PÚBLICO, 27 de Setembro de 2019
Esta citação do recém-publicado livro Corrupção – Breve história de um crime que nunca existiu, do jornalista Eduardo Dâmaso, introduz-nos à fantástica história (jornalística) dos últimos 40 anos de Portugal no campo da corrupção, terminando com um Glossário dos casos que foram abalando o regime que tem como primeira entrada “Aviões Airbus”, a que se segue “BPN” e termina com “Portucale”, sendo a penúltima entrada “Operação Furacão”.
A descrição da forma como, ao longo das já quatro décadas do regime democrático, o combate (ou a falta dele) à corrupção evoluiu, o poder político, partidário e económico se foi relacionando com o mundo da Justiça e as investigações criminais foram vingando ou, sobretudo, soçobrando, é recheada de nomes, casos e exemplos que vale a pena recordar. Para o autor do livro, são cinco as “expressões mágicas” para compreender a corrupção no nosso país: “fundos comunitários, perdões fiscais, facturas falsas, obras públicas e prescrições judiciais”. É certo que é uma radiografia, às vezes, dolorosa: “(Durante três décadas) funcionava assim: faziam-se buscas para recolher informação, a documentação amontoava-se e os processos ficavam parados, por vezes uma década, na fase da investigação, acabando por prescrever. A Polícia Judiciária e o Ministério Público não dispunham de meios técnicos nem humanos, nem de leis apropriadas, e limitavam-se a desenvolver uma linha de investigação arqueológica, uma autópsia judicial.”
O livro enquadra, com pormenores, as grandezas e misérias de todos os nossos casos investigados e mediatizados de corrupção e das suas ligações com a política das últimas décadas: “O comportamento político de Portas na negociação dos submarinos é fortemente criticado no despacho de arquivamento do Ministério Público. Nomeadamente, a questão do preço, que, tendo sido decidido em Conselho de Ministros, não era final. E que, não sendo final, tinha o tal mecanismo contratual que previa uma actualização diária”; ou “No processo Face Oculta, ficou igualmente bem vincada para a história a já referida omissão da Justiça aos níveis mais elevados. Uma omissão que tem a assinatura do então procurador-geral da República, Pinto Monteiro, do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento. Pelo punho destes dois magistrados foi impedida, pura e simplesmente, a investigação do negócio PT/TVI, pelo qual passava a compra da TVI e o controlo da esmagadora maioria dos títulos da imprensa português. Sócrates queria ter tudo na mão”.
Os capítulos e as histórias aí narradas, algumas bem recentes, sucedem-se ao longo das 342 páginas: “O BPN foi, também, o primeiro símbolo trágico da incapacidade de o Banco de Portugal de fazer uma verdadeira supervisão bancária que, pela fiscalização preventiva, evitasse desastres maiores, como os que vieram a verificar-se mais tarde com o BES e quase todo o sistema financeiro”; ou, mais à frente, “quando Joe Berardo vai a uma comissão de inquérito do Parlamento gozar com os deputados e dizer que não tem dívidas (...), isso não é um episódio caricato. Berardo sabe que pode dizer o que quiser. O seu seguro de vida está nos segredos na cumplicidade, no que conhece sobre todos os outros – políticos, banqueiros, empresários – com quem partilhou a estratégia de ataque à Cimpor, à PT e, em particular, ao BCP, que deu início ao maior ciclo de politização da banca portuguesa de sempre, entre 2005 e 2011. Isso chama-se o poder da chantagem”.
Por último, nesta obra, cuja leitura naturalmente se recomenda, a aversão dos portugueses às maiorias absolutas encontra aqui uma explicação simples: “As maiorias absolutas de Cavaco Silva e de José Sócrates (...) são mesmo casos brutais, no que comportam de evidência sobre formas delinquentes de gestão do poder político.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO30.09.19
A cena passa-se numa das esplanadas do Jardim da Estrela, em Lisboa, onde eu estava com a minha mulher. Lanchávamos…
Isabel – Olá Henrique! Gosto muito de te ver ao fim de tantos anos.
Eu Olá Isabel! Também gosto muito de te ver. Apresento-te a minha mulher, a Graça. E a si, Graça, apresento-lhe a minha antiga colega de Liceu, a Isabel que era conhecida por «Isabel II» já que havia outra que era mais alta e era conhecida por «Isabel I». Senta-te aqui connosco. Que vais tomar?
Isabel, doravante a II Posso tomar um café.
Graça – Só um café? Mande vir mais alguma coisa, uma torrada, um bolo…
Isabel II – Muito obrigada, Graça, mas fico-me só pelo café que é para que a balança não se queixe muito.
Pedido o café, expliquei à Graça…
Eu – A «Isabel II» também é economista. A «I» não acabou o curso; e Você conhece-a porque ela é sua prima.
Graça – Ah, sim! Pela descrição, Liceu, alta e prima, já sei perfeitamente de quem se trata.
Isabel II – E foi a outra Isabel que vos apresentou, sendo sua prima?
Graça   Não, até já estávamos casados quando descobrimos que o Henrique a conhecia do Liceu.
Eu – E tu costumas vir aqui ao Jardim da Estrela?
Isabel II Muito raramente. Só passo por aqui quando venho a casa duma amiga que mora ali daquele lado e quando estaciono o carro do lado contrário do Jardim. Assim, atravesso por aqui, faço um pouco de horas para chegar a casa da minha amiga e sempre é um bom pretexto para ver duas coisas que acho lindíssimas: o coreto e aquele antigo pavilhão de chá que agora é um infantário da Misericórdia.
Graça – Sim, também gosto muito dessas construções. Não sabia que o pavilhão tinha sido casa de chá.
Isabel II – Foi o que me disseram mas eu não fui verificar. Na Internet deve haver informação. Chegando a casa vou procurar.
Eu Eu ouvi dizer ou li algures que era o chamado «pavilhão chinês». O que é que isso queria dizer…? Admito perfeitamente que fosse um salão de chá. E lembram-se do «Leão da Estrela»?
Graça – Isso foi um filme com o António Silva…
Isabel II - … e com o Vasco Santana…
Eu Sim, também. Mas o que deu o nome ao filme foi uma história que li há pouco tempo sobre um tal Paiva Raposo que terá tido alguma actividade na exploração africana e que trouxe um leão que ofereceu ao Jardim. Tudo isto se passou em pleno séc. XIX e eu julgo que ainda não existia o «Jardim Zoológico de Lisboa». Então, este leão era uma enorme atracção e assim foi desde que aqui chegou até que se finou. Não consegui saber se morreu de velho, de gordo ou de neura. Pobre bicho – enjaulado toda a vida e vítima dos votos de celibato que alguém fez por ele…
Graça Está então visto que o nome do filme nada tinha a ver com esse leão e devia ser um sportinguista que morava por aqui, na Estrela….
Isabel II - … e que queria ir ao Porto ver um jogo. Já não sei mais nada da história a não ser que o motorista era o Artur Agostinho
Eu – Quando éramos miúdos, achávamos esses filmes muito maus, só gostávamos dos estrangeiros mas hoje achamos tudo isso muito giro. E outra coisa que li há dias foi que um Visconde qualquer que deu quatro Contos para os acabamentos deste jardim, foi promovido a Conde pela Rainha D. Maria II.
Isabel IIQuatro Contos para acabar o jardim e com direito a promoção a Conde. Fantástico! O que é o valor do dinheiro…
Eu – Isabel: sobre essa matéria sabes tanto ou mais do que eu. Que políticas monetárias foram seguidas desde o tempo de D. Maria II? E os Orçamentos do Estado? Havía-os a sério ou à força da espadeirada? Quantas vezes foi a Fazenda à glória desde essa época, quantas «troikas» tivemos?
Isabel II – Julgo que qualquer historiador económico, no fim do trabalho, terá que passar por um psicólogo ou mesmo por um psiquiatra que o reponha com alguma normalidade. Felizmente, não foi a isso que me dediquei; andei pela Cooperação. Mas agora, meus queridos, são horas de ir andando.
Feitas as despedidas, ficámos os dois a ouvir a passarada a regressar aos ninhos, antes do pôr do Sol. Posto este, pagámos a conta por muito mais dinheiro que o necessário para acabar o jardim no tempo da Rainha e não fomos promovidos a Condes.
Setembro de 2019
COMENTÁRIO:
Adriano Lima 30.09.2019: Li este diálogo com muito gosto. Assim como quem não quer a coisa, aflorou aspectos curiosos das vivências pessoais e até deu uma bicada na história.
Deixei de passar pelo Jardim da Estrela desde que desactivaram o Hospital Militar Principal que funcionava naquele vetusto edifício.

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