É de Claudia Carvalho Silva, apoiado em estudos de um investigador alemão, que
aquela define. Parece sério, feito não para assustar mas para prevenir e a sua leitura
torna-se um prazer, pelas hipóteses de adaptação possíveis aos vários riscos
climáticos, conquanto exigentes, certamente, de gastos incomportáveis para as
zonas mais pobres e atrasadas. O apelo é para todos nós, é claro, que todos
vivemos em risco, como os corais, mas com possibilidade de alguma reparação.
Alerta global: os oceanos estão em risco
e mais de mil milhões de pessoas podem ser afectadas. Da subida do nível da
água do mar que afectará as populações costeiras à perda de biodiversidade
marinha, os oceanos estão a sofrer com as alterações climáticas, alerta o
relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC)
divulgado esta quarta-feira. É preciso tomar medidas hoje para evitar cenários
irreversíveis.
PÚBLICO, 25 de
Setembro de 2019
A
subida das águas do mar e o aumento de fenómenos meteorológicos extremos (como tempestades e inundações) deixam as populações costeiras particularmente
vulneráveis a estes efeitos das alterações climáticas. “A subida das águas
já será um desafio mesmo que tenhamos um cenário de emissões de dióxido de
carbono reduzido, mas será drasticamente diferente se tivermos um cenário de
emissões elevadas”, explica ao PÚBLICO o investigador alemão especialista em
gestão de risco e zonas costeiras, Matthias Garschagen, que é também um dos autores do
relatório sobre oceanos do Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as
Alterações Climáticas (IPCC) apresentado no final de Setembro, no Mónaco.
“O relatório deixa isso muito claro: alguns dos
impactos serão tão grandes que a adaptação se torna difícil.”
Como
os riscos para quem vive em zonas costeiras estão altamente dependentes do
cenário de emissões de gases com efeito de estufa “que
escolhamos enquanto comunidade global”, o
cenário ideal para evitar efeitos nefastos seria uma redução gigante destas emissões.
De resto, a solução pode passar por prevenir, adaptar, criar estruturas
artificiais que permitam construções já por cima do mar— como uma espécie de palafitas ou como se fez com as ilhas
artificiais no Dubai (Palm Jumeirah) e se planeia continuar a fazer no
Mónaco — ou ainda “pela retirada das zonas costeiras, planeando-se a
realojamento das populações costeiras noutras zonas mais seguras, algo que não
está a ser considerado por muita gente”.
“Para Portugal, o principal risco directo é a ameaça da subida das
águas do mar a que já estamos a assistir”, considera o investigador da
Universidade Ludwig-Maximilians,
mas trata-se de um risco ligeiro quando comparado com as nações que vivem em
ilhas, ameaçadas de forma mais crítica. “Basta olharmos para o caso das pequenas
ilhas do Pacífico, onde a ocorrência de fenómenos extremos de subida de águas
do mar, tempestades e furacões já tem aumentado de intensidade”. Continuará a
haver um agravamento destes fenómenos meteorológicos extremos, garante o
cientista, sobretudo nas regiões tropicais.
Nas ilhas, o problema agrava-se:
“É bastante claro que não se tem muito terreno disponível para onde as pessoas
se possam mudar – sobretudo em nações em desenvolvimento e pequenas ilhas. O
problema é bastante diferente de qualquer outra zona costeira e, no fundo, fica-se
em risco de perder o próprio território, o que é, sem dúvida, um risco de outro
calibre”, assevera. “Pode não só perder-se uma faixa costeira de terreno
habitável, mas quase todo o território de uma nação.”
Este
poderá ser o caso de “muitas das ilhas no Pacífico, como as Fiji e Vanuatu, ou então as Maldivas e outras ilhas das Caraíbas”, porque “são regiões muito baixas em que a
população está quase toda concentrada na costa”. “Se aumentar esta
exposição [à subida do nível do mar e de fenómenos meteorológicos extremos],
então a alternativa é mudar para outro sítio. Só que nestes casos é uma alternativa
incrivelmente limitada.”
No
relatório do IPCC sobre os efeitos do aquecimento global nos oceanos e na
criosfera, diz-se que “quanto mais alta for a subida da água do mar, mais
desafiante é a protecção costeira, sobretudo devido a barreiras financeiras e
sociais e não tanto por limitações técnicas”.
Ademais, “as pessoas mais expostas e mais vulneráveis são muitas vezes
aquelas com menos capacidade de resposta”, alertou-se durante a conferência
de imprensa, na altura da divulgação do relatório.
Decisões
das próximas décadas são tomadas hoje
Além
da vulnerabilidade socioeconómica de algumas populações, há ainda um
agravamento de riscos nas zonas costeiras mais baixas, com um número crescente
de fenómenos meteorológicos fora do normal. “Muitas megacidades localizadas em zonas baixas e
pequenas ilhas deverão assistir, pelo menos uma vez por ano, a fenómenos que
aconteciam de século em século.” Não só haverá mais tempestades
tropicais como também terão mais intensidade, magnitude e precipitação. Pode
parecer distante e incerto, mas os cientistas do IPCC alertam que “muitas das decisões
costeiras que só terão efeito daqui a décadas estão a ser tomadas agora”.
A
subida do nível do mar foi acelerada pela perda de gelo dos calotes polares da
Antárctida e da Gronelândia. Na
Antárctida, a perda de gelo foi três vezes maior entre 2007 e 2016 do que tinha
sido entre 1997 e 2006; na Gronelândia foi duas vezes maior. Esta
aceleração na Antárctida pode “potencialmente levar a um aumento do nível das
águas do mar de vários metros em poucos séculos”.
No
que toca a refugiados climáticos – pessoas que se vêem obrigadas a
abandonar as suas residências devido a fenómenos relacionados com o clima –,
Matthias Garschagen diz que os estudos analisados são “controversos” na
comunidade científica, e que é por isso “pouco razoável” dar estimativas e
números. Ainda que seja certo que as populações costeiras estejam “mais
expostas e mais vulneráveis” e, consequentemente, mais passíveis a precisarem
de mudar de sítio, há medidas de adaptação locais que podem ser tomadas. “Não se pode então dizer que toda a gente que
está exposta à subida do nível das águas do mar será obrigada a abandonar [o
sítio onde vivem].”
Além da retirada de populações e do avançar na costa, há outras
medidas para minimizar os riscos de quem vive em zonas costeiras. A primeira palavra é “protecção”: ficar no mesmo sítio e construir infra-estruturas de
protecção, como barreiras, “o que resulta melhor em zonas de alta densidade
populacional ou cidades”. A segunda
passa por “tentar lidar com as inundações no local de residência, ao
criar habitações à prova de inundações ou sistemas de prevenção” que permitam alertar para a ocorrência de
fenómenos meteorológicos extremos – um maior número de inundações costeiras e
de intrusões salinas (quando a água doce fica em contacto com a água do mar,
cuja salinidade penetra nos aquíferos ou poços), tempestades e ondas de calor,
tanto em terra como no mar. “Não é necessariamente algo de protecção
elevada, é mais tentar viver com as águas em ascensão”, explica Garschagen.
A terceira passa por avançar em direcção mar com estruturas artificiais “que é o que algumas cidades estão a tentar fazer”.
Pode-se ainda fazer uma adaptação através de
ecossistemas que descarbonizam, como os sapais, mangais ou pradarias
marinhas.
Os
ecossistemas são não só uma possível solução, mas também “vítimas” dos efeitos
das alterações climáticas: estão em perigo e, ao contrário dos humanos, são
“inteiramente reactivos” e pouco podem fazer para se adaptarem com antecedência
aos efeitos das alterações climáticas. “É completamente diferente: no nosso
caso, os cientistas avisam-nos com antecedência e podemos começar a planear,
mas os organismos destes ecossistemas não têm isso. Daí que já tenhamos
começado a assistir à migração de peixes e a recifes de corais que já estão em
grande parte dos casos a ultrapassar o seu limite de adaptação e
sobrevivência”, lamenta o cientista alemão.
Existem cenários que já são
irreversíveis, “basta pensar na perda de recifes de corais de águas quentes, no
derretimento de muitos glaciares mais pequenos ou no derretimento de gelo em
montanhas mais baixas”. “Portanto, mesmo que reduzíssemos as emissões hoje,
esse compromisso já teria chegado tarde e esse atraso teria resultado numa
série de perdas drásticas.”
TÓPICOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário