Ana Paula Lopes conta uma
história sua de doença, que comove e dá esperança. Doença terrível, quer física
quer psicologicamente, mas que afinal pode ser rebatida – com a dedicação dos
médicos, da família e amigos, e a força moral da coragem pessoal no agarrar-se
à vida. Uma história bem contada que lhe criará mais amigos a empurrá-la para a
vida. Como a todos os que igualmente são apanhados nas malhas traiçoeiras dessa
doença, e a quem o caso desta jovem bonita possa servir de exemplo.
CRÓNICA: O Adamastor entrou na minha vida sob a forma
de carcinoma
Comecei a trabalhar diariamente a forma
como reagia às coisas e, em tom de mantra
pessoal, repetia para mim que “Eu hoje
posso estar mal, mas sei que amanhã vou estar melhor”.
ANA PAULA LOPES PÚBLICO, 16 de Outubro de 2019
Foi num dia como outro qualquer – em
que o sol nasceu e se pôs no ponto cardeal esperado, em que a vida seguia o seu
fluxo habitual – que eu senti que algo de diferente se manifestava no meu
corpo. Ainda não sabia o que era, mas sentia que iria ser o início de uma
jornada que exigiria de mim uma redobrada capacidade de superação.
Eu
era a mesma mulher que no dia anterior, aparentemente saudável, mas naquela
noite, enquanto estava a tomar banho, detectei uma alteração no meu corpo que
me deixou em estado de alerta e com medo de ouvir o que não estava preparada
para aceitar.
Aliás, ninguém está preparado para receber um diagnóstico oncológico,
mas a verdade é que quando ele entra na nossa vida, podemos aceitar e
ultrapassar ou lutar contra essa nova realidade. Confesso
que tive tendência para me agarrar com todas as forças à minha vida anterior.
Aquela em que, com alguma ingenuidade, julgava ter todo o tempo do mundo para
cumprir os meus planos de vida. Mas essa noção oceânica da vida transformou-se,
inesperada e figurativamente falando, numa tempestade em alto mar.
O gigante Adamastor entrou na minha vida sob a forma de carcinoma
invasor com focos ductais in situ e metastização axilar, grau 3, receptores
hormonais e Her2 positivos, grau de proliferação superior a 75%.
Cumpri
o protocolo de oito ciclos de quimioterapia de três em três semanas. Um mês
após o seu término, entrei no bloco para a mastectomia radical modificada com
esvaziamento axilar, seguida de 25 sessões de radioterapia, dez meses de
anticorpo e o tratamento hormonal durante cinco anos (injecções mensais) e dez
anos (comprimidos diários), ainda a decorrer.
Não sei identificar o momento em que deixei de lutar contra a maré e
iniciei a minha cura emocional. Mas sei o que me fez querer mudar a minha postura
face ao problema, e prendeu-se com uma frase do médico que me disse que 50% de
uma resposta positiva dependia dos tratamentos e os restantes 50% dependiam de
mim.
Até ali eu sentia-me impotente, mas aquela frase devolveu-me a
possibilidade de voltar a ter controlo sobre a minha vida e capacitou-me da
força e da vontade de fazer cumprir os 50% que estavam na minha mão.
Comecei
a trabalhar diariamente a forma como reagia às coisas e, em tom de mantra
pessoal, repetia para mim que “Eu hoje posso estar mal, mas sei que amanhã vou
estar melhor”. Acompanhei
todos os ciclos de quimioterapia com reiki e ao longo de todo o
processo tive sempre a minha família e uma grande amiga do meu lado que, ainda
que não pudessem aliviar a dor, caminharam lado a lado não permitindo que este
fosse um percurso solitário.
Não existe uma fórmula mágica que nos
ensine a lidar com esta nova realidade e grande parte dos estudos incidem sobre
os efeitos visíveis, ficando de fora todos os efeitos emocionais e físicos que
não se traduzem em alterações visuais do corpo.
E são esses os aspectos sobre os
quais importa reflectir, pois são eles que ditam a qualidade de vida dos
pacientes, quer durante os tratamentos, quer após o término dos mesmos.
É urgente olhar para as condições
físicas e emocionais dos sobreviventes e arranjar mecanismos de reintegração
que passam por um aumento da consciencialização da sociedade face a essas
condições, e introduzir processos de reestruturação emocional que permitam
ultrapassar o stress pós-traumático do sobrevivente mas também do
cuidador.
Ninguém nos garante quanto tempo nos
resta para viver e é nosso dever celebrarmos os dias com a intensidade de uma
vida, mantendo sempre presente a importância da prevenção para a manutenção da
nossa saúde.
Arquitecta
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