Outro Nobel se precisa, para cientista
que descubra a sua substituição no caso de termos de dele prescindir, para aprendermos
a viver sem ele, gerindo a sua falta, para a qual tanto nos esforçamos …
OPINIÃO: Um prémio Nobel para como gerir a falta de oxigénio no nosso
organismo
No Ano Internacional da Tabela
Periódica, prémio sublinha a relevância de um dos mais importantes elementos
químicos na Terra.
LÍGIA M. SARAIVA PÚBLICO, 7 de
Outubro de 2019
A vida tal como a conhecemos não pode
existir sem oxigénio. Contudo, as nossas células nem sempre dispõem de uma
quantidade constante do elemento. Estados de hipoxia ocorrem em situações como
o esforço físico ou as altitudes elevadas. A
hipoxia resultante da diminuição do fluxo de sangue é também uma característica
de doenças como a insuficiência cardíaca, doenças inflamatórias crónicas e
vários tipos de cancro. O
prémio Nobel da Medicina deste ano reconhece
por isso a importância do trabalho de três cientistas que identificaram
maquinarias celulares tais como o factor induzido por hipoxia –hypoxia-inducible factor HIF, que
permitem ao nosso corpo detectar e adaptar-se às flutuações na quantidade de
oxigénio a que as nossas células estão sujeitas – um grande passo em frente no conhecimento da fisiologia humana.
Os
estudos agora distinguidos já levaram ao desenvolvimento (mas não ainda à
utilização) de fármacos que interferem com a regulação do HIF e permitem a
estimulação da produção de glóbulos vermelhos, ou de medicamentos que impedem a
formação de novos vasos sanguíneos que facilitam o crescimento dos tumores.
Também em Portugal, vários cientistas dedicam-se à investigação dos
mecanismos de hipoxia e à sua associação a várias condições fisiológicas.
O oxigénio é ainda essencial a todos
os microrganismos que produzem energia através de respiração celular. Uma diminuição excessiva da quantidade disponível
para as células leva à sua morte. Assim, tal como os organismos superiores que
respiram oxigénio dispõem de sistemas que permitem regular a quantidade
acessível às células, e onde se enquadram os trabalhos sobre sensores de
oxigénio dos laureados (neste caso, uma proteína contendo ferro), também as
bactérias têm sistemas dedicados à detecção/resposta deste elemento.
Sendo a microbiota parte essencial no funcionamento do nosso organismo, a
sobrevivência dos microorganismos que a constituem está dependente da sua
capacidade de adaptação às flutuações de oxigénio a que estão sujeitos.
O
oxigénio tem ainda outra faceta: por reacção com componentes
celulares, gera espécies muito mais reactivas que o próprio oxigénio, que podem
levar à degradação de múltiplos processos metabólicos. Todos os organismos
vivos, em particular os organismos anaeróbicos (que não necessitam de oxigénio
para crescer), dispõem de sistemas para eliminar estas espécies reactivas de
oxigénio. Estas espécies são utilizadas pelo sistema imunitário humano para
combater microorganismos patogénicos.
No
ITQB NOVA, investigamos a relação dos organismos com o oxigénio, nomeadamente
em microorganismos unicelulares para os quais temos vindo a descobrir os
mecanismos de defesa contra o oxigénio e as espécies reactivas derivadas. O seu estudo ao nível molecular através da
determinação da sua estrutura, mecanismos de acção e contribuição relativa para
a protecção das bactérias, é uma informação crucial para o conhecimento da
interacção entre as células humanas e os microorganismos que competem pelas
mesmas fontes de oxigénio. Ajuda
também o desenvolvimento de novas estratégias que diminuam a sua resistência de
bactérias patogenias. Esta simbiose entre microrganismos e células humanas é
essencial e reflecte-se em semelhanças no seu modo de funcionamento: tal com as
células animais contêm o regulador IHF para o oxigénio, as bactérias têm
sensores de oxigénio (FNR, OxyR, …) que regulam a expressão de sistemas de
resposta à sua deficiência ou excesso. No
Ano Internacional da Tabela Periódica, este prémio Nobel sublinha a relevância
de um dos mais importantes elementos químicos presentes na Terra, sem o qual
parece que não sabemos (ainda) viver...
Instituto
de Tecnologia Química e Biológica António Xavier – Universidade Nova de Lisboa
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