Do Jornal online “A Bigorna”,
dirigida
por David Martelo, entre os vários de muito interesse, um artigo de Adriano Lima, com dados
de confronto entre o liberalismo e o neoliberalismo, de fácil percepção. Um
jornal de muito interesse, de precisão e bom gosto, a que acrescento
pensamentos de autores vários, expostos na parte lateral do Jornal.
! -AS COSTAS LARGAS DO LIBERALISMO
Adriano Lima
O neoliberalismo, como
corrente de pensamento ou pretensa ideologia, vem sendo, muitas vezes,
confundido com o liberalismo clássico ou encarado como uma natural emanação do
corpo dos seus princípios basilares, o que em minha opinião é errado. Vamos
ver porquê. Ora, o neoliberalismo é um conjunto de ideias políticas e
económicas capitalistas que restringe ao máximo ou defende mesmo a não
participação do Estado na economia, no
pressuposto de que o crescimento económico e o desenvolvimento social só
atingem níveis elevados mediante uma total ou irrestrita liberdade da
iniciativa privada. Os seus autores consideram que o Estado se torna
um entrave ao funcionamento do mercado livre ao deitar areia nas suas
engrenagens funcionais e limitar a acção dos agentes económicos privados. Defendem a pouca ou nenhuma intervenção dos governos
no mercado de trabalho, a privatização de empresas estatais, a livre circulação
de capitais internacionais, a abertura da economia às empresas multinacionais,
a oposição ao proteccionismo económico, a diminuição considerável da carga
tributária, etc. Para os neoliberais, a redução dos salários dos trabalhadores
é um simples detalhe no concerto de todas as medidas e estratégias para
exponenciar o lucro capitalista e liberalizar os mecanismos económicos e
financeiros. Para o
efeito, criam-se crises artificiais por serem a via para colocar os países
entre a espada e a parede no sentido de esvaziar os conteúdos dos estados
sociais, que são uma realidade contra-natura e um estorvo à liberalização
extremada das economias. E quando as crises não são
suficientes para produzir os efeitos almejados, são logo arquitectadas outras
que, tudo o indica, estão sempre
subjacentes no estirador das suas congeminações. Não se questiona a lógica que provoca as
crises, pelo contrário, é preciso reforçar os factores que potenciam a sua
probabilidade. Será importante ainda sublinhar que o
neoliberalismo vê a educação e o ensino numa perspectiva de competitividade à
escala internacional, permitindo a abertura do investimento no sector aos
grupos económicos, o que desde logo tende a ter implicações na vertente
identitária e cultural dos povos, com repercussões futuras que se podem prever
mas não quantificar em todo o estendal das suas consequências. Intervir na formatação das mentalidades e
idiossincrasias será para o neoliberalismo uma via estratégica irrecusável para
atingir os objectivos de mudança e transformação radical que intenta com a sua
visão do mundo global. Dir-se-á, assim, que o neoliberalismo
é uma ideologia que tende a assumir um carácter totalitário. O governo de Passos Coelho ofereceu-se como
oportunidade para a aplicação das teses neoliberais no nosso país, sob o
pretexto da correcção do défice orçamental e da redução da dívida. O governante
até pensou em privatizar a Caixa Geral de Depósitos e a Segurança Social, além
de outros sectores onde o levou a cabo, na ânsia de querer ser ainda mais
radical do que a agenda que lhe entregaram e aceitou com resignada submissão.
Mas felizmente devem ter-lhe chegado rumores suficientes para o desencorajar,
mesmo entre os seus próprios correligionários, máxime os fundadores do seu partido
ainda sobreviventes. Não se pode responsabilizar o liberalismo
pelas perversões que o neoliberalismo se permite numa interpretação abusiva da sua
essência doutrinal: a liberdade individual, encarada como valor absoluto e
elemento estruturante do progresso humano, e operando transversalmente num
largo espectro onde se inscrevem a política, a economia, a justiça, a educação
e a cultura. As raízes do liberalismo clássico remontam ao
humanismo renascentista e como filosofia política e moral recebeu os contributos
das concepções de John Locke, David Hume e Immanuel Kant. O mais importante contributo de Kant para o
liberalismo foi no domínio da ética, particularmente quando, com o seu conceito
de imperativo categórico, postula que os indivíduos devem agir em conformidade
com aquilo que gostariam de ver como valor universal, não fazendo aos outros
aquilo que não gostariam que os outros lhes fizessem. Assim, para Kant o homem e a sociedade
estão subordinados a uma lei moral que é anterior ao estado de natureza, e por
isso condição inata. Essa lei tem o seu fundamento na liberdade e é através do seu exercício consciente que se
cria o direito e se tecem as linhas do contrato social, para edificação do
Estado liberal. Os pensadores franceses Pierre Dardot e Christian
Laval entendem que o neoliberalismo se
propõe como uma “nova razão do mundo”, e numa análise crítica, comentam (1):
“já não há freio ao exercício do poder neoliberal por meio da lei, na
mesma medida em que a lei se tornou o instrumento privilegiado da luta do
neoliberalismo contra a democracia. O Estado de direito não está a ser abolido
por fora, mas destruído por dentro para fazer dele uma arma de guerra contra a
população e ao serviço dos dominantes”.
Reconhecendo toda a razão àqueles autores, é impossível não
descortinar que o neoliberalismo vai por caminho tortuoso ao pretender alterar
a ordem do mundo através da economia, impondo uma realidade
simbólico-imaginária em que o indivíduo é reduzido a um simples valor de
mercado, submisso, egocêntrico, consumidor acrítico, micro peça de um sistema
em que a concorrência, a disputa e a anulação do adversário derrogam valores
como a compaixão, a dignidade humana e a solidariedade no seio das comunidades
e entre as nações. O
liberalismo poderá ter costas largas para suportar todas as construções
teóricas e congeminações sobre uma nova ordem mundial. Aceita-se que possa ser
laboratório de novas experiências sociais, mas necessariamente com ideias e
soluções que se conciliem com o seu legado mais puro, nunca para o subverter e
contaminar. Este neoliberalismo como o conhecemos, que devia
apodar-se de outro nome evitando identidades semânticas que comprometem o
liberalismo, só pode ser olhado com desconfiança quando aposta em reduzir ou
eliminar o Estado de direito democrático, que é onde ainda se resguarda a
dimensão ética necessária para o homem se realizar como ser livre, responsável
e solidário. Poder-se-á pensar que o
neoliberalismo acabará por soçobrar no confronto com movimentos sociais
nutridos de renovada força ideológica. Mas não creio que haja razão para tanto
optimismo porque há sintomas iniludíveis em sentido contrário. O que pensar
quando o relatório “Freedom in the World” regista declínios alarmantes nos
níveis dos direitos políticos e das liberdades civis durante anos consecutivos,
de 2005 a 2018? Quando os
partidos políticos da tradição democrática europeia sucumbem face a forças e
movimentos políticos fragmentados e apostados mais na instabilidade do que num
revigoramento do sistema democrático? Ou quando emergem na cena
internacional líderes políticos que são autênticas bandeiras, mas também
caricaturas, do neoliberalismo, como Trump e Bolsonaro?
(1) Excerto do livro dos autores
citados intitulado La nouvelle raison du monde: Essai sur la société néolibérale
(2009). Tomar,
Setembro de 2019
Pensamentos laterais:
- Deixa como
está, pra ver como é que fica.
Getúlio Vargas
Exército Continental suportou
um rigoroso Inverno em Valley Forge, alcançou a glória cruzando as águas do
Delaware e obteve a vitória sobre Cornwallis, em Yorktown. O nosso Exército
dominou o ar, derrubou fortalezas e ocupou os aeroportos, fazendo tudo o que
tinha de fazer. Donald
Trump - 4 de Julho de 2019
Numa
Pompílio [2.º rei de Roma] ... encontrando um povo ferocíssimo e pretendendo
conduzi-lo à obediência civil de forma pacífica, voltou-se para a religião como
coisa de todo necessária para manter um clima de civilidade; e fê-lo de tal
modo que, por muitos séculos, não houve, em parte nenhuma, tanto temor de Deus
como naquela república... MAQUIAVEL, Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio.
RESPONSABILIDADES
PELO DESENCADEAR DA 1.ª GUERRA MUNDIAL A Alemanha e a Áustria fizeram os gestos
que tornaram a guerra possível; o Triplo Entendimento fizeram os que a tornavam
provável. Alfred Fabre-Luce
As
despesas militares eram um quebra‑cabeças. Nunca se conseguiu que o Ministério
do Exército se submetesse à disciplina orçamental [...] Debalde eu determinara
que não se excedesse com as despesas militares os 40% do orçamento geral do
Estado: ia‑se até aos 45%, e o pior é que se tinha a consciência de uma péssima
administração do Exército, pois na Marinha e na Força Aérea as previsões
orçamentais eram respeitadas. MARCELLO CAETANO, Depoimento,
p. 97.
O
preço da grandeza é a responsabilidade. Winston
Churchill: do ponto de vista deles, nós éramos um
entrave à revolução tal como eles a entendiam. Mas nós entendíamos que
estávamos a fazer uma revolução em função do passado. E eles entendiam que nós
éramos a contra-revolução em função da ideia que faziam do que seria a
revolução. Ernesto Melo Antunes
Há uma
Providência que protege os idiotas, os bêbados, as crianças e os Estados Unidos
da América. Otto von Bismarck
Revolução é uma
ideia que encontrou as suas baionetas. Napoleão
Bonaparte
Centenas das fortunas
americanas datam da Guerra Civil; milhares de novas fortunas datam da Guerra
Mundial. Ninguém pode negar que a guerra é um negócio lucrativo para quem adora
esse tipo de dinheiro. A guerra é tanto uma orgia de dinheiro como é uma orgia
de sangue. Henry Ford, My life and
work, 1922
“Os
portugueses sempre tiveram uma maneira muito sua de fazer as coisas. Mesmo
aquele sangrento espectáculo ibérico, a tourada, adquire em Portugal uma
característica especial, cavalheiresca, pois o touro nunca é morto. Na semana
passada, um grupo estreitamente coordenado de oficiais do exército aplicou essa
tradição civilizada a um acto muitas vezes violento: um golpe militar”. Newsweek
- 6 de Maio de 1974
A Honra é a poesia do Dever. Alfred de Vigny
O
discurso do arrependimento do Ocidente é esclerosante. É preciso libertar-se
dele e pensar para além da vitimização. [...] A pergunta que devemos colocar a
nós próprios não é: porque sou mal acolhido; mas é: porque parto, porque deixo
a minha terra? Kamel Daoud, argelino, combatente
por um islão iluminista
Estou absolutamente convencido
de que a Espanha é o país mais forte do mundo. Século após século tenta
destruir-se e não há maneira de o conseguir. Otto von Bismark
[No Vietname] combatemos uma
guerra militar; os nossos opositores combateram uma guerra política. Procurámos
o desgaste físico; os nossos opositores apontaram à nossa exaustão psicológica.
Ao longo do processo, esquecemo-nos de uma das máximas principais da luta de
guerrilha: a guerrilha vence desde que não perca; o exército convencional perde
se não consegue vencer. Henry Kissinger, The Viet Nam Negotiations,
Foreign Affairs, Janeiro de 1969
A
impressão era sempre modificada à vista da bela e educada juventude que me
acompanhava, quase todos elementos citadinos e cultos, pois é notório que,
entre os corpos voluntários que tive a honra de comandar em Itália, os
camponeses sempre falharam, graças aos reverendos ministros da mentira. Giuseppe
Garibaldi
Israel, tendo atacado,
apoderou-se, em 6 dias de combate, dos objectivos que pretendia alcançar.
Presentemente, organiza, nesses territórios que tomou, a ocupação, que não pode
resultar sem opressão, repressão e expulsão, e onde se manifesta, contra ele,
uma resistência que, por seu turno, [Israel] apelidará de terrorismo. Charles de Gaulle - Conferência de imprensa de
27-11-1967
Os homens
nunca fazem nada de bem senão por necessidade. Nicolau Maquiavel
Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio - L. I - Cap. III ...de mil maneiras e por muitas razões, as
conquistas são prejudiciais. Porque é muito fácil fazer conquistas sem aumentar
a respectiva força, mas quem conquista império e, ao mesmo tempo, não aumenta a
sua força, caminha para a ruína. Maquiavel,
Discursos sobre a
Primeira Década de Tito Lívio
Se servistes a Pátria, que vos foi ingrata,
vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma. Padre António Vieira
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