A Carlos do Carmo, que também
tantas coisas evocou, de uma Lisboa que amou. Henrique Salles da Fonseca ajuda a
objectivar, sem alegorias, mas com idêntica ternura.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA A BEM DA NAÇÂO, 3.01.21
«O
PINZALEIRO»
Quem
percorrer a toponímia de Lisboa há-de encontrar o «Pátio do Pinzaleiro», ali às
Janelas Verdes e, tal como eu, ficará a pensar no que será um pinzaleiro. Então,
para melhor entendimento deste meu interesse, começo por me identificar como
proprietário naquele local tendo, na infância, ouvido dizer que o pinzaleiro
era um galego que ali vivia ou trabalhava. Não imagino quando o tal galego por
ali esteve. E da infância à idade da calmaria me fiquei sem tempo nem
curiosidade especial que me levasse à busca da etimologia do termo enigmático. Até
que a minha neta, meia espanhola e meia portuguesa, então com 6 anos, pede à
avó (a minha mulher) que lhe empreste «pinzas» para as suas brincadeiras
infantis. E lá ficou a avó a dar tratos à imaginação sobre o que seria que a
pequena pedia. Perguntado, confessei de imediato a minha ignorância mas sugeri
que déssemos os três uma volta pela casa para que ela identificasse o que
queria. Não foi sequer necessário eu levantar-me daqui do computador porque
logo a pequena explicou que eram aquelas coisas com que se põe a roupa a
secar. Aí estava o mistério esclarecido e logo a avó lhe pôs à disposição um
balde de molas para a roupa.E aí está também o meu mistério de infância
esclarecido: o galego era conhecido por «o pinzaleiro» porque fabricava
«pinzas» - molas para pendurar a roupa a secar – e quase de certeza que t eria
o seu estabelecimento no actual número 28B do local no qual foi substituído por
um carpinteiro e, já no meu tempo, por um restaurante que ainda existe.
Que
fale agora quem tiver melhor explicação ou cale-se para sempre!
Janeiro de 2021 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim 03.01.2021: Muito
bom. Para o livro "Lisboa de Outros Tempos"!
Henrique
Salles da Fonseca 03.01.2021:
O livro chama-se «URBI ET ORBE» e inclui as minhas
viagens desde 1972 (a grande viagem do norte ao sul de Moçambique) até ao
cruzeiro nas Caraíbas em 2020. O capítulo de Lisboa é intemporal. Não tenho
tempo para procurar editor, vou fazer edição própria no «Sítio do Livro». Procurar
editor e negociar as condições da edição rouba tempo à criação de novos textos
e o tempo é escasso. Anónimo 03.01.2021: Não sendo grande conhecedor da língua portuguesa
quer-me parecer que existe uma palavra, pinças, muito parecida com a palavra
"pinzas". E que, agora já estou a especular, "pinzaleiro"
será um fabricante/reparador de pinzas. E que pinzas será o nome que os galegos
(e talvez os espanhóis) dêem às molas de roupa. Henrique Salles da Fonseca 03.01.2021: A minha «conclusão» é claramente especulativa. Em
castelhano (e em galego?) as molas da roupa são «pinzas»; admito que em
castelhano, ao fabricante/reparador de «pinzas» se chame «pinzallero» (será???)
pelo que o termo, devidamente agalegado/aportuguesado, possa ter visto o fonema
«...llero» transformado em «...leiro». Será? Não tenho bases científicas, é
apenas especulação. Venha quem saiba melhor explicar. Henrique Salles da Fonseca 03.01.2021: Estimado Dr. Henrique Salles da Fonseca, Que deliciosa
estória, em que nos vemos a percorrer o “Pátio do Pinzaleiro” e a pensar no
porquê do nome! A explicação para o Pátio ter esse nome, é deliciosa e
esclarecida de uma forma muito imaginativa. Por outro lado, a história que
envolve a neta, está repleta de ternura. Sensibilizou-me pela criatividade e
pelo carinho! Fez-me também recuar à minha infância e à história que o meu pai
me contava da sua Mãe que se chamava Emília, e que morreu dias antes de eu
nascer. E a história verídica é esta: “…Naquele tempo eu ainda não tinha
nascido e já tinha cinco tios e uma avó, a Emília. Os tios do lado paterno eram
de facto cinco, mais concretamente três raparigas e dois rapazes que a avó
Emília criou, quase sem o apoio do seu homem, pois segundo dizem, o avó Eduardo
passava todo o tempo fora de casa e não podia dedicar-se à pequena quinta onde
a avó semeava, ordenhava, cozia, penteava os cabelos das filhas pela manhã e
era a autoridade dentro e fora da casa. A avó Emília era uma mulher do campo,
casada, mas sempre solitária pois o seu homem queria era tratar dos papéis, do
resto que se ocupasse ela! Quando havia vento, a avó Emília, andava a falar
pelos cantos da casa, a filharada tinha frio, o vento entrava pelas inúmeras
frestas das portas ou das janelas e ela não tinha homem habilidoso como as
outras que lhe carpinteirasse umas tábuas para que o vento frio não lhe
deixasse a rapaziada encolhida dentro de casa... Ah, mas a avó Emília,
arranjava-lhes tarefas para que não houvesse tempo de sentir o frio! O mais
velho ia rachar lenha para colocar no lume, sim porque todas as cozinhas tinham
uma grande lareira onde cabiam todas os tachos e panelas e onde a pequenada se
sentava em bancos de madeira que aprendiam a fazer para se sentarem em frente
ao lume. Depois vinham as “chouriças nas pernas”, daquelas que doíam ao tomar
banho naquelas grandes banheiras redondas que consumiam a água toda que havia
nos cântaros!
A avó não desistia de arranjar tarefas: havia outros que tinham de descascar
feijões, as meninas encarregavam-se disso e de fazer o caldo, outras coziam as
meias esburacadas dos irmãos. Sim, a avó Emília era uma mulher de coragem, às
vezes, dizem, saía de noite, ainda o seu homem não tinha chegado a casa e
olhava o luar, um luar gordo que lhe iluminava o pátio todo. Sentava-se então
sozinha a descascar milho, noutros dias ia a casa da prima Aurora costurar umas
bainhas, deixando os pequenos já na cama. Por vezes, os cães ladravam, outras
vezes os lobos uivavam, ali perto: havia que ir ver as galinhas e a criação não
fossem os lobos dizimar tudo!
E era assim que a avó vivia, cheia de amor para dar, queixando-se sem se
queixar...até que um dia, dizem, apanhou tanto frio que caiu doente, cada dia
mais doente que o anterior e antes de partir perguntou ao filho mais velho, que
já era casado com a sua Maria que estava grávida, se já tinha nome para a
criança que ia nascer e o filho respondeu-lhe que se fosse menina seria Emília
como ela e, dizem: sorriu, fechou os olhos e nunca mais os abriu!!
Esta foi a única Emília que conheci
através dos outros que talvez agora esteja bordando conversa, em noites de
vento e de lua cheia, com a outra Emília, a Brontë pois esta também segundo
dizem, tinha uma paixão secreta pelo vento e fugia pela porta das traseiras,
sempre que ouvia o seu assobio! ===================================================
Meu Caro Dr Henrique: como sei que é apreciador de histórias e esta é
verdadeira apenas ficcionada num ou outro pequeno pormenor, ofereço-lha. Uma
vez mais que seja um MUITO BOM ANO para todos nós Os melhores cumprimentos da Mª
Emília Gonçalves Anónimo 04.01.2021: : Como
ameaçaste, Henrique, que quem não falasse agora se calasse para sempre, e para
que eu não me cale já, então falo. Consultada a internet, diz que segundo o
Dicionário Onomástico e Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro
Machado, a origem da palavra pinzaleiro está, provavelmente, em pinzel, antiga
forma de pincel. Convenhamos que o valor acrescentado de um pincel sempre é
maior do que de uma mola para pendurar roupa… Abraço. Carlos
Traguelho
NOTAS DA INTERNET:
Carlos do Carmo cantou:
No Castelo,
ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaço o novelo de azul e mar
À Ribeira
encosto a cabeça
A almofada, da cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo
Lisboa
menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a
ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
No Terreiro eu
passo por ti
Mas da Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua
E no bairro
mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar
Lisboa
menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a
ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
Lisboa no
meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
Fonte:Musixmatch
Compositores: Manuel Paulo De Carvalho Costa / Joaquim Maria
Pessoa / Fernando Travassos Tordo / Jose Carlos Pereira Ary Dos Santos
Letras de Lisboa, Menina E Moça © Peermusic De Portugal Unipessoal Lda.
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