domingo, 20 de outubro de 2019

Não há paralelo



Helena Matos conta a nossa História mais ou menos como a conhecíamos, sobre uma Revolução libertadora a que se seguiria uma guerra confirmadora, o lado obscuro das traições sendo simbolizado numa “defenestração” – a de Miguel de Vasconcelos, secretário de Estado da duquesa de Mântua, Margarida de Saboia, vice-rainha, representante do rei Filipe no governo português. D. João IV teve a sorte de casar com D. Luísa de Gusmão, que, apesar de espanhola, o apoiou na restauração da independência, com muito salero pois até se lhe atribui a frase despicienda para o duque de Bragança “mais vale ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida”, o que deve ser balela. Mas Helena Matos prova espirituosamente que a Catalunha é um caso diferente, desde sempre, que de dependência só temos esta dos débitos.
Cuidado com as aparências /premium
Aparentemente Portugal e a Catalunha estiveram lado a lado em 1640. Mas há que ter cuidado com as aparências: nem Portugal era um principado nem a Catalunha um estado.
HELENA MATOS
OBSERVADOR, 20 oct 2019
“Portugal se levantou sem dinheiro, sem armas, sem munições, sem artilharia, sem gente e sem capitães para disporem; e elegeu para rei a um homem parvo, mau e traidor por natureza. Veja Vossa Excelência agora como poderá ter isto um bom fim.” – escreve a seu pai, a 12 de Fevereiro de 1641, dom Pedro de Mascarenhas, um dos nobres que se mantém fiel a Filipe III. Dias antes, a 7 de Fevereiro de 1641, dom Pedro de Mascarenhas fora um dos seis nobres que com as suas famílias deixaram secretamente Portugal com destino à corte de Felipe IV. Não acreditam na Restauração e temem o momento em que Felipe IV reconquiste o reino. Dentro de uma caixa (ao que se diz de marmelada o que torna o caso mais apetitoso) levam informações importantes e cartas daquela que fora vice-rainha em Portugal de Filipe III (ou IV consoante a perspectiva), a duquesa de Mântua, por essa altura presa em Lisboa, no convento de Xabregas.
A decisão dos conjurados do 1º de Dezembro está longe de ser consensual entre os seus, como se percebe pela fuga de várias famílias para Espanha e pelas execuções, no Verão de 1641, de vários acusados de conspiração contra a coroa portuguesa: entre os executados contavam-se nobres como o duque de Caminha, o marquês de Vila Real e o conde de Armamar.
Na versão mais ou menos empolgada que aprendemos na escola do 1º de Dezembro de 1640 não tivemos tempo para ouvir falar de homens como dom Pedro de Mascarenhas ou até da conspiração de 1641 pois oficialmente o país estava com os 40 conjurados que no dia 1 de Dezembro de 1640, depuseram a duquesa de Mântua.
A esta versão um pouco omissa de 1640 juntou-se nos últimos tempos uma versão solidário-criativa. Estipula ela que a Catalunha só não é independente porque em 1640 a Espanha entendeu ser mais importante reprimir a revolta da Catalunha que a conjura que a 1 de Dezembro desse mesmo ano estalara em Lisboa. Pasmo com a comparação pois para lá dos argumentos que se usem a favor ou contra o direito à independência pela Catalunha convém que os portugueses se poupem e poupem Portugal a este infundado exercício de subalternização. Para ser solidário com a independência da Catalunha não é necessário fazer de conta que Portugal era um principado ou outras patetices similares.
Em 1580 Portugal era um reino com séculos de história como estado independente. Entre 1580 e 1640 Portugal teve como rei o rei de Espanha. Nada disto ou sequer parecido acontecia na Catalunha, um principado integrado no reino de Aragão, cuja autonomia variara ao longo do tempo. Não é difícil perceber que 1640 não podia ter sido ao contrário porque Portugal e a Catalunha não estavam ao mesmo nível.
A esta diferença no momento da revolta outras se juntam: na Catalunha estamos perante uma revolta popular, com aspectos de violência descontrolada. Em Portugal, teve lugar uma conjura palaciana. Os conjurados não ignoravam o que estava a acontecer em várias localidades do país e muito particularmente o que acontecera em Évora, durante a chamada revolta do “Manuelinho”, em que a contestação aos aumentos de impostos ordenados por Espanha, acabara a virar-se contra os notáveis portugueses da cidade. Estes viram as suas casas saqueadas, a cadeia assaltada e a vida da cidade tumultuada durante meses. Não por acaso no 1º de Dezembro de 1640, a violência existe mas é muito menor que na Catalunha e simbolicamente fulanizada na figura do português Miguel de Vasconcellos, secretário da vice-rainha duquesa de Mântua: em Dezembro de 1640, em Portugal, não só foi aclamado um novo rei como se neutralizou a revolta popular.
E sobretudo 1641 é completamente diferente em Portugal e na Catalunha: Portugal vai iniciar uma guerra real e diplomática pela sua independência. Na Catalunha foi declarada a República que incapaz de se defender se colocou sob a protecção da França. Por outras palavras, a Catalunha trocou a Espanha pela França, cujo rei acabou Conde de Barcelona.
A boda e a baptizado, não vás sem ser convidado – diz o provérbio. A processos independentistas até com convite deve pensar-se duas vezes antes de ir. E no caso da Catalunha, os portugueses devem ouvir muito, falar pouco e sobretudo não esquecer donde vêm.
PS. Contra as pedras que os manifestantes atiram em Barcelona o governo de Espanha prepara-se para atirar a pedra da campa de Franco: o cadáver do general deve ser desenterrado nos próximos dias. Quarenta e quatro anos depois da sua morte, o cadáver de Franco é o talismã a que os socialistas se agarram para contrabalançar a imagem das ruas de Barcelona entregues aos radicais. É a chamada Idade da Pedra da política e das ideias (ou da falta delas).


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