sábado, 16 de janeiro de 2021

«Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!»


Alberto Gonçalves insiste na sua análise negativa do professor Marcelo, como presumível vencedor de novo mandato presidencial, centrado nos aspectos negativos de uma conduta presidencial de solidariedade com o governo de A. Costa, para além de outras características de um exibicionismo pessoal que não quebra, sempre indiferente às críticas negativas que já terá lido, ou cuja leitura talvez despreze. Também votei nele por idênticos motivos que levaram Alberto Gonçalves a não votar no Prof. Nóvoa: MRS figuraria no governo como contrapeso a uma tendência escorregadia versus a mesma esquerda, de um A. Costa que dela dependia. Julgo que, apesar de tudo, serviu um pouco esse efeito. Caso o prof. Nóvoa fosse o escolhido, talvez hoje estivéssemos decididamente vinculados a um governo de sinistra esquerda, sem qualquer moderação. Talvez o prof. Marcelo tenha sido um moderador, apesar do exibicionismo bonacheirão … 

É por estas e por outras que não voto no prof. Marcelo /premium

Em 2016, votei no prof. Marcelo porque receei a vitória daquele dr. Nóvoa e porque eu devia estar maluco. À época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum.

ALBERTO GONÇALVES, COLUNISTA DO OBSERVADOR

OBSERVADOR, 16 jan 2021

A 9 de Janeiro, para justificar novo “confinamento”, ou a prisão domiciliária de milhões de pessoas, o prof. Marcelo acusou os portugueses de quebrarem o “pacto de confiança” e passarem o Natal a contaminar-se com o vírus. A 10 e 11 de Janeiro, o prof. suspeitou estar infectado e desatou, “de duas em duas horas”, a submeter-se a testes à Covid, cujos resultados oscilantes mandou publicar no “site” da presidência e cuja reputação saiu arruinada do episódio. A 12 de Janeiro, o prof. Marcelo afirmou-se “muito irritado” com as autoridades da saúde, não por estas terem voltado a cancelar o tratamento a inúmeros cancerosos, condenando-os a uma morte quase certa, nem por continuarem a desprezar os hospitais privados no combate à epidemia, mas por não lhe darem um esclarecimento escrito sobre a participação dele num debate televisivo. Ainda a 12 de Janeiro, o prof. Marcelo propôs à AR o prolongamento do estado de emergência até ao fim do mês, agora com a possibilidade de “medidas de controlo de preços e combate à especulação ou açambarcamento de determinados produtos”. A 13 de Janeiro, data de uma “comunicação” do dr. Costa que oficializou a situação ditatorial no país, soube-se também que o Ministério Público andou a espiolhar dois jornalistas, embora sobre ambas as coisas o prof. Marcelo ficasse calado. A 14 de Janeiro, o prof. Marcelo achou “inevitável” o aumento da dívida, visto que “não há outro remédio”, e que é “importante” que a PGR investigue o que ocorreu com os jornalistas investigados pela PGR, supostamente “doa a quem doer”. A 15 de Janeiro, o prof. Marcelo já fez mais de 80 (oitenta) testes à Covid e prepara-se para apoiar o “confinamento” até à Primavera, Deus sabe de que ano.

Em menos de uma semana, eis uma compilação representativa do homem que ocupou a chefia do Estado nos sessenta meses anteriores e que, salvo envenenamento por zaragatoas, a ocupará nos sessenta que se seguem. Desprezo pelos cidadãos. Paternalismo. Demagogia. Hipocondria. Privilégio. Egocentrismo. Obsessão com o próprio umbigo. Pavor face à eventual impopularidade desse umbigo. Horror ao confronto. Fogachos autoritários. Indiferença estratégica perante as acções calamitosas, e frequentemente criminosas, do governo. Desdém dedicado às consequências ou inconsciência das mesmas. Apreço pela conversa fiada. Relativa infantilização do cargo e do mundo em redor. Nestes dias, faltou apenas a apetência do prof. Marcelo em despir-se à nossa frente, talvez desaconselhado pelo frio.

Em 2016, votei no prof. Marcelo porque receei a vitória daquele dr. Nóvoa, porque imaginei que servisse de contrapeso à frente de esquerda no poder e porque eu devia estar maluco. À época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum. Os estragos que o dr. Costa causou nestes cinco anos só têm rival na placidez com que o prof. Marcelo os permitiu e legitimou. Não é uma surpresa que um caudilho com um passado estalinista e um presente desprovido de escrúpulos lidere um projecto autocrata e ruinoso. Porém, confesso relativa surpresa com o incondicional beneplácito do prof. Marcelo no processo, aliás indispensável ao respectivo êxito. A prepotência do pior primeiro-ministro desde Vasco Gonçalves não dispensou o pior presidente desde Américo Thomaz ou o dr. Sampaio, que pelo menos não tiravam “selfies”.

Segundo diversos comentadores, e um ou dois que sinceramente estimo, a reeleição do prof. Marcelo é a garantia de que o PS não toma conta de tudo. Percebo a ideia. Infelizmente, a ideia não percebe a realidade. Sob a atentíssima vigilância do prof. Marcelo, o PS conquistou o Tribunal de Contas, o Banco de Portugal, a Procuradoria-Geral da República e uma infinidade de órgãos secundários e terciários por aí abaixo e pelo país afora. Além disso, com inédita desfaçatez, o PS transformou o compadrio em moeda de troca, o empobrecimento em modo de vida e, sob a conivência jovial do prof. Marcelo, a impunidade em habitat natural. Na resistência à ofensiva totalitária dos socialistas, o prof. Marcelo é a aldeia do Astérix, se a aldeia do Astérix oferecesse um banquete aos romanos e a chave honorífica a um centurião. Em lugar da garantia de que o PS não toma conta de tudo, o prof. Marcelo parece garantir de que ao PS não escapa nada, incluindo, dadas as circunstâncias, a própria presidência da República.

Dadas as circunstâncias, é inútil especular sobre o que seria de nós caso Belém estivesse nas mãos de um marxista confesso. Basta constatar o que é de nós estando Belém assim como está. E concluir que dificilmente poderíamos estar mais condenados à desgraça. De facto, convém ao dr. Costa ter um alegado “social-democrata”, ou “liberal-social” ou lá o que é a amparar-lhe o fanatismo e a inépcia. Um camaradinha do partido evidenciaria em excesso a arbitrariedade do regime – um “adversário” (risos) suaviza-a e ajuda a simular “pluralismo” e “democracia”, principalmente entre os distraídos e os comatosos. E principalmente na ausência de oposição.

Corre por aí que não compete ao prof. Marcelo substituir-se a uma oposição com a vitalidade dos pisa-papéis. Formalmente, é verdade. Na prática, nunca foi tão necessário um presidente capaz de escrutinar o governo e afrontar os seus abundantes excessos. E nunca, antes do prof. Marcelo, um presidente abdicou tão radicalmente dessa função. Durante cinco anos, o prof. Marcelo preferiu a “estabilidade”. Haverá mais cinco anos para confirmar que a “estabilidade” dele não se distingue da nossa miséria, material e não só. Mas, desta vez, não com o meu voto. É melhor perder com decência que ganhar com vergonha.

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