segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Os “advérbios” da rainha



Na questão dos “colaços”, temos também o caso do filho da “Aia”, do conto de Eça de Queirós, que aquela substituiu pelo principezinho, o qual ficara sem pai, morto na batalha, e cuja esposa - “a rainha” – “chorou magnificamente o rei. Chorou ainda mais desoladamente o esposo, que era formoso e alegre. Mas sobretudo chorou ansiosamente o pai, que assim deixava o filhinho desamparado, no meio de tantos inimigos da sua frágil vida e do reino que seria seu, sem um braço que o defendesse, forte pela força e forte pelo amor”. Um dos inimigos era o tio do principezinho, que aí vinha, sequioso do poder, para matar o principezinho. E a pobre aia, não fez mais, ao saber que o tio vinha: trocou os meninos, pondo o seu filho no bercinho real e o principezinho no berço do seu filho, salvando desta feita o principezinho da sua devoção e respeito, e entregando à morte o seu próprio filho. E aquando da recompensa que a mãe do principezinho infinitamente e comovidamente grata lhe quis dar, da “Câmara dos Tesouros”, a Aia escolheu um “punhal de um velho rei, todo cravejado de esmeraldas e que valia uma província”. E o resto do conto: “Agarrara o punhal, e com ele apertado fortemente na mão, apontando para o Céu, onde subiam os primeiros raios de sol, encarou a rainha, a multidão, e gritou: - Salvei o meu príncipe, e agora – vou dar de mamar ao meu filho! E cravou o punhal no coração”.
É apenas um bonito conto comovente, a respeito do tema “colaços”, que a imaginação mistificatória e divertida de Salles da Fonseca transforma em gracioso trocadilho. Quanto a Amélia Rey Colaço, sobre quem chama a atenção, desprendidamente, sem compromissos, a Internet é um manancial de informação preciosa. Bem-haja a Salles da Fonseca pela evocação.
Henrique Salles da Fonseca   A BEM DA NAÇÃO, 06.10.19
Do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa extraio que «Colaço» deriva do latim collacteus, ei, que tanto é um adjectivo como um substantivo masculinos e que tem dois significados, a saber:
Que ou quem, em relação a outra pessoa, foi amamentado ao mesmo peito, sem, porém, serem irmãos;     Que ou quem é muito amigo ou muito íntimo de outra pessoa. * * *
Dada a definição, passemos à história…
O meu irmão, nascido em 1939, não chegou a conhecer a mãe que morreu na sequência do parto. Passado pouco tempo, com o aparecimento dos antibióticos, essa morte não teria certamente acontecido. E se nessa época, pós Pasteur, já havia cuidados de higiene, imagine-se o que seria a mortalidade antes dele. Era, pois, frequente que os mais pequenos problemas provocassem a morte da mãe, do filho ou de ambos.
Morta a mãe ou sobreviva esta mas sem leite e salva a criança, havia que encontrar ama-de-leite, tarefa nem sempre fácil mas não impossível. Entre casadas e solteiras em condição láctea, sempre aparecia quem quisesse ganhar uns cobres para amamentar filho alheio. Eis como duas crianças, não irmãs, eram amamentadas pela mesma mulher, eis que se lhes chamava colaços, do mesmo leite.
Contudo, a História registou outro tipo de circunstâncias em que um filho perdeu o leite materno e teve que passar a fonte alternativa. Foi o caso do futuro rei D. Sebastião que, nascido a 20 de Janeiro de 1554, se viu privado da mãe, D. Joana de Áustria cujo irmão, Filipe II de Espanha, a requisitou em Maio desse mesmo ano para que ela desempenhasse a regência de Espanha enquanto ele se deslocava a Inglaterra. Eis como a D. Sebastião, aos quatro meses de idade, tiveram que arranjar uma ama de leite. Não consta dos meus registos o nome dessa lactante nem do filho que já traria ao colo na certeza, porém, de que este e D. Sebastião foram colaços.
Que tipo de relações teriam os colaços? Boas – cada um mamando de seu peito; de competição – ambos disputando o mesmo peito.
Então, aceitemos que se um era inequivocamente D. Sebastião de Portugal, o outro era o seu colaço, muito provavelmente de estirpe plebeia, sem nome de grandes pergaminhos, ficando conhecido por «o Colaço» com um ou dois «eles», neste caso, «Collaço» como a etimologia latina sugere.
Da história que me foi contada, resulta que D. Sebastião e o seu colaço, o tal Collaço, mantinham boas relações e que este acompanhou o Rei na expedição a Alcácer Quibir.
E a especulação continua com o Collaço (ou Colaço) a morrer em combate, o Rei a sobreviver e a trocar de identidade com o amigo morto.
Resultado: o Colaço a ser metido em caixão como se fosse o Rei; D. Sebastião a pôr-se a caminho de Tânger sob a identidade de Colaço.
Aqui, faço um intervalo na história que me foi contada para lembrar que o préstito fúnebre de D. Sebastião de Silves até ao Mosteiro dos Jerónimos foi constituído por uns quantos Cavalheiros nomeados pessoalmente por Filipe II de Espanha, I de Portugal, pelo que, agora, sou eu a especular sobre o que possa estar dentro da urna em que supostamente jaz D. Sebastião: o Rei, o seu colaço, os restos de um animal, um monte de lixo ou de pedras? Nada melhor do que abrir a tumba e ver. Para quê? Não para reescrever a História, obviamente, mas apenas para medir o carácter de Filipe II de Espanha. E só.
Retomando a especulação inicial, o Rei, sob o falso nome de Colaço, ter-se-á fixado em Tânger e tido descendência. Uns séculos mais tarde, um seu putativo descendente regressou a Portugal sob a identidade, entretanto oficializada, de Alexandre Rey Colaço, pai de Amélia Rey Colaço.
Donde se conclui que mais vale ser Rey Colaço do que colaço do Rei.
Oxalá apareça quem goste de estudos genealógicos e se decida a verificar até onde vai a imaginação nesta história que me foi contada por um não académico. Outubro de 2019 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da Fonseca, 06.10.2019: Muito interessante! Luís Mira Amaral
Anónimo, 06.10.2019: esta revelação de família terá sido feita pelo meu tio avô Tomaz Ribeiro Colaço sobre a lenda da família Colaço que lhe terá contado o seu pai, Jorge Rey Colaço, nascido em Tânger assim como o seu pai, José Daniel Colaço e os seus antepassados. (...)
Henrique Salles da Fonseca 06.10.2019: Muito interessante. Helena Salazar Antunes Morais
NOTAS DE APOIO
AMÉLIA REY COLAÇO  (Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Amélia Rey Colaço ComC (Lisboa, 2 de março de 1898Lisboa, Lapa, 8 de julho de 1990) foi uma encenadora e actriz portuguesa. (…)
«Casou-se em Dezembro de 1920 com o actor beirão Robles Monteiro. No ano seguinte os dois concorrem ao concurso de concessão do Teatro Nacional D. Maria II, fundando para o efeito uma companhia de teatro própria: a Companhia Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. Nascia assim a mais duradoura companhia teatral de sempre da Europa, que conheceu 53 anos de duração (foi oficialmente extinta em 1988), 46 dos quais sediada no Teatro Nacional D. Maria II. Em Dezembro de 1964 um incêndio destruiu o Teatro D. Maria II, pelo que a Companhia se mudou para o Teatro Avenida, por sua vez consumido por um incêndio em 1967.
Talentosa, culta e empreendedora, Amélia Rey Colaço actuou em vários planos na direcção da companhia — estruturou um grupo coeso e exigente, empenhou-se na dignificação social do actor, conquistando para ele um estatuto de superioridade, à medida que organizava um reportório ambicioso, à revelia da censura. Chamou pintores prestigiados para colaborarem na cenografia, casos de Raul Lino, Almada Negreiros ou Eduardo Malta. Contratou nomes que eram ídolos do público de então, como Palmira Bastos, Nascimento Fernandes, Alves da Cunha, Lucília Simões, Estêvão Amarante, Maria Matos ou Vasco Santana.
Com ousadia, revelou autores como Jean Cocteau, Jean Anouilh, Lorca, Brecht, Valle Ínclan, Alejandro Casona, Eugène O'Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Pirandello, Eduardo De Filippo, Max Frisch, Ionesco, Dürrenmatt e Edward Albee. Acarinhada ao longo da sua carreira, cultivou a admiração de Oliveira Salazar e antigos monarcas, tendo sido amiga da rainha D. Amélia de Orleães.
Em princípios de 1974, Amélia Rey Colaço regressa ao São Luiz, de onde partira. Pouco depois dá-se o 25 de Abril e, percebendo que a vão encarar como um símbolo do Estado Novo, suspende a companhia e sai de cena, assumindo a injustiça com discrição. Deixava para trás espectáculos antológicos, como Castro, Salomé, Outono em Flor, Romeu e Julieta, O Processo de Jesus, Topaze, A Visita da Velha Senhora ou Tango. O último grande papel vem, contudo, a desempenhá-lo aos oitenta e sete anos, na figura de D. Catarina na peça El-Rei D. Sebastião, de José Régio.
Em 1988, aquando da extinção oficial da companhia, Amélia Rey Colaço vê-se forçada a leiloar o recheio da casa do Dafundo, cedida pela marquesa Olga do Cadaval, e a abandoná-la.
Amélia Rey Colaço morreu a 8 de Julho de 1990 em Lisboa, junto da sua filha, Mariana Rey Monteiro, também já falecida.»

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