A respeito do mundo que espera Joe Biden. Mas foi um prazer ler estes alertas
claros, trazidos por João de Almeida Dias, na sua
análise aturada das políticas a estabelecer com esses países com quem Donald Trump contactara a seu modo – China, Irão, Coreia do Norte, Venezuela,
Rússia. O que for soará, como sempre, é claro. Mas gostámos mesmo de ler o seu
relato – romance deste nosso tempo, por agora com covid.
Rússia, China, Irão (e não só). O que
fará Joe Biden com o novo "Eixo do Mal"? /premium
Biden prometeu ao mundo:
"A América está de volta". O compromisso passa por encarar os mesmos
adversários de Trump, de maneira diferente. Como? Biden oferece poucas respostas, mas deixa pistas.
JOÃO DE ALMEIDA
DIAS OBSERVADOR, 20 jan 2021
Quando subiu ao palco para anunciar a sua equipa para
a política externa, Joe Biden carregou forte nos lugares-comuns e nos soundbytes.
Falou de uma equipa que mantém “o nosso país e o povo seguros” e
assegurou que estava “pronto para liderar o mundo em vez de se afastar dele”,
voltando a “sentar-se à cabeceira da mesa”. Mais: a América que Joe Biden
promete ao mundo é uma que “confronta adversários e não rejeita aliados”. No
fundo, tudo isto se resumia a uma frase, que Joe Biden disse com especial
ênfase e que fez títulos no mundo inteiro: “A América está de volta”. Porém, para lá destas palavras,
destaca-se uma questão de
difícil resposta para Joe Biden e os seus quatro anos na Casa Branca: como vão os seus EUA lidar com os países que desafiam
a sua hegemonia? Alguns deles são parte daquilo que George W. Bush chamou, em
seu tempo, e com o impulso inicial de John Bolton, “o Eixo do Mal”, como a Coreia do Norte e o Irão. Outros são velhos rivais, com a Rússia no lugar de sempre e a China de Xi Jinping, o maior desafio dos
norte-americanos. Depois de quatro anos de Donald Trump, e com uma pandemia
em curso, Biden herda uma política
externa mais conturbada e improvável. Saberá pô-la em ordem?
China: uma mensagem difusa, entre duas tendências
Em agosto 2001, quando era um senador veterano
com experiência em política externa, Joe Biden viajou até à China na qualidade de líder do Comité do
Senado para as Relações Internacionais. Ali, não podia ter sido mais optimista quanto à
perspectiva de aquele país asiático entrar na Organização Mundial do Comércio.
“Os EUA estão receptivos à
emergência de uma China próspera e integrada no palco mundial, porque esperamos
que a China jogue de acordo com as regras”, disse na altura.
Eram tempos
mais simples. Um mês mais tarde, os atentados do
11 de setembro iriam complicar a vida aos EUA no âmbito internacional, precipitando-os
para duas dispendiosas e trágicas guerras no Médio Oriente — ambas com o apoio do senador Biden. Enquanto isso, com as portas do comércio
mundial abertas, a China ergueu a segunda maior economia do mundo, por força de
salários baixos e uma vasta mão-de-obra. Nem sempre o fez jogando pelas
regras, como mais tarde viria a ser comprovado por frequentes manobras de
desvalorização da moeda e de espionagem industrial, incluindo a empresas
norte-americanas. Agora que chega à Casa Branca
na posição de número um, Joe Biden tem na China o seu maior desafio internacional. Por um lado, a ambição de combater tanto as
alterações climáticas como a pandemia poderão levá-lo a sentar-se à mesa com Xi
Jinping. Por outro, temas como a guerra comercial, as ambições militares e geopolíticas de Pequim
e o dossier dos direitos humanos poderão levá-lo a dar um murro nessa mesma mesa.
Em entrevista a Thomas L. Friedman,Biden sublinhou que
a China é um assunto que não diz respeito apenas aos EUA — e que, como tal, deve
ser abordada lado a lado com os seus aliados naturais. “A melhor
estratégia para a China, creio, terá de juntar todos os nossos aliados — ou
aqueles que, pelo menos, costumavam ser os nossos aliados — na mesma página”,
disse. “Será uma grande prioridade para mim nas primeiras semanas da minha
presidência.” Na mesma entrevista, Joe Biden sugeriu cautela na abordagem à China e
também na postura a adoptar com o gigante asiático nos primeiros tempos. Isso
inclui, para já, a continuação das medidas adoptadas pela administração de
Donald Trump, que abriu uma guerra comercial com Pequim e, apesar de ter
chegado a um acordo, não chegou a baixar tarifas àquilo que corresponde a 370
mil milhões de dólares (306 mil milhões de euros) de importações da China. “Não vou fazer nenhum gesto imediato e isso aplica-se também às tarifas”,
disse Joe Biden. “Não vou sugestionar as minhas opções.”
O certo é que,
do que se ouviu de Joe Biden até aqui, a sua postura perante a China está longe
de estar definida. E as escolhas que até aqui anunciou para a sua equipa dão
sinais mistos.
De um lado está Antony
Blinken, o próximo chefe da diplomacia norte-americana, que acompanha Joe Biden desde os tempos da
administração de Barack Obama. Numa entrevista em julho para o Hudson Institute, não rejeitava a ideia de chamar
a China para a mesa, de forma a lidar com problemas a uma escala global. “Os grandes problemas com que
nos deparamos enquanto país e no planeta — seja as alterações climáticas, a pandemia ou a proliferação de armas más —, para dizer o óbvio, não
se resolvem com soluções unilaterais. Mesmo um país tão poderoso como os
EUA não consegue lidar com eles sozinho”, disse. Leia-se: para o próximo
Secretário de Estado dos EUA, a China terá de estar sentada à mesa.
Do outro lado está uma das nomeações
mais recentes: Katherine Tai, que
passará a liderar a política dos EUA para o Comércio. Escolhida para Representante do Comércio, conhece os
cantos à casa (trabalhou naquele órgão enquanto advogada) e tem experiência
a enfrentar a China, já que foi a responsável por liderar as queixas contra
Pequim na Organização Mundial do Comércio entre 2007 e 2014. Como
qualidade tem o facto de ser fluente em mandarim. Como característica, a defesa
de uma postura assumidamente “agressiva” com a China. Foi isso mesmo que defendeu num painel organizado pelo
Center for American Progress em agosto. “Penso que haverá um
forte apoio para que sejam dados passos agressivos e ousados no que toca à
maneira como competimos com a China”, disse à altura. Referindo
então que a postura de Donald Trump perante a China tinha sido “amplamente
defensiva”, defendeu uma alternativa oposta. “Jogar
ao ataque terá de passar por aquilo que estamos dispostos a fazer para tantos
nós, como os nossos trabalhadores, as nossas indústrias e os nossos aliados
sermos todos mais rápidos e mais ágeis, de maneira a podermos saltar mais alto,
a competirmos com mais força e, no final de contas, defendermos o modo de vida
abertamente democrático que temos.”
Não é, pois, certo qual será o
caminho de Joe Biden: se a via
de Antony Blinken, que chama a China para a mesa; se a via de Katherine Tai,
que junta os EUA e os aliados do mesmo lado para, assim, enfrentar a China. Até
aqui, Biden já defendeu as duas vias — mas não será fácil
conciliá-las.
Os últimos quatro anos foram de
grande reviravolta no espaço asiático, com a China a ganhar cada vez mais terreno
e influência na região. Paradigmático
disso mesmo foi o facto de Barack
Obama, quando
deixou a Casa Branca, ter deixado tudo pronto para os EUA, de forma a levar
para a frente a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla inglesa), tratado de comércio livre que juntava os EUA a
países dos dois lados do Oceano Pacífico. A inclusão de países asiáticos como o Vietname, o
Japão ou a Malásia, e também a Austrália, era vista como uma garantia de que
estes não tenderiam para a órbita de Pequim tão depressa.
Porém,
conforme tinha prometido, uma das primeiras acções de Trump como
Presidente foi retirar os EUA do TPP e declarar uma guerra comercial contra a
China — sem, no entanto, fortalecer laços com os países da sua periferia. Esse
foi um vácuo que Pequim já começou a preencher — e que agora existe sob o
nome da Parceria Regional Económica Abrangente (RCEP, na sigla inglesa). Em
vigor desde 15 de novembro deste ano, esta parceria junta 15 países que, no seu
conjunto, representam 29% do PIB mundial e um terço da população — contas
suficientes para fazerem deste o maior acordo comercial do mundo. Além da
dimensão inegável, há o simbolismo incontornável de juntar do lado da China
países que os EUA têm como aliados tradicionais, da Coreia do Sul ao Japão,
passando também pela Austrália.
Outro
vácuo deixado pelo isolacionismo de Donald Trump foi preenchido pela China e pela União Europeia nos
primeiros dias de Janeiro, com a assinatura, após sete anos de negociações, de
um acordo de investimento entre estas duas partes — um desenvolvimento que
contou com o empenho de Angela Merkel já na recta final da presidência alemã do
Conselho da União Europeia e que causou desagrado na equipa
de Joe Biden, onde muitos questionaram o sentido de oportunidade da decisão. No capítulo dos direitos humanos na China, Biden tem sido
omisso. Embora a sua
equipa de campanha tenha classificado o tratamento da minoria muçulmana da
província de Xinjiang, os uighur, como um “genocídio”, este é um tema que não
tem merecido menções directas por parte de Joe Biden nas suas intervenções mais
recentes. O mesmo pode ser dito em relação a Hong Kong e ao crescente domínio
chinês daquele território.
Para já, os sinais de Biden quanto à
China têm sido difusos e inconclusivos. Talvez
por isso Xi Jinping tenha sido um dos líderes mundiais que mais esperou para
congratulá-lo pela vitória nas eleições. Apesar de Joe Biden ter sido
declarado vencedor a 7 de novembro, só no dia 26 do mesmo mês é que o
Presidente chinês o felicitou pela vitória. Na mensagem que enviou a Biden,
Xi Jinping falou de “promoção de um desenvolvimento saudável e estável das
relações China-EUA” e o “espírito de não-conflito, não-confronto,
respeito mútuo e cooperação de ganhos partilhados”. Velhas expressões num mundo
novo à espera dos próximos passos.
Irão: o acordo de toda a discórdia
Quando,
no verão de 2015, o então secretário de Estado dos EUA, John Kerry,
voltou a Washington D.C., chegado de Viena e com o acordo nuclear com o Irão
debaixo do braço, faltava ainda um enorme pormenor: era preciso vender o acordo
ao Congresso. Nessa altura,
como noutras do mesmo género, seria impensável que esse trabalho de
persuasão fosse entregue a Barack Obama. Ali, o vendedor era invariavelmente Joe Biden.
Biden
movia-se então em terrenos movediços. Assumindo-se propositadamente que aquele
acordo não tinha a forma de tratado (o que tornaria obrigatória uma aprovação
do Congresso) e que era antes um “acordo executivo” (o que permitia
fintar aquela obrigação), havia, de qualquer modo, a possibilidade de
aquele compromisso ser vetado se dois terços do Congresso assim o decidissem.
Por isso, começou rapidamente a sua rota de charme pelo Partido Democrata,
onde vários congressistas e senadores olhavam com desconfiança para o documento.
Ao estilo de um bom vendedor, Joe
Biden disse aos
ex-colegas democratas de Senado qual era a sua perspectiva. “Tenho sido um
vice-Presidente muito leal e sempre apoiei o Presidente, mas o que acordei com
ele desde o início foi: ‘Vou apoiar-te sempre, mas não vou vender uma coisa se
não concordar com ela. Não peças para vender algo se eu não concordar’”, disse.
“Estou aqui e estou a vender isto, mas é porque estou de acordo.”
No
final, os esforços para vetar o acordo no Congresso não tiveram seguimento e o
compromisso foi implementado pelo Irão e observado pelas restantes potências
que assinaram de cruz: China, França, Rússia, Reino Unido, Alemanha e a União
Europeia como um todo.
Até que, a 8 de maio de 2018, depois
de várias promessas e ameaças nesse sentido, Donald Trump retirou
unilateralmente os EUA daquele acordo. A
partir daí, a dinâmica instalada tem sido a de todos os restantes países, com
ênfase para os da União Europeia e o Reino Unido, tentarem manter o acordo vivo
— enquanto, ao mesmo tempo, o
Irão o dá por morto. Prova
disso foram os vários anúncios que o Irão fez desde então, avisando quase
sempre que quebrava um limite imposto pelo acordo. Aos poucos, o Teerão
parecia encaminhado para se afastar da sua estratégia enraizada da “paciência
estratégica”, a caminho, na melhor das hipóteses, de uma postura de bluff. Na pior das hipóteses, que foi muitas vezes a única
contemplada por Israel e pela administração de Trump, o Irão sempre teve a
mesma meta: produzir armas nucleares.
Para Joe Biden, o regresso ao acordo
nuclear com o Irão era, mais do que uma promessa, um plano. A única condição era que o Irão voltasse a
colocar-se numa posição de total cumprimento dos termos do acordo de 2015. Do lado do
Irão, parecia haver elasticidade
suficiente para um regresso imediato dos EUA àquela plataforma, de acordo com o
que disse o ministro dos Negócios Estrangeiros numa entrevista a 17 de
novembro. Do lado de Teerão, bastava o fim das sanções impostas
por Donald Trump e a
decisão de Joe Biden de um
regresso àquele compromisso. “Isto pode ser feito automaticamente”, sublinhou
Javad Zarif.
Dez
dias depois daquela entrevista, porém, o cientista iraniano Mohsen Fakhrizadeh, um dos principais responsáveis pelo programa nuclear
do Irão, foi morto
a tiro por aquilo que os media iranianos disseram ser uma metralhadora montada
em cima de uma carrinha pickup armadilhada com uma bomba. Pouco
depois daquele assassinato, as autoridades iranianas apontaram o dedo a Israel.
Mais tarde, disseram que a arma que matou o cientista era da NATO.
Entre tantas incertezas, sobra uma
garantia do lado do Irão: as
violações ao acordo vão aumentar.
Dias depois do da morte de Mohsen Fakhrizadeh, o parlamento iraniano aprovou
uma medida que levará o país a produzir pelo menos 120 gramas de urânio
enriquecido a 20% — acima dos pouco mais 4% praticados até recentemente, que,
por sua vez, já excediam os 3,67% definidos no acordo de 2015. E, mais
recentemente, nos primeiros dias de 2021, Ali Akbar Salehi, director da Organização de Energia Atómica
do Irão, anunciava o enriquecimento de urânio a 20% ao ritmo de 17 a 20
gramas por hora. Esta
medida surge como um impulso da linha dura de Teerão, que se opõe aos mais
pragmáticos e moderados Javad Zarif e também ao Presidente Hassan Rouhani. No
Irão, nesta matéria, o tema parece fugir-lhes das mãos. E, enquanto assim for,
dificilmente Joe Biden voltará a ter um novo acordo para vender em casa.
Coreia do Norte: à espera de um sinal
No
processo de transição da presidência dos EUA para Donald Trump, Barack Obama
avisou o seu sucessor de que a Coreia do Norte viria a ser o seu “problema mais
urgente”. E não foi para menos: 2017, o primeiro ano de Trump, foi
marcado por 16 testes com mísseis balísticos, três dos quais invadiram o espaço
aéreo do Japão, onde os alarmes soaram — literalmente. Outro teste foi
ainda mais preocupante, por ter sido feito com um míssil com capacidade para
conter uma bomba de hidrogénio. Só depois de tudo isto é que se deu uma das
reviravoltas mais inesperadas da política internacional da última década: Donald
Trump e Kim Jong-un anunciaram que estavam dispostos a falar. E, em teoria, a
negociar.
Mas daquelas negociações pouco
resultou. Na cimeira de Singapura, em junho de 2018, ambas as partes chegaram a
um compromisso final vago e que de prático só teve a devolução de ossadas de
soldados norte-americanos mortos e enterrados na Coreia do Norte. Na cimeira de
Hanói, em fevereiro de 2019, a ausência de avanços levou a um fim abrupto da
reunião, ficando para a História a imagem do banquete final e da mesa onde
ninguém chegou a sentar-se. Quatro anos depois da transição de Barack Obama para Donald Trump, não é claro,
afinal, que relação é queTrump deixa a Joe Biden com o regime norte-coreano.
A
partir de Pyongyang, Kim Jong-un pode
aproveitar este momento de dúvida e impasse para agir. É esse o modus
operandi norte-coreano: assustar para negociar. Em suma, bluff — muitas
vezes, a meio de graves crises agrícolas e económicas. Agora, a braços com a pandemia da Covid-19, cujos
efeitos na Coreia do Norte não são exactos, embora se saiba que o regime não
esconde que também ali o vírus já chegou, Kim Jong-un pode voltar a dar
sinais de que existe. “A Coreia do
Norte vai procurar dar um sinal à nova administração de Biden de que não se
deve brincar com a Coreia do Norte, que deve continuar a ser um foco da
política externa de Washington e que os EUA têm de negociar de boa-fé”, escreve na The
Diplomat o
especialista em segurança sul-coreano Lian Tuang Nah. De acordo com este
autor, há quatro opções para o regime da Coreia do Norte
ensaiar uma manobra de “galvanização nacional exibicionista”, que enumera do
menos para o mais provável: “Um teste
com uma ogiva nuclear, provocações militares contra a Coreia do sul, teste de
um míssil balístico intercontinental e teste de vários mísseis de curto
alcance”.
Durante
a campanha, Joe Biden
criticou abertamente a postura negocial de Donald Trump com Kim Jong-un, a quem
chamou de “bandido”. “Os tempos
de nos aconchegarmos a ditadores vão acabar”,
prometeu o democrata. Assim, da parte de Biden, sobram sinais de que as
possíveis provocações de Kim Jong-un poderão resultar num endurecimento da
postura de Washington D.C.. Contudo, não é de ignorar que o secretário de
Estado de Joe Biden, Antony
Blinken, era uma
das vozes mais activas dentro da Casa Branca de Barack Obama a favor de
negociações com o regime de Pyongyang. O estilo, porém, será forçosamente
diferente daquele adoptado por Donald
Trump. “Antecipo que
ele vai demonstrar abertura para conversações com a Coreia do Norte, mas vai
exigir o cumprimento de medidas e não apenas momentos fotográficos”, disse
à agência sul-coreana Yonhap Sue
Mi Terry, ex-analista da CIA e actual investigadora do think-tank Center for
Strategic and International Studies.
Até
agora, Kim Jong-un e a máquina de propaganda norte-coreana ainda não
reconheceram a vitória de Joe Biden. Com aparições públicas cada vez mais
espaçadas, não é garantido que o ditador de Pyongyang venha a falar deste tema
antes do habitual discurso de Ano Novo. Certo é que, em novembro de 2019,
depois de Je Biden ter chamado “bandido” a Kim Jong-un, a agência de notícias
do regime disse que o então candidato era um “cão raivoso” ao qual se deve
“bater com um pau até à morte”. Primeiros
sinais antes do alarme?
Venezuela: olhar para fora com
olhos de dentro
Entre
os países com uma relação conturbada com os EUA, foi da Venezuela
que partiu uma das reacções mais imediatas a felicitar o resultado das
eleições. A vitória dos
democratas foi declarada a 7 de novembro, um sábado. No dia seguinte, Nicolás
Maduro aproveitou o seu programa dominical na televisão estatal venezuelana
para saudar Joe Biden e Kamala Harris, dizendo que estes souberam responder “à
esperança de uma imensa maioria”. E, depois, disse o que nunca dissera a
Donald Trump: queria estabelecer um canal de diálogo directo com a nova
administração norte-americana. “Trabalharemos com fé, com paciência, com a
bênção de Deus, esperemos, para retomar canais de diálogo decentes,
sinceros e directos entre o futuro governo de Joe Biden e o governo legítimo e
constitucional da Venezuela, a que presido”, disse. Esta foi, de resto, uma
aspiração que voltou a reiterar a 8 de Dezembro, dois dias depois das eleições
que, com o boicote da oposição e sem o reconhecimento de
grande parte da comunidade internacional, incluindo a União Europeia, deram ao regime venezuelano o controlo da
Assembleia Nacional. “Esperemos que se instale um novo governo do senhor Joe
Biden, esperamos que eles tenham tempo para pensar e esperamos que abram a
possibilidade de comunicação e diálogo da Venezuela com os EUA.” Ao mesmo
tempo, a vitória de Biden
também foi bem recebida pelas principais caras da oposição. Juan Guaidó
felicitou o democrata e a sua vice-Presidente, afirmando a sua confiança de que
a “próxima administração e o novo congresso” irá continuar a juntar-se na “luta
para cumprir o nosso objectivo mútuo: libertar o povo venezuelano da ditadura”.
A esta declaração, Juan
Guaidó juntou ainda um agradecimento a Donald Trump e Mike Pence,
destacando-lhes a “firmeza e determinação em enfrentar a ditadura de Maduro e
os seus esforços para ajudar o nosso povo que vive hoje uma emergência
humanitária”. A partir de Madrid, também Leopoldo López, que está exilado em Espanha, afirmou que a vitória de
Joe Biden e a sua aproximação poderá levar a uma postura mais unívoca em
relação à Venezuela. “Há aí uma oportunidade”, disse aquele líder da oposição.
O
que parece evidente é que a Venezuela não figura no topo das prioridades da
política externa de Joe Biden. Perante o
nó górdio que se tornou o conflito político em Caracas, cujo regime se tem
mantido à tona com diferentes tipos de ajuda de Cuba (a nível dos serviços de
informação), da Rússia e da China (financeira e humanitária) e
também da Turquia e do Irão (importantes parceiros económicos,
com a primeira a comprar-lhe ouro e o segundo a vender-lhe petróleo), é provável
que a administração de Biden procure estreitar a sua posição com a da União
Europeia e também com o Grupo de Lima, que junta 14 países do continente
americano em busca de uma solução para as várias crises daquele país. Ao tomar
esse caminho, os EUA poderiam prescindir de sanções unilaterais e passar a
aplicá-las em bloco. Contudo, se
a Venezuela não é uma prioridade no que diz à política externa de Joe Biden,
ela pode tornar-se, paradoxal mas também justificadamente, uma prioridade a médio-prazo
no plano da política interna. Aqui, o foco reside no voto latino, em particular aquele que tem origem
em Cuba e na Venezuela.
Perante
as acusações da direita norte-americana de que o Partido Democrata é tolerante
e, muitas vezes, ele próprio um veículo de políticas socialistas/comunistas, os eleitorados cubano e venezuelano tendem a votar
mais em Donald Trump do que em Joe Biden.
Como consequência, a Flórida foi facilmente conquistada pelo republicano. Se em
2016 venceu ali por apenas 112.911 votos (1,2 pontos percentuais sobre Hillary
Clinton), este ano mais do que triplicou essa vantagem ao chegar aos 371.686
votos acima de Joe Biden, correspondendo a 3,36 pontos percentuais a mais do
que o democrata. Como fazer isso? Durante a campanha, Biden prometeu
várias vezes que, ao contrário do de Donald Trump, estaria disposto a
garantir o Estatuto de Protecção Temporária (TPS, na sigla inglesa) a todos os
venezuelanos que cheguem aos EUA. Esse estatuto está previsto para
situações em que o país de origem não seja considerado seguro, tanto pela
existência de um desastre natural ou conflito armado. Os beneficiários do TPS
poderão viver e trabalhar nos EUA enquanto o seu país de origem não for
considerado seguro pelo Departamento de Segurança Interna. “Ele nem sequer dá o TPS aos venezuelanos que fogem do
regime opressivo de Maduro”, disse Joe Biden sobre Donald Trump durante a
campanha. “Eu vou, mas temos de votar”, continuou então, num comício na Flórida
junto de latinos. No final de contas, não votaram nele — mas isso não o iliba
de, agora, cumprir o que prometeu.
Rússia: continuar o caminho de Trump, apesar de tudo
Em
2011, numa altura em que Moscovo e Washington D.C. tentavam dar uma última
oportunidade à política de “restart” defendida por Barack Obama, Joe Biden
visitou o Kremlin a convite de Vladimir Putin. Ali, de acordo com o que o então
vice-Presidente viria a contar mais tarde à New Yorker, Biden fez teve direito a uma visita guiada do
chefe de Estado russo. Atrás de Putin, e com a ajuda de um intérprete, não se
coibiu de provocar o anfitrião. “As coisas que o capitalismo é capaz de
fazer são incríveis, não são? É um escritório magnífico”, disse o
norte-americano. Vladimir Putin riu-se e, de acordo com o relato de Joe
Biden, este aproximou-se do russo e disse: “Senhor primeiro-ministro, estou a
olhá-lo nos olhos e não creio que você tenha uma alma”. Vladimir Putin voltou a
rir. E respondeu-lhe: “Entendemo-nos um ao outro”. É, pois, uma relação
antiga e difícil aquela que estes dois líderes se preparam para retomar. Depois
das tentativas de “restart”, o regime russo entrou numa espiral repressiva
dentro de casa (como meio de resposta às manifestações do final de 2011 e
início de 2012) e num novo impulso expansionista fora das suas fronteiras. No caso da Crimeia, anexada à revelia da lei internacional, essa
expansão foi mesmo literal. No caso da Síria, onde o exército russo socorreu Bashar al-Assad e
o poupou a uma derrota quase certa, reforçou as suas capacidades militares.
E sobra ainda o campo cibernético e da desinformação, com o Kremlin a financiar várias operações de que vão
desde o soft power (com o canal Russia Today e a agência Sputnik) à
disseminação de notícias falsas dirigidas a países adversários, da Europa aos
EUA. Apesar de brando no discurso e na metodologia perante Vladimir Putin,
Donald Trump não desviou os EUA do regime de sanções que decidiu aplicar desde
a anexação ilegal da Crimeira em 2014, era ainda Barack Obama Presidente dos EUA.
E, do ponto de vista formal, Trump
hostilizou a Rússia de duas formas. A primeira,
por não ter permitido a renovação do Tratado de Forças Nucleares de Alcance
Intermédio (INF, na sigla inglesa) — um documento já em muito caduco, por ter
sido assinado em 1987 e ter em vista a tecnologia militar de então, mas, ainda
assim, simbólico. Mais importante, porque munido de maior valor prático,
é o acordo New START, de 2010, que Donald Trump renovou em 2018 e que Joe Biden
já disse estar disposto a renovar antes de este expirar, a 5 de fevereiro de
2021. Este poderá vir a ser, por isso, um dos seus primeiros
gestos internacionais — ao que deverão ajudar os vários pedidos de Vladimir
Putin para uma nova extensão, até aqui ignorados ou rejeitados por Donald Trump. A segunda, por ter criticado recorrentemente o Nord Stream 2, o
gasoduto que pode mais do que duplicar o abastecimento de gás natural da Rússia
directamente à Alemanha. Das
críticas, Donald
Trump passou
mesmo às sanções, que aplicou especificamente aos navios utilizados na
construção do gasoduto. Foi uma medida mal recebida em Berlim (aliada dos EUA
na NATO) e ressentidas também em Moscovo. Aqui, Joe Biden
acompanha e até precede Donald Trump, uma vez que já em 2016 dizia que aquele
gasoduto era uma “má ideia” — opinião que é partilhada por várias capitais
europeias. É, por isso, possível que mantenha essas sanções e Vladimir Putin, o homem “sem alma”, fique também sem
gasoduto.
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UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO
COMENTÁRIOS:
Anibal Augusto Milhais: Já estou a ver
a "cheganada" a "alistar-se" para ir combater os países do
"eixo"! As novas "cruzadas" contra os infiéis! Fabianismo
Sosseló: Fabianito Putin é melhor que qualquer
Biden/kamala Harris ou muito melhor que qualquer serviçal/submisso da UE.
Cucurucucu Antes pelo contrário: "O que fará Joe Biden com o novo "Eixo do Mal"?
Provavelmente o mesmo que já fazia antes
com ele. Negócios de
armas e petróleo com a Ucrânia e com a China. Para o bolso dele e da família - claro. "Joe Biden: "If the prosecutor is not fired,
you're not getting the money" - procurem o vídeo. E quando Trump falou com o Presidente Ucraniano e lhe
pediu que investigasse o Biden - a "Bruxa má" Pelosi pôs-lhe um
"Impeachment", em vez de exigir que isto fosse tirado a limpo. Pulhas! Anibal Augusto Milhais > Antes pelo contrário: Estrebucha para aí "chegano"! Maria
L Gingeira: A frase “a América está de volta”
revela uma grande arrogância da parte do novo presidente. É desde logo
considerar que o seu país, com tantas lutas para ser hoje a maior potência do
mundo se resume a ser caracterizado pelo mandato político de um republicano ou
de um democrata, no caso. É usar a estratégia de reduzir a si mesmo e à sua
eventual acção o destino de uma nação que Biden parece querer ignorar que sabe
bem o que quer. É retirar maturidade às pessoas. É a eterna ideia de esquerda
de que chegam ao poder e mudam o mundo de cima para baixo, ignorando as bases.
É desafiar a história e a própria democracia, que se faz de ideais diversos, para
que haja sempre alternativa. Este
discurso do “cheguei, sou o bonzinho que vem resgatar os EUA” diz tudo. De
facto regredimos muito no combate político que voltou a ser um confronto do
género “embora ver quem dá a volta a mais pessoas para ser o
maior”. Trump usou
outro tipo de arrogância. Por ser alguém que os americanos conhecem muito bem,
achou que podia ser excêntrico e agir com se estivesse em permanente festa
entre amigos, dizer o que lhe vinha à cabeça e desafiar o Establishment qual
rebelde, em parte porque era acossado por uma imprensa hostil, que se lhe opôs
sempre. Biden vai entreter-nos com episódios de arrogância refinada, dentro do
politicamente correcto, sempre em pose para ficar bem na fotografia, com a
imprensa a prestar-lhe vassalagem, algo que também cá sabemos bem como funciona.
De resto, no contexto em que vivemos vai atirar dinheiro para cima dos
problemas e não deverá ter grande espaço de manobra para deixar marca. Contudo,
a imprensa interpretará em cada acção sua uma “boa fé” que o senhor já mostrou
não ter. Ele é tudo menos conciliador e se os EUA entrarem em crises de revolta
social será por Biden querer a desforra de Trump do caso da Ucrânia e não
porque o deposto presidente permaneça empenhado em mobilizar forças que
incomodem a nova administração.
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