Na questão dos “colaços”, temos também o
caso do filho da “Aia”, do conto de Eça de Queirós, que aquela substituiu pelo principezinho, o qual
ficara sem pai, morto na batalha, e cuja esposa - “a rainha” – “chorou magnificamente
o rei. Chorou ainda mais desoladamente o esposo, que era formoso e
alegre. Mas sobretudo chorou ansiosamente o pai, que assim deixava o
filhinho desamparado, no meio de tantos inimigos da sua frágil vida e do reino
que seria seu, sem um braço que o defendesse, forte pela força e forte pelo
amor”. Um dos inimigos era o tio do principezinho, que aí vinha, sequioso
do poder, para matar o principezinho. E a pobre aia, não fez mais, ao saber que
o tio vinha: trocou os meninos, pondo o seu filho no bercinho real e o
principezinho no berço do seu filho, salvando desta feita o principezinho da
sua devoção e respeito, e entregando à morte o seu próprio filho. E aquando da
recompensa que a mãe do principezinho infinitamente e comovidamente grata lhe
quis dar, da “Câmara dos Tesouros”, a Aia escolheu um “punhal de um velho rei, todo cravejado de esmeraldas e que valia uma
província”. E o resto do conto: “Agarrara
o punhal, e com ele apertado fortemente na mão, apontando para o Céu, onde
subiam os primeiros raios de sol, encarou a rainha, a multidão, e gritou: -
Salvei o meu príncipe, e agora – vou dar de mamar ao meu filho! E cravou o
punhal no coração”.
É apenas um bonito conto comovente, a
respeito do tema “colaços”, que a imaginação mistificatória e divertida de
Salles da Fonseca transforma em gracioso trocadilho. Quanto a Amélia Rey Colaço, sobre quem
chama a atenção, desprendidamente, sem compromissos, a Internet é um manancial
de informação preciosa. Bem-haja a Salles da Fonseca pela evocação.
Henrique Salles da Fonseca A
BEM DA NAÇÃO, 06.10.19
Do
Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa extraio que «Colaço» deriva do latim collacteus, ei, que
tanto é um adjectivo como um substantivo masculinos e que tem dois
significados, a saber:
Que
ou quem, em relação a outra pessoa, foi amamentado ao mesmo peito, sem, porém,
serem irmãos; Que ou quem é muito amigo ou
muito íntimo de outra pessoa. * * *
Dada
a definição, passemos à história…
O
meu irmão, nascido em 1939, não chegou a conhecer a mãe que morreu na sequência
do parto. Passado pouco tempo, com o aparecimento dos antibióticos, essa morte
não teria certamente acontecido. E se nessa época, pós Pasteur, já havia
cuidados de higiene, imagine-se o que seria a mortalidade antes dele. Era,
pois, frequente que os mais pequenos problemas provocassem a morte da mãe, do
filho ou de ambos.
Morta
a mãe ou sobreviva esta mas sem leite e salva a criança, havia que encontrar ama-de-leite,
tarefa nem sempre fácil mas não impossível. Entre casadas e solteiras em
condição láctea, sempre aparecia quem quisesse ganhar uns cobres para amamentar
filho alheio. Eis como duas crianças, não irmãs, eram amamentadas pela mesma
mulher, eis que se lhes chamava colaços, do mesmo leite.
Contudo,
a História registou outro tipo de circunstâncias em que um filho perdeu o leite
materno e teve que passar a fonte alternativa. Foi o caso do futuro rei D.
Sebastião que, nascido a 20 de Janeiro de 1554, se viu privado da mãe, D. Joana
de Áustria cujo irmão, Filipe II de Espanha, a requisitou em Maio desse mesmo
ano para que ela desempenhasse a regência de Espanha enquanto ele se deslocava
a Inglaterra. Eis como a D. Sebastião, aos quatro meses de idade, tiveram que
arranjar uma ama de leite.
Não consta dos meus registos o nome dessa
lactante nem do filho que já traria ao colo na certeza, porém, de que este
e D. Sebastião foram colaços.
Que
tipo de relações teriam os colaços?
Boas – cada um mamando de seu peito; de competição – ambos disputando o mesmo
peito.
Então,
aceitemos que se um era inequivocamente D. Sebastião de Portugal, o
outro era o seu colaço, muito provavelmente de estirpe plebeia, sem nome de
grandes pergaminhos, ficando conhecido por «o Colaço» com um ou dois «eles»,
neste caso, «Collaço» como a etimologia latina sugere.
Da
história que me foi contada, resulta que D. Sebastião e o seu colaço, o tal
Collaço, mantinham boas relações e que este acompanhou o Rei na expedição a
Alcácer Quibir.
E
a especulação continua com o Collaço (ou Colaço) a morrer em combate, o Rei
a sobreviver e a trocar de identidade com o amigo morto.
Resultado:
o Colaço a ser metido em caixão como se fosse o Rei; D. Sebastião a pôr-se a
caminho de Tânger sob a identidade de Colaço.
Aqui,
faço um intervalo na história que me foi contada para lembrar que o préstito
fúnebre de D. Sebastião de Silves até ao Mosteiro dos Jerónimos foi constituído
por uns quantos Cavalheiros nomeados pessoalmente por Filipe II de Espanha, I
de Portugal, pelo que, agora, sou eu a especular sobre o que possa estar dentro
da urna em que supostamente jaz D. Sebastião: o Rei, o seu colaço, os restos de
um animal, um monte de lixo ou de pedras? Nada melhor do que abrir a tumba e
ver. Para quê? Não para reescrever a História, obviamente, mas apenas para
medir o carácter de Filipe II de Espanha. E só.
Retomando
a especulação inicial, o Rei, sob o falso nome de Colaço, ter-se-á
fixado em Tânger e tido descendência. Uns séculos mais tarde, um seu putativo
descendente regressou a Portugal sob a identidade, entretanto oficializada, de Alexandre
Rey Colaço, pai de Amélia Rey Colaço.
Donde
se conclui que mais vale ser Rey Colaço do que colaço do Rei.
Oxalá
apareça quem goste de estudos genealógicos e se decida a verificar até onde vai
a imaginação nesta história que me foi contada por um não académico. Outubro de 2019 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Anónimo, 06.10.2019: esta revelação
de família terá sido feita pelo meu tio avô Tomaz Ribeiro Colaço sobre a lenda
da família Colaço que lhe terá contado o seu pai, Jorge Rey Colaço, nascido em
Tânger assim como o seu pai, José Daniel Colaço e os seus antepassados. (...)
Henrique Salles da Fonseca 06.10.2019: Muito
interessante. Helena Salazar Antunes Morais
NOTAS DE APOIO
AMÉLIA
REY COLAÇO (Origem: Wikipédia, a
enciclopédia livre.
Amélia Rey Colaço ComC (Lisboa,
2 de março de 1898
— Lisboa, Lapa, 8 de julho de 1990)
foi uma encenadora e actriz
portuguesa. (…)
«Casou-se
em Dezembro de 1920 com o actor beirão Robles
Monteiro. No ano seguinte os dois concorrem ao concurso de concessão do
Teatro Nacional D. Maria II, fundando
para o efeito uma companhia de teatro própria: a Companhia Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.
Nascia assim a mais duradoura companhia teatral de sempre da Europa, que
conheceu 53 anos de duração (foi oficialmente extinta em 1988), 46 dos quais
sediada no Teatro Nacional D. Maria II. Em Dezembro
de 1964 um incêndio destruiu o Teatro D. Maria II, pelo que a Companhia se
mudou para o Teatro Avenida, por sua vez consumido por um
incêndio em 1967.
Talentosa,
culta e empreendedora, Amélia Rey Colaço actuou em vários planos na direcção da
companhia — estruturou um grupo coeso e exigente, empenhou-se na dignificação
social do actor,
conquistando para ele um estatuto de superioridade, à medida que organizava um reportório
ambicioso, à revelia da censura. Chamou pintores prestigiados
para colaborarem na cenografia, casos de Raul Lino,
Almada Negreiros ou Eduardo
Malta. Contratou nomes que eram ídolos do público de então, como Palmira
Bastos, Nascimento Fernandes, Alves
da Cunha, Lucília Simões, Estêvão Amarante, Maria
Matos ou Vasco Santana.
Fazendo
escola, revelou uma inteira geração de novos actores, como Raul de Carvalho, Álvaro
Benamor, Maria Lalande, Assis Pacheco, João
Villaret, Augusto de Figueiredo, Paiva
Raposo, Eunice Muñoz, Carmen
Dolores, Maria Barroso, João
Perry, Madalena Sotto, Helena
Félix, Rogério Paulo, José de Castro, Lourdes
Norberto, Varela Silva, Ruy
de Carvalho, Filipe La Féria ou João
Mota. Alternando entre obras clássicas e modernas, abriu como nunca
as portas à dramaturgia portuguesa, representando obras de António Ferreira, José
Régio, Alfredo Cortez, Virgínia Vitorino, Carlos
Selvagem, Romeu Correia, Bernardo Santareno, Luís de Sttau Monteiro, entre outros.
Com
ousadia, revelou autores como Jean
Cocteau, Jean Anouilh, Lorca, Brecht,
Valle
Ínclan, Alejandro Casona, Eugène
O'Neill, Tennessee Williams, Arthur
Miller, Pirandello, Eduardo De Filippo, Max Frisch,
Ionesco, Dürrenmatt e Edward
Albee. Acarinhada ao longo da sua carreira, cultivou a admiração
de Oliveira Salazar e antigos
monarcas, tendo sido amiga da rainha D. Amélia de Orleães.
Em
princípios de 1974,
Amélia Rey Colaço regressa ao São Luiz, de onde partira. Pouco depois dá-se o 25 de Abril e, percebendo que a vão encarar
como um símbolo do Estado Novo, suspende a companhia e sai de
cena, assumindo a injustiça com discrição.
Deixava para trás espectáculos antológicos, como Castro, Salomé, Outono
em Flor, Romeu e Julieta, O Processo de Jesus, Topaze, A
Visita da Velha Senhora ou Tango. O último grande papel vem, contudo, a
desempenhá-lo aos oitenta e sete anos, na figura de D. Catarina na peça El-Rei D. Sebastião, de José
Régio.
Em
1988, aquando da
extinção oficial da companhia, Amélia Rey Colaço vê-se forçada a leiloar o
recheio da casa do Dafundo, cedida pela marquesa Olga
do Cadaval, e a abandoná-la.
Amélia
Rey Colaço morreu a 8 de Julho de 1990 em Lisboa, junto da
sua filha, Mariana Rey Monteiro, também já falecida.»
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