Helena
Matos conta a nossa História mais ou menos como a
conhecíamos, sobre uma Revolução libertadora a que se seguiria uma guerra
confirmadora, o lado obscuro das traições sendo simbolizado numa “defenestração”
– a de Miguel de Vasconcelos,
secretário de Estado da duquesa de Mântua, Margarida
de Saboia, vice-rainha, representante do rei Filipe no governo
português. D. João IV teve a
sorte de casar com D. Luísa de
Gusmão, que, apesar de espanhola, o apoiou na restauração da independência,
com muito salero pois até se lhe atribui a frase despicienda para o duque de
Bragança “mais vale ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida”, o que deve
ser balela. Mas Helena Matos prova
espirituosamente que a Catalunha é um caso diferente, desde sempre, que de
dependência só temos esta dos débitos.
Cuidado
com as aparências /premium
Aparentemente Portugal e a Catalunha
estiveram lado a lado em 1640. Mas há que ter cuidado com as aparências: nem
Portugal era um principado nem a Catalunha um estado.
HELENA MATOS
OBSERVADOR, 20 oct
2019
“Portugal
se levantou sem dinheiro, sem armas, sem munições, sem artilharia, sem gente e
sem capitães para disporem; e elegeu para rei a um homem parvo, mau e traidor
por natureza. Veja Vossa Excelência agora como poderá ter isto um bom fim.” –
escreve a seu pai, a 12 de Fevereiro de 1641, dom Pedro de Mascarenhas, um dos
nobres que se mantém fiel a Filipe III. Dias antes, a 7 de Fevereiro de
1641, dom Pedro de Mascarenhas fora um dos seis nobres que com as suas famílias
deixaram secretamente Portugal com destino à corte de Felipe IV. Não
acreditam na Restauração e temem o momento em que Felipe IV reconquiste o
reino. Dentro de uma caixa (ao que se diz de marmelada o que torna o caso mais
apetitoso) levam informações importantes e cartas daquela que fora vice-rainha
em Portugal de Filipe III (ou IV consoante a perspectiva), a duquesa de Mântua,
por essa altura presa em Lisboa, no convento de Xabregas.
A
decisão dos conjurados do 1º de Dezembro está longe de ser consensual entre os
seus, como se percebe pela fuga de várias famílias para Espanha e pelas
execuções, no Verão de 1641, de vários acusados de conspiração contra a coroa
portuguesa: entre os executados contavam-se nobres como o duque de Caminha, o
marquês de Vila Real e o conde de Armamar.
Na
versão mais ou menos empolgada que aprendemos na escola do 1º de Dezembro de
1640 não tivemos tempo para ouvir falar de homens como dom Pedro de
Mascarenhas ou até da conspiração de 1641 pois oficialmente o país estava com
os 40 conjurados que no dia 1 de Dezembro de 1640, depuseram a duquesa de
Mântua.
A esta versão um pouco omissa de 1640
juntou-se nos últimos tempos uma versão solidário-criativa. Estipula ela que a Catalunha só não é
independente porque em 1640 a Espanha entendeu ser mais importante reprimir a
revolta da Catalunha que a conjura que a 1 de Dezembro desse mesmo ano estalara
em Lisboa. Pasmo com a comparação pois para lá dos argumentos que se usem a
favor ou contra o direito à independência pela Catalunha convém que os
portugueses se poupem e poupem Portugal a este infundado exercício de
subalternização. Para ser solidário com a independência da Catalunha não é
necessário fazer de conta que Portugal era um principado ou outras patetices
similares.
Em 1580 Portugal era um reino com séculos de história como estado
independente. Entre 1580 e 1640 Portugal teve como rei o rei de Espanha. Nada
disto ou sequer parecido acontecia na Catalunha, um principado integrado no
reino de Aragão, cuja autonomia variara ao longo do tempo. Não é difícil
perceber que 1640 não podia ter sido ao contrário porque Portugal e a Catalunha
não estavam ao mesmo nível.
A
esta diferença no momento da revolta outras se juntam: na
Catalunha estamos perante uma revolta popular, com aspectos de violência
descontrolada. Em Portugal, teve lugar uma conjura palaciana. Os conjurados não ignoravam o que estava a acontecer
em várias localidades do país e muito particularmente o que acontecera em
Évora, durante a chamada revolta do “Manuelinho”, em que a contestação aos
aumentos de impostos ordenados por Espanha, acabara a virar-se contra os
notáveis portugueses da cidade. Estes viram as suas casas saqueadas, a
cadeia assaltada e a vida da cidade tumultuada durante meses. Não por acaso no
1º de Dezembro de 1640, a violência existe mas é muito menor que na Catalunha e
simbolicamente fulanizada na figura do português Miguel de Vasconcellos,
secretário da vice-rainha duquesa de Mântua: em Dezembro de 1640, em Portugal,
não só foi aclamado um novo rei como se neutralizou a revolta popular.
E sobretudo 1641 é completamente diferente em Portugal e na
Catalunha: Portugal vai iniciar uma guerra real e diplomática pela sua
independência. Na Catalunha foi declarada a República que incapaz de se
defender se colocou sob a protecção da França. Por outras palavras, a Catalunha
trocou a Espanha pela França, cujo rei acabou Conde de Barcelona.
A boda e a baptizado, não vás sem ser
convidado – diz o provérbio. A processos independentistas até com convite deve
pensar-se duas vezes antes de ir. E no caso da Catalunha, os portugueses devem
ouvir muito, falar pouco e sobretudo não esquecer donde vêm.
PS. Contra as pedras que os manifestantes atiram em
Barcelona o governo de Espanha prepara-se para atirar a pedra da campa de
Franco: o cadáver do general deve ser desenterrado nos próximos dias. Quarenta
e quatro anos depois da sua morte, o cadáver de Franco é o talismã a que os
socialistas se agarram para contrabalançar a imagem das ruas de Barcelona
entregues aos radicais. É a chamada Idade da Pedra da política e das
ideias (ou da falta delas).
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