quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Simplificando



Uma chávena de café com natas e açúcar, eis a súmula de tais descobertas de outros planetas, a orbitar outros sóis… Voltemos a Álvaro de Campos que não sabia de comparações destas e fumava:
«Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.» (“TABACARIA”)
I - OPINIÃO: Um Nobel para outros mundos
Em 1995 tudo mudou quando Michel Mayor e Didier Queloz deram mais um passo de gigante na “descentralização” da humanidade.
NUNO C. SANTOS    PÚBLICO, 9 de Outubro de 2019
A descoberta de outros mundos, outros planetas a orbitar outros sóis, apaixonou filósofos e cientistas ao longo de toda a história da humanidade. Esta vontade inspirou livros e filmes, tornando-se parte do imaginário de todos nós.
O Prémio Nobel da Física deste ano premiou quem ousou mostrar-nos que, de facto, esses mundos existem. Até meados dos anos 90 do século XX, a pergunta pairava de forma incómoda entre os investigadores. Alguns estudos apontavam mesmo para a raridade dos sistemas planetários. Mas será que estávamos mesmo sozinhos neste Universo tão vasto?
Em 1995 tudo mudou quando Michel Mayor e Didier Queloz deram mais um passo de gigante na “descentralização” da humanidade. Não só a Terra (com todos os problemas que dominam os telejornais) orbitava uma estrela pequena e normal (o Sol), como se descobria que pelo menos uma outra estrela parecida com o Sol tinha um planeta à sua volta. Inspirado no nome da sua estrela, o planeta recebia o “pomposo” nome de 51 Pegasi b. Mas a falta de imaginação que os cientistas têm para dar nomes aos planetas contrasta com a importância científica e sociológica da descoberta. Não demorou para que outros planetas se juntassem à lista, abrindo caminho para uma nova área da astrofísica. Muitas vezes a ciência funciona assim: é difícil encontrar o primeiro, mas quando sabemos como o fazer, é só puxar a linha. Em 24 anos foram descobertos mais de 4000 planetas a orbitar outras estrelas, os chamados exoplanetas ou planetas extra-solares. Hoje, quando olhamos o céu à noite, podemos dizer com toda a certeza que a maior parte das estrelas que vemos tem pelo menos um planeta à sua volta. Mas a descoberta de Mayor e Queloz não se limitou a anunciar o primeiro exoplaneta. O 51 Pegasi b é aquilo que em 1995 os astrónomos chamavam de “impossível”. Trata-se de um planeta gigante, como Júpiter (que tem cerca de 300 vezes mais massa do que a Terra). Mas, ao contrário de Júpiter, o 51 Pegasi b está muito perto da sua estrela. Tão perto que as teorias da altura diziam que não podia existir.
Mas Mayor e Queloz não se deixaram iludir pelos preconceitos existentes. Estavam convencidos de que o que estavam a detectar nos dados era realmente um planeta. E o tempo deu-lhes razão. Hoje sabemos que os sistemas planetários podem ser muito diferentes do nosso sistema solar. As teorias foram ajustadas, permitindo-nos até compreender melhor o processo de formação da nossa própria Terra. Tudo isso às custas da descoberta de outros mundos no Universo.
E agora? O que se segue? Os cientistas estão hoje focados essencialmente em três grandes linhas: a procura de planetas parecidos com a nossa Terra, a caracterização detalhada dos exoplanetas encontrados (incluindo as suas atmosferas), e a compreensão mais clara dos processos físicos que dão origem aos sistemas planetários. As grandes agências internacionais (Agência Espacial Europeia – ESA, Observatório Europeu do Sul – ESO, NASA) estão a apostar fortemente neste esforço, estimulando a comunidade científica a construir novos instrumentos para os maiores telescópios na Terra e a lançar missões espaciais capazes de alcançar estes objectivos (um trabalho feito em parceria estreita com a indústria).
Nesse sentido, é importante realçar que Portugal tem hoje um papel internacionalmente reconhecido neste esforço. Espera-se que a visão e a liderança que nos permitiu no século XVI dar novos mundos ao mundo nos ajude agora a dar novos mundos ao Universo. E quem sabe, um dia, descobrir que a orbitar uma outra estrela pequena e normal existe um pequeno ponto azul onde alguém se esteja a perguntar: será que existe algum planeta em torno do Sol?
Investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e professor no Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências, Universidade do Porto
II - ASTROFÍSICA: Nobel da Física para a evolução do Universo e a revolução dos exoplanetas
O prémio foi para as descobertas sobre o velhinho cosmos e os novos exoplanetas fora do nosso sistema solar. Vencedores anunciados esta terça-feira de manhã, em Estocolmo, na Suécia.
     PÚBLICO, 8 de Outubro de 2019
O Prémio Nobel da Física de 2019 vai para James Peebles “por descobertas teóricas em cosmologia física” e a outra metade em conjunto para Michel Mayor e Didier Queloz “pela descoberta de um exoplaneta orbitando uma estrela do tipo solar”, anunciou esta terça-feira de manhã a Real Academia Sueca das Ciências em Estocolmo. O prémio, no valor monetário de nove milhões de coroas suecas, ou 866 mil euros, será dividido em duas partes. O comité quis distinguir as investigações que “contribuíram para a compreensão da evolução do universo e do lugar da Terra no cosmo”. 
O prémio deste ano recompensa uma “nova compreensão da estrutura e história do universo e a primeira descoberta de um planeta orbitando uma estrela do tipo solar fora do nosso sistema solar”. O comité resume que estas descobertas “mudaram para sempre nossas concepções de mundo”.
James Peebles enfrentou o desafio de compreender o cosmos, com biliões de galáxias e aglomerados de galáxias, ao longo da sua carreira que começou em 1964.Os seus trabalhos teóricos são hoje considerados a base de nossa compreensão moderna da história do universo, desde o Big Bang até os dias actuais”, lê-se no comunicado. Michel Mayor e Didier Queloz iniciaram uma revolução na astronomia que hoje já soma mais de 4000 exoplanetas encontrados na Via Láctea.Novos mundos estranhos ainda estão a ser descobertos, com uma incrível variedade de tamanhos, formas e órbitas”. Os dois cientistas exploraram a nossa galáxia, a Via Láctea, à procura de outros mundos desconhecidos. Em 1995, fizeram a primeira descoberta de um planeta fora do nosso sistema solar, um exoplaneta, orbitando uma estrela do tipo solar, 51 Pegasi.
Num breve comentário sobre os trabalhos premiados ao PÚBLICO, o físico Carlos Fiolhais refere que “o Nobel da Física de 2019 recompensa astrofísicos que avançaram no nosso conhecimento da origem do Universo e do lugar da Terra no Universo”. Sobre James Peebles lembra que o professor tem a cátedra de Einstein na Universidade de Princeton, o lugar onde Einstein esteve, e que é o autor de trabalhos e de livros de referência sobre o Big Bang.  Depois, recorda ainda que Mayor e Queloz na Universidade de Genebra, na Suíça, foram os primeiros a descobrir exoplanetas fora do nosso sistema solar, em 1995. “Hoje conhecem-se mais de 4000 planetas fora do sistema solar e há uma actividade muito intensa nesta área.”
"Usar as luzes de Peebles” e aplaudir os descobridores portugueses
Tal como o comité Nobel e o próprio James Peebles reconheceu na breve intervenção durante a conferência de imprensa realizada esta manhã para o anúncio dos vencedores, Carlos Fiolhais sublinha que, apesar de todos os avanços, ainda há muito por esclarecer no estudo sobre a evolução do Universo. “Questões como a matéria escura e a energia escura permanecem por iluminar, mas para isso temos de usar as “luzes” que Peebles nos forneceu”, disse. Por outro lado, acrescenta, “a descoberta dos exoplanetas era um dos ‘assuntos quentes’ que se sabia iria, mais dia, menos dia, dar o Nobel”.
FOTO: James Peebles nasceu no Canadá e é professor na Universidade de Princeton DR
“É um prémio inteiramente merecido. Peebles é um dos grandes intelectos das últimas décadas e alguém que conseguiu trabalhar em tópicos que, na altura em que começou [a investigá-los], eram vistos como um pouco esotéricos.” É assim que Vítor Cardoso, físico do Centro de Astrofísica e Gravitação do Instituto Superior Técnico, reage à distinção a James Peebles, destacando que o físico conseguiu tornar os tópicos em que trabalhava “rigorosos e respeitáveis”.
Através do seu trabalho, James Peebles conseguiu explicar a origem e consequência da radiação cósmica de fundo, que é um sinal do Big Bang e uma luz que nos chega sob a forma de microondas. Vítor Cardoso salienta que, quando o Universo nasceu era extremamente quente e uma sopa de partículas de alta energia. Cerca de 400 mil anos depois, a luz começou a abandonar o resto da matéria, o que significa que a colisão entre a luz e a matéria normal deixou de acontecer. Desta forma, os fotões andavam “sozinhos” pelo Universo, o que quer dizer que o Universo se está a expandir e a ficar cada vez mais frio. James Peebles fez então a previsão teórica de que isto estava a acontecer. Esta previsão já estava assente na detecção da radiação cósmica de fundo dos físicos Arno Penzias e Robert Wilson, que receberam o Nobel da Física em 1978.
“Mas fez muito mais: é um físico extraordinário”, salienta Vítor Cardoso. “Percebeu também que a radiação cósmica de fundo trazia informação sobre a estrutura da matéria e do Universo num momento em que a radiação deixou de ‘falar’ com a matéria.” Como conseguiu? “Previu pequenas irregularidades desta radiação, que foram observadas nas duas últimas décadas, e têm sido cada vez mais observadas com maior precisão.”
Basicamente, são essas pequenas irregularidades que nos dizem como a estrutura do Universo se formou – como surgiram galáxias ou estrelas – e qual foi o papel da matéria escura nesse processo. “Percebemos bem a matéria que conhecemos, mas ela é uma parte ínfima [cerca de 5%] de tudo o que existe no Universo. Uma coisa que o Peebles nos mostrou foi que os outros 90 e tal % [da matéria e da energia escura] têm uma influência enorme nesta radiação cósmica de fundo. Essas irregularidades são causadas, principalmente, pela matéria escura.”
Portanto, Vítor Cardoso resume: “Peebles desenvolveu modelos sólidos em que a expansão do universo, juntamente com a energia e a matéria escura, são tomados em linha de conta. Estes ingredientes causam irregularidades na ‘sopa’ inicial que dão origem a galáxias, estrelas e em última análise à própria vida. Ele desenvolveu também modelos que quantificam o impacto observacional na radiação cósmica de fundo e no papel da matéria e energia escura neste processo. Portanto um trabalho impressionante.”
Para que fique registado, Carlos Fiolhais sublinha ainda que “as questões do Nobel deste ano tocam-nos a todos”. “De onde vem o Universo? Haverá outras Terras como a nossa Haverá vida nesses planetas? E seremos os únicos seres inteligentes no cosmos? Se hoje sabemos mais do que sabíamos ontem, amanhã saberemos mais. Este é um Nobel virado para o futuro pois amanhã saberemos mais se continuarmos o caminho da ciência que nos trouxe até aqui”.
Por fim, Carlos Fiolhais olha para mais perto e aplaude o trabalho dos investigadores portugueses nesta área. “Parabéns ao Nuno Cardoso Santos e aos seus colegas da Universidade do Porto que trabalharam com os astrofísicos suíços e que são, também eles, descobridores de ‘novos mundos’. Apesar das dificuldades, a ciência portuguesa está a fazer descobertas.”
Michel Mayor nasceu na Suíça e é professor na Universidade de Genebra DR
Pelas 10h, na conta oficial do Twitter do Prémio Nobel, aparecia a imagem do secretário-geral Göran K. Hansson ao telefone para avisar que o vencedor deste ano já estaria a receber a boa notícia. O prémio, já se sabe agora, foi para as descobertas sobre o velho cosmos e os novos exoplanetas
O Universo é uma chávena de café
Ulf Danielsson, um dos membros do comité presente na conferência de imprensa, tinha a sua intervenção sobre os trabalhos premiados bem preparada. Começou por receber uma bandeja, como café, natas e açúcar. A curiosidade estava instalada. Depois, ignorando por minutos a bandeja, explicou que sabemos que o Universo começou a expandir-se há cerca de 14 mil milhões de anos, após o Big Bang. “Não sabemos o que aconteceu antes mas sabemos que passados cerca de 400 mil anos da expansão o Universo arrefeceu e tornou-se transparente à luz.”. Com os cada vez mais evoluídos instrumentos, somos capazes hoje de olhar para este tempo distante e estudar, nesse tempo, como as galáxias se começaram a formar. 
FOTO: Michel Mayor, à direita, e Didier Queloz EPA/LAURENT GILLIERON
No entanto, apenas 5% da energia do nosso Universo é matéria visível, como as estrelas, planetas ou seres humanos. O resto? Não sabemos. Sabemos que 26% se encontra na misteriosa forma de “matéria escura” e 69% é a “energia escura” que empurra as galáxias para longe umas das outras (cada vez mais depressa), explicou Ulf Danielsson. 
Ou seja, continuou o cientista, “podemos comparar o Universo a uma chávena de café”. Num momento mais teatral, Ulf Danielsson encheu uma chávena até mais de metade com café. “A maior parte do Universo é, claro, café, isto é, é energia escura”. Depois juntou uma “generosa"porção de natas. “É a matéria escura”. Por fim, uma pitada de pequeninos grãos de açúcar. “Isto é a matéria visível e é o que tem ocupado a Ciência até agora”. 
Ulf Danielsson explicou ainda que James Peebles percebeu a importância da radiação e que o seu trabalho fez como que a cosmologia evoluísse para um ciência de precisão e, com a ajuda da matemática, amadurecesse para a cosmologia física que temos hoje. Quanto aos outros dois laureados, esses “ficaram-se no mais importante para nós: o açúcar na chávena de café”. E, por isso, “são premiados pela descoberta de um planeta a orbitar um outro sol”. Foi o primeiro de uma lista que hoje já soma mais de quatro mil encontrados na Via Láctea. 
FOTO: Didier Queloz é professor na Universidade de Genebra e na Universidade de Cambridge DR
Um conselho aos jovens cientistas
Numa curta intervenção por telefone, James Peebles respondeu a algumas perguntas dos jornalistas durante a conferência de imprensa do anúncio do prémio. Lembrou que a energia e matéria escura continuam a ser um mistério e que ainda há muitas perguntas em aberto. O cientista que tem a cátedra de Einstein na Universidade de Princeton (nos EUA) não podia deixar de falar no seu nome. “Einstein já tinha introduzido esta noção, chamou-lhe constante cosmológica. Nós mudámos o nome para energia escura mas sem sabermos mais sobre o assunto. Ele colocou-a nas equações e depois decidiu tirá-la. E nós, agora, decidimos colocá-la outra vez.” Dos jornalistas presentes veio a inevitável questão: “Acredita que existe vida noutros lugares do Universo?” James Peebles não fugiu ao desafio. Explicou que alguns lugares terão algum tipo de vida, mas será difícil saber se será o mesmo tipo de vida que existe aqui na Terra. Depois, uma daquelas frases em que a astronomia quase parece poesia: “Temos tantas estrelas por perto, tantas por explorar”. Por fim, aos jovens cientistas deixou um conselho:"Devem trabalhar pelo amor à ciência. Os prémios são encantadores mas não devem fazer parte dos vossos planos. Foi o que eu fiz.” 
Em 2018, o prémio foi atribuído a três investigadores sobre os seus trabalhos na física dos lasers. O prémio foi partilhado entre o norte-americano Arthur Ashkin e a outra metade para o francês Gérard Mourou e a canadiana Donna Strickland. No anúncio, o comité resumiu que o prémio sublinhava a importância das “ferramentas feitas de luz” ou, na justificação mais formal, das “invenções revolucionárias no campo da física dos lasers”. Entre 1901 e 2018 foram concedidos 112 prémio Nobel da Física, 47 dos quais foram atribuídos apenas a um cientista.
Até agora, três mulheres receberam o Prémio de Física: Marie Curie em 1903, Maria Goeppert-Mayer em 1963 e Donna Strickland em 2018. Entre outras curiosidades, a Real Academia Sueca das Ciências lembra que houve uma pessoa, John Bardeen, que recebeu o Prémio de Física duas vezes, o mais jovem laureado foi Lawrence Bragg, com 25 anos, e o mais velho foi Arthur Ashkin, com 96 anos. Escusado será dizer que o mais célebre laureado com o Nobel da Física foi Albert Einstein, em 1921, que recebeu o prémio não pelo famoso trabalho sobre a Teoria da Relatividade mas pelos resultados sobre o efeito fotoeléctrico.
Na quarta-feira o Comité do Nobel vai premiar o melhor trabalho na área da Química.
Os Prémios Nobel são atribuídos anualmente pela Academia Real das Ciência da Suécia, pelo Comité do Nobel e o Instituto Karolinska a pessoas ou organizações que contribuíram de forma excepcional nos campos da Química, Física, Literatura, Paz e Fisiologia ou Medicina. Os prémios foram criados em 1895 por Alfred Nobel e, entre 1901 e 2018, o prémio Nobel foi concedido 540 vezes a mais de 800 laureados. Entre os vencedores nas várias categorias contam-se 52 mulheres. Com TERESA SOFIA SERAFIM

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