segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Uma panóplia de conselhos.


Para boi dormir, talvez. Nunca é demais lembrá-los, mas… que importa a A. Costa o jeito paternalístico com que A. Barreto se desunha a lançar a sua colherada de xarope num governo engripado, mas habilmente prevenido com as mezinhas e os agasalhos necessários? Para mais, há muito que apanhou a vacina anti-gripal, e quem se trama são os que vivem na borrasca dos vendavais.
OPINIÃO: Bom dia, Governo novo!
Para o Governo novo, quase igual ao velho, não se sabe ainda o que António Costa nos reserva. Não é possível continuar a tratar só da duração e da estabilidade, pois nada será como dantes.
ANTÓNIO BARRETO    PÚBLICO, 20 de Outubro de 2019
O novo Governo merece votos de boa sorte. Se as coisas correrem bem para ele, é provável que também corram bem para nós. Nem sempre é assim, já vimos governos fazer o que deve ser feito e ninguém lhes agradecer. E também já vimos os que não fizeram o que deviam ter feito e, mesmo assim, foram recompensados com votos ou benevolência. Os povos são ingratos e os governos também.
O Governo velho, o que agora acaba, orientou-se, com sorte e habilidade, por princípios simples: a capacidade de negociação, a estabilidade e a duração. Conseguiu. Também adoptou ideias e valores de enorme simplicidade: ter as contas certas, manter uma firme política de contenção financeira, devolver e distribuir rendimentos. Deu resultados. Achou por bem seguir a onda e os ventos europeus, sem invenções nem projectos esquisitos. Teve êxito.
Para o Governo novo, quase igual ao velho, não se sabe ainda o que António Costa nos reserva. Não é possível continuar a tratar só da duração e da estabilidade, pois nada será como dantes. É pena, aliás, que o primeiro-ministro não tenha querido estabelecer uma qualquer base sólida (acordo, contrato, aliança ou coligação…) para o Governo e a legislatura. Teria assim podido ocupar-se mais do conteúdo e dos objectivos e menos das habilidades e dos adjectivos. É possível que, no discurso de posse, na primeira ida ao Parlamento e noutra qualquer oportunidade, ele nos revele finalmente o sentido principal que pretende dar ao seu Governo e ao seu mandato. Talvez tenhamos, como é costume, uma enumeração de prioridades, às dúzias, incapazes de definir uma ideia ou um destino. Mas não parece provável que apenas deseje repetir o primeiro acto, devolver, ceder e negociar, com um único objectivo, o de durar. Na verdade, os seus adversários e os seus amigos aprenderam, à sua custa, que esse estilo lhes é desfavorável.
Com a Catalunha à vista e o Reino Unido fora dela, com as ameaças nacionalistas conhecidas, com a crise da imigração sem sinais de abrandamento e com a altíssima tensão no Próximo Oriente, era excelente que o Governo novo, mesmo com primeiro-ministro velho, consiga ou queira redefinir um caminho. Não se trata de metafísica romântica, mas tão só de uma exigência clássica para a melhor política: dar um sentido ao Governo.
Todos sabem que as necessidades comandam boa parte da política. Assim é e assim será. A dívida continua grande, melhora muito devagar. O investimento está baixo, mas conheceu algum progresso. O crescimento está a melhorar. O défice parece estar em boa situação. Seria bom que o Governo novo reforce estas políticas, mas mantê-las já seria avisado. O Governo sabe que tem de tratar do poder excessivo das potências e dos interesses que adquiriram grande parte da economia portuguesa. Como não é novidade ser inevitável alterar as leis laborais a fim de facilitar o crescimento. O Governo sabe isso, mas gostaria de adiar. Ou esperar que a simpatia internacional pela estabilidade e pelas contas certas fosse suficiente e não exigisse reformas dolorosas. Mas o Governo sabe que a tal não escapará.
Ainda no domínio das evidências, está a necessidade de olhar para os serviços públicos essenciais, mais ainda, de encontrar recursos enormes para acudir a uma situação de quase ruptura. O atendimento público e as relações entre cidadãos e Administração estão no ponto mais baixo de há muitos anos. O Serviço Nacional de Saúde, que o PS acusa de ter sido destruído pela direita e pela troika, mas que na verdade foi também miseravelmente mal gerido pela esquerda, está a precisar de cuidado intensivo.
Nada disto faz o essencial. Nada disto é muito mais difícil do que a gestão normal da nossa vida colectiva, que nunca é fácil e que tem sempre dificuldades. Acima de tudo, em cada momento, está o que faz a decência na vida e nas instituições de um país. Nas nossas condições de vida e nas actuais circunstâncias, a confiança nas instituições, o respeito da Administração pelos cidadãos e a protecção essencial dos nossos direitos e liberdades, constituem o sentido principal da acção pública das autoridades. E para que isso seja possível, uma palavra: Justiça!
O Governo tem agora o dever de olhar com redobrada atenção, com vontade superior e com energia renovada, para a justiça, com especial relevo para os aspectos que mais se evidenciaram negativamente nos últimos tempos. As regras processuais, fonte de desigualdade e despotismo. A chicana burocrática que destrói a eficiência e alimenta a desigualdade. As garantias excessivas, factor de injustiça e paralisia. As relações entre magistratura judicial e Ministério Público, sem falar nas polícias, que se têm transformado em obstáculo sério à eficiência.
É imperdoável que António Costa continue a afirmar, com evidente cinismo, que “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Quando algo está errado ou desempenha mal a suas funções, o tema transforma-se em política. De que se deve ocupar a política se não é justamente disso mesmo, do que está errado? Do que sofrem pessoas e cidadãos sem esperança nas instituições e no seu funcionamento normal? António Costa tem diante de si o imperativo moral e político de fazer, pela política e com o respeito pelas leis essenciais do seu país, o que a justiça não sabe, não quer fazer ou não consegue ser: justa, pronta e eficiente. Não se trata de fazer com que a política se substitua à justiça, erro absoluto. Mas trata-se com certeza de criar condições legais, institucionais, processuais e materiais para que a justiça funcione e cumpra os seus deveres. Apesar de muitas outras carências (sociais, económicas, culturais…) o que mais falta faz à democracia portuguesa é uma justiça eficiente, pronta e justa. Uma justiça que não dê razão aos que pensam que existe uma justiça especial para os poderosos, os afortunados, os amigos e os políticos. Uma justiça que seja o antídoto essencial contra a corrupção, em todas as suas formas, das famílias aos partidos, das empresas aos serviços públicos, à volta do núcleo central, o do poder político venal e cúpido. Este tema é eminentemente político, legal e constitucional. E o Governo é, com o Parlamento, protagonista privilegiado e responsável maior.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Colete Amarelo, 20.10.2019: Uma análise lúcida do contexto político. Gostaria de realçar que o Governo não tem maioria absoluta. Nestas condições, qualquer programa de governo está sujeito a sofrer desvios e qualquer coação externa poderá ser mais ou menos travada pela oposição a menos que o PS perca a modéstia que o definiu durante a Geringonça e queira afundar-se no sonho da maioria absoluta. Também nos poderá vir a surpreender se se aliar à direita. Que PS e BE não se tenham entendido, é um mau sinal. O povo português votou num PS dependente de outras forças políticas, necessariamente de esquerda, pois quem não pensou assim votou na direita. O BE e a CDU sabem isto, o PS não o poderá esquecer. A direita aguarda qualquer desentendimento futuro com o oportunismo que se lhe reconhece. Daqui para a frente é a direita quem tem mais a ganhar. A esquerda não pode esquecer isto, não pode esquecer que os tempos são mais voláteis do que nunca. O povo votou na capacidade que a esquerda tem em se entender. Coragem.
J I Toscano, 20.10.2019: António Barreto pensa e isso é que os morde!
Fowler Fowler, 20.10.2019: Investir na qualidade e quantidade de recursos (materiais e humanos), quer na Justiça como na Saúde e Educação, presumo que seja um dever de qualquer governo quer nacional, regional ou local. Porém, o sr. Barreto, sem qualquer autoridade, vem defender o indefensável: a politização da Justiça e a judicialização da política. O mesmo cidadão que ainda há pouco tempo defendia que a Justiça funcionava melhor no Estado Novo. Um papagaio com habilidade para o show business.
J I Toscano, 20.10.2019: Fiz um comentário civilizado às 14:31 que ainda não apareceu. Vou repetir: É muito reconfortante ler quem pensa o colectivo. Pensar está cada vez mais raro e os governos e os partidos que os suportam detestam quem pensa, principalmente os da sua área. Agradeço a António Barreto, como ontem agradeci a Francisco Assis. São excepções à regra enunciada por Sloterdijk: “2500 anos depois, tanto os deuses como os sábios se retiraram, deixando-nos sozinhos com a nossa ignorância e o nosso parco conhecimento das coisas.”
ana cristina, 20.10.2019: Vamos ser lúcidos: esta não é equipa para tanta ambição. O António Costa não foi buscar quem demonstrou capacidade de concretização. Simplesmente reuniu uma equipa de propagandistas e obedientes admiradores. Não é para melhorar o país, é para continuar a encher o olho dos pacóvios.
cisteina, 20.10.2019: Concordo, provavelmente António Costa não tem remédio nem alternativa, à falta de pão responde com circo (leia-se, marketing, publicidade, propaganda e propagandistas). Quem quer governar um país assim e aceitar convites envenenados? Daqui a dois anos, conversaremos, mais do mesmo, pacotes de farinha Amparo ... mas a família socialista está feliz, a concorrência não aperta, veremos se esta loja de videirinhos deixa de ser abastecida ... Basta olhar o Mundo, a Catalunha, pequeno exemplo, a Turquia, a Síria e os curdos, os malucos do Trump e Boris inglês, uma guerra comercial prestes a explodir, muita fúria e furor. Só não vê quem não quer ...
ana cristina 20.10.2019 Pequeno país ao sabor das crises internacionais e das ambições pessoais de meia-dúzia de oportunistas. Há dias mais pessimistas.... :))) a entrevista do Daniel innerarity no observador é muito rica e esclarecedora, mas há dias em que perceber melhor o que se passa não basta.

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