domingo, 20 de outubro de 2019

Inspirado em moinhos de vento?



Retomo o texto de Vasco Pulido Valente, de 17 de Outubro: «A juventude catalã, uma das mais mimadas da Europa, continua a fazer fogueiras nas ruas de Barcelona. Isto tudo pelo privilégio de falar uma língua que ninguém fala e que ninguém jamais quererá aprender. Os escritores catalães que não eram estúpidos nem paroquiais sempre escreveram em castelhano e é por isso que os lemos. Podem dizer que nós estamos no mesmo caso, mas não estamos: uma importante parte do mundo fala português e, já agora, é bom lembrar que no século XVII Portugal tinha um enorme império e a Catalunha tinha sobretudo o problema, que persiste até hoje, de não saber onde começava e onde acabava e a ambição ridícula, que também persistiu até à guerra civil, de conquistar Leão e as Baleares.»
E comparo: VPV é um intelectual caprichoso, mas bem formado, do ponto de vista ético. JPP é simplesmente pretensioso arrogante, que se acha intelectual, a quem os da mesma igualha veneram e que já deu provas suficientes – ultimamente na sua inexplicável filiação partidária, que despreza – de ser um sinuoso criador de subterfúgios políticos, apenas de palhaçada desestabilizadora. Esta da utilização de Cervantes, como factor não de coesão mas de discórdia nacionalista não lembra ao diabo.
E retenho a sua frase final: “É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.” Quem pode crer nessa atoarda? Só os seus apoiantes subservientes, ou mesmo só os subservientes, desejosos de parecerem progressistas, que é o que está a dar.

OPINIÃO: A Espanha nem una nem grande nem livre
O país que “deu” o Quixote merece tudo, menos muita da sua política. É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
 PÚBLICO, 19 de Outubro de 2019
La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y debe aventurar la vida. (Cervantes, Don Quijote)
Este é um artigo indignado e como eu sou de raras indignações podem parar de o ler aqui. Nestas alturas estou-me positivamente “marimbando” – sem desculpa pelo plebeísmo porque preciso da sua força – para as nossas tricas nacionais, e para o gigantesco espectáculo de hipocrisia que é a União Europeia, capaz de se mobilizar pelas mais minoritárias causas da moda, mas indiferente ao que se passa na Catalunha.
Como cá. São todos muito liberais, todos muito preocupados pelas liberdades (económicas), todos muito tradicionais, alguns muito revoltados com a repressão (na Venezuela ou em Cuba), e chega-se à Catalunha e ficam todos muito indignados com a “violência” na rua, todos muito legalistas, todos indiferentes a um processo político persecutório, todos olhando para o lado para não verem as multidões na rua, e acima de tudo para não verem as faces dessa multidão. Para não verem que eles são iguais a nós, velhos, mulheres, donas de casa, trabalhadores, jovens casais, moradores, professores, funcionários, gente LGBT, gente conservadora, gente cujos pais e avós conheceram a guerra civil e guardam a memória dos fuzilamentos de dirigentes catalães ou dos movimentos estudantis e operários que confrontaram o franquismo numa Catalunha mais irridenta do que muitas partes de Espanha.
Eles olham para a rua e vêem os capuzes, e como o El País e a imprensa portuguesa que o segue, estão muito preocupados com a Constituição e com a lei, com revoltas, golpes de estado, revoluções, sedições, separatismo, independentismo. O que não vêem ou admitem é que possa haver uma vontade, uma determinação, uma razão pela independência da maioria dos catalães. O problema é que na rua catalã não estão fascistas de pata ao alto, nem gente a marchar detrás de variantes da suástica, ou de runas nórdicas, nem a gritar contra os refugiados, nem a atacar mesquitas e sinagogas – está gente como nós. Mas o mesmo não se pode dizer das setas da Falange, nem da bandeira espanhola transformada no estandarte da “España, una, grande y libre” do franquismo, que recrudesceram nos dias de hoje em resposta ao independentismo catalão, numa causa que já mereceu em Espanha muitos milhares de mortos.
Na verdade, os nossos anti-catalães, parte do PS e quase toda a direita, acabam por ser muito amigos de uma das mais sinistras tradições do país ao nosso lado, o espanholismo de Castela, historicamente muito agressivo, tradicional inimigo de Portugal, a pátria que supostamente lhes enche o peito antes de chegarem a Bruxelas, onde desincha. O espanholismo que encontrou os seus melhores porta-vozes em partidos de extrema-direita como o Vox, que Nuno Melo branqueou, ou num PP minado pela corrupção, ou na sua versão modernizada o Ciudadanos, o partido que o CDS gostaria de ser quando for grande. E em Espanha nesse partido que nem é socialista, nem operário, mas que agora é muito espanhol e que aceitou ser chantageado pelos herdeiros de Francisco Franco e que não teve a coragem de evitar o julgamento político dos independentistas.
Podem não ser favoráveis à independência catalã, não podem ser indiferentes aos presos políticos e às suas sentenças punitivas. E só por ironia é que se vê ficarem muito ofendidos com a comparação entre Hong Kong e Barcelona, eles que não mexeram uma palha sobre Hong Kong porque o seu anticomunismo pára na EDP e na REN, e não têm muita autoridade para fazer essa distinção. O mesmo com a “progressiva” e de “referência” comunicação social espanhola cuja agressividade anti-catalã é repulsiva. E o mesmo para a portuguesa.
E repetem-se argumentos absurdos. O argumento contra o referendo então é o de máxima hipocrisia. O referendo não valeu porque correu sem qualquer controlo. Não é inteiramente verdade, mas é natural que não tenha ocorrido em condições ideais com a polícia a roubar as urnas, a ocupar lugares de votação e a bater nos que queriam votar. Mas, se o problema foram as condições do referendo, então que se faça outro em condições de liberdade e paz civil. Resposta: não, não, nunca, jamais em tempo algum. Eu sou um grande admirador de Espanha, da sua cultura, das suas gentes. Li o Quixote mais do que uma vez e não é por falta de vontade que não o leio outra vez. Tudo o que de grande existe na história da literatura e da arte está nesse livro, de Ulisses a Leopold Bloom. O país que “deu” este livro merece tudo, menos muita da sua política. Não é um país de história fácil, como se viu na matança da guerra civil, de que o actual conflito é demasiado herdeiro. Em política sempre foi dado a pouca tolerância e a muito sangue, mas os seus grandes homens e mulheres nos últimos 200 anos foram-no exactamente por contrariarem isso. Unamuno é um exemplo.
É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.
Colunista
COMENTÁRIOS:
rafael.guerra: O direito dos povos à autodeterminação, reconhecido pela ONU e pelo direito internacional, não implica necessariamente o direito à independência. Porque ele pode contrariar um outro princípio fundador do direito internacional: o direito dos Estados de preservar a sua integridade territorial
rafael.guerra, 19.10.2019: O grandíssimo egoísmo do rico povo catalão que despreza o pobre andaluzo, vai cavar a fossa do povo que será o mais odiado de Espanha...
Jorge Sm, 19.10.2019: Se é tão odiado assim, para que o querem dentro de Espanha? Para sacar dinheiro?
rafael.guerra, 19.10.2019: A Catalunha não teria podido desenvolver a sua agricultura, comércio e indústria como o fez desde o século 18, sem um acesso privilegiado aos mercados espanhol a da América Espanhola e sem um sistema tributário justo implementado pela Coroa. Pensa que devolverão o dinheiro do imperialismo espanhol que tanto os beneficiou?
AndradeQB, 19.10.2019: Se JPP considera que as suas habituais indignações não existem e se confessa agora indignado, tem que se ser condescendente com o que diz neste estado. Só isso pode justificar que eu não me indigne. É que alterações profundas, como da Constituição, costumam exigir maiorias de dois terços, para declarar independência deveria, no mínimo, aguardar-se por esse consenso. Acontece, no entanto, que, que todas as evidências, que foram reforçadas por uma recente sondagem, dão uma maioria de cidadãos não independentistas. Outras queixas contra Madrid, não são sinónimo de exigência de independência. De facto, só o estado indignado de JPP pode justificar que ele se esteja a baralhar como é que se defende a democracia.
Rui Fernandes, 19.10.2019: Os apoios a causa independentista catalã em Portugal são exactamente os mesmos desde sempre. Fingem por vezes serem até “admiradores de Espanha”. A honestidade intelectual não me parece muita. Os nacionalismos de países pequenos a apoiar outros nacionalismos ainda mais pequenos em contra dos nacionalismos dos países maiores vizinhos é inevitável. Um mais um quase sempre é dois. Que no século XXI ainda estejamos todos cegos de amores por troços de pano e hinos a mim só me causa tristeza. Mas dito isto há problemas que não têm soluções simples e principalmente deixam de ter soluções bonitas. Não, não acho que os catalães sejam para nada um povo oprimido. E não acho que os líderes independentistas catalães condenados sejam exemplos de lutadores pela liberdade a seguir por quem quer que seja. Mas não acho que se possa continuar negando a revisão constitucional em Espanha necessária para que o referendo que se pede desde a maioria dos catalães, uma maioria que inclui muitos e mesmo muitos que nem sequer são independentistas. Os referendos são uma porcaria. Uma roleta russa que põe tantas vezes 51% em contra de 49%. Mas há coisas bem piores que referendos... Os únicos que promovem em Espanha acomodar legalmente o direito ao referendo são a coligação de extrema esquerda Unidos Podemos e isso por agora é um mau augúrio para o futuro próximo de Espanha e especialmente de Catalunha. A falta de lucidez política é tão perigosa como isto. Termina criando situações como a que vive Catalunha agora entre ter que calar os seus ideais políticos (por mais tolos e irresponsáveis que eu os ache) ou actuar para fora da legalidade vigente. A democracia representativa por si só não disfarça a estupidez de quem representa. Todos os referendos em situações polarizadas cheiram e sabem a injustiça. Mas os referendos por vezes feios ou não, são simplesmente necessários.
Visitante da Noite, 19.10.2019: Não se percebe muito bem ao que se refere quando menciona "Espanha", acredito que a vaguidão das palavras seja o reflexo duma mente confusa. Em todo caso, a actuação dos líderes independentistas, mais além da sua ilegalidade, representa uma agressão directa aos alicerces do Estado e às suas instituições. É normal que as instituições reajam com veemência. De qualquer forma, no ano que vem os seus amigos já estão todos em regime de semi-liberdade, com excepção talvez do Junqueras. Para um estado opressor não está nada mal...
Rogu, 19.10.2019: Grande Artigo, sim senhor....
rafael.guerra, 19.10.2019: Não senhor, apenas um medíocre artigo...


Nenhum comentário: