sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Um nome a fixar


O de Paulo Guinote, professor do Ensino Secundário que, não só põe corajosamente o dedo nas nossas muitas feridas de um “faz-de-conta” governativo, basto em amplificação palavrosa escondendo as muitas inépcias e omitindo as reais carências de um ensino que de repente passou capciosamente a ser único incólume num não-confinamento que a todos os mais cidadãos se exige (com as excepções dos chamados ao sacrifício de zelar por todos nós). Dois textos deste professor, separados por alguns dias, a provar tais irregularidades de uma governação nitidamente desarmada e perdida na contradança das suas ordens e contra-ordens, prova da trapalhada governativa em que envolveu o país, escondendo as reais carências, como demonstra Paulo Guinote. Mas ainda bem que o sr. PM mandou encerrar as escolas…

I- OPINIÃO: Um confinamento de portões abertos?

Como é possível existir um “confinamento” com mais de milhão e meio de alunos dos vários níveis de ensino em circulação pelo país? Com tudo o que isso implica de utilização dos transportes públicos ou deslocação de familiares? Poderá isso ser considerado um “confinamento”?

PÚBLICO,  8 de Janeiro de 2021

Leio no PÚBLICO, com inegável espanto, que o primeiro-ministro considera a possibilidade de um novo confinamento mas que “a grande diferença em relação ao confinamento de Março será relativamente às escolas, que se deverão manter abertas e com aulas presenciais. Mas como é possível existir um “confinamento” com mais de milhão e meio de alunos dos vários níveis de ensino em circulação pelo país? Com tudo o que isso implica de utilização dos transportes públicos ou deslocação de familiares? Poderá isso ser considerado um “confinamento”?

Não vou entrar pela questão da aparente crença num milagre de “contágio zero” nas escolas, pois só quem por lá anda sabe o secretismo que tem envolvido a divulgação de situações verificadas entre alunos e professores, tenham origem nos respectivos ambientes familiares ou em outros ambientes extra-escolares. Nem sequer explicar por que o fecho das escolas em Março teve uma grande responsabilidade na redução da circulação de pessoas e no controle dos contágios durante a chamada “1.ª vaga”.

Gostaria apenas de abordar, de forma breve, as razões para que se contemple um eventual novo confinamento com as escolas de portões abertos sem que isso não pareça uma piada de fraco gosto. Porque algumas das razões me parecem evidentes e consequência directa do modo displicente ou meramente incompetente como, da Primavera de 2020 até agora, se encarou a preparação das comunidades educativas para a eventualidade de uma previsível 2.ª vaga da pandemia a coincidir com o Inverno de 2020-21.

Apesar de sucessivos anúncios de centenas de milhares de euros para a Transição Digital na área da Educação (400 milhões), em grande parte enquadrados no Plano de Recuperação e Resiliência (no qual se anunciaram 538 milhões de euros para as escolas), a realidade é que os primeiros kits tecnológicos para os alunos mais carenciados chegaram à generalidade das escolas com o 1.º período a finalizar e numa quantidade manifestamente insuficiente para as necessidades identificadas durante o falhado período de E@D. Se existe cerca de 20-25% da população sem acesso doméstico à internet e se será maior a quantidade que, mesmo com esse acesso, não tem equipamentos disponíveis ou adequados para seguir um modelo de ensino remoto, não-presencial, os 100.000 kits (terão custado 30-35 milhões de euros?) que foram distribuídos estão muito longe dos meios indispensáveis.

Por outro lado, só este mês está a arrancar um Plano de Capacitação Digital de Docentes que, para além da capacitação de docentes, previa “i) a disponibilização de equipamento individual ajustado às necessidades de cada nível educativo para utilização em contexto de aprendizagem; (ii) a garantia de conectividade móvel gratuita para alunos docentes e formadores do Sistema Nacional de Qualificações [e] (iii) o acesso a recursos educativos digitais de qualidade”. Só que nada disto ainda existe. Pelo menos nas escolas. Aliás, na generalidade dos equipamentos disponíveis nem sequer existem webcams que permitam assegurar um ensino remoto a partir do espaço escolar. Pelo que, nas situações em que tal foi necessário devido a situações em que alunos ficaram impedidos de assistir presencialmente às aulas, muito teve de ser feito com base no improviso ou no bom e velho “desenrascanço”. Que não pode ser a regra. Como não podemos ter um novo período de E@D baseado nos equipamentos pessoais dos docentes e no seu espírito de missão. Porque tudo poderia ser feito com os professores nas escolas e os alunos em casa, se já tivesse sido criada uma rede digital funcional, em vez de se andar a filmar umas aulas de escassa utilidade para o #EstudoEmCasa.

É esta óbvia falta de meios para concretizar com alguma qualidade um novo período de ensino não-presencial, em associação a alguns atávicos preconceitos sobre o trabalho docente que não é momento de recuperar, que explica que se considere um novo confinamento com as escolas abertas. Passou quase um ano e muito pouco está diferente. Perdeu-se demasiado tempo, pois desde Junho se sabe porque as coisas não correram bem e porquê. Se o tempo que vivemos é de emergência, é importante que se actue com rapidez e eficácia, não com hesitações ou calculismos políticos que apenas parecem preocupados em transmitir a ideia de uma impossível “normalidade”.

Nem faz sentido regressar o chavão de que, fechando as escolas, “a economia pára”, porque o país precisa mesmo de parar. A dias do primeiro confinamento escrevi que “sem as escolas a funcionar, o país entra em colapso”. O problema é que, desta vez, é muito possível que tenhamos de fechar tardiamente as escolas, por já estar o país em colapso.

Professor do 2.º ciclo do Ensino Básico

TÓPICOS

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COMENTÁRIOS:

Jeine Ósten EXPERIENTE: Os professores conseguiram durante o confinamento adaptar-se e usar todos os meios para que as aulas continuassem à distância. Mas, claro, houve muita reclamação, por variados motivos, alguns muito pouco atendíveis. Um comentador deste jornal bastante protestou. E tudo aquilo que foi feito foi por água abaixo. O triste é que muitos professores meus amigos me dizem que vão ter formação obrigatória nas TIC, para obtenção de "competências digitais", para estarem à altura de trabalhar em plataformas e mais plataformas, para se prepararem para o ensino à distância. Sim, porque se entrou em delírio "platafórmico"-burocrático . O costume, nas escolas, para ficar bem nos relatórios da avaliação externa. Confinamento com uma multidão de professores e alunos a circular pelo país? Seja! 08.01.2021

Jose Luis Malaquias EXPERIENTE: Bravo. Precisava de ser dito! Basta olhar para as curvas de correlação entre o número de contágios e o período de abertura das escolas em toda a Europa para concluir essa verdade básica de que as escolas são o principal veículo de contágio. Ou alguém acredita que 30 pessoas fechadas numa sala várias horas, a respirar o mesmo ar, deixarão inevitavelmente de se contaminar? Além de que, ao saírem das aulas, os estudantes andam em molhos, sem máscara, sem cuidados, aumentam a densidade de passageiros nos transportes colectivos e, no final, levam para suas casas, o vírus, num mecanismo de transmissão, que une a quase totalidade das famílias portuguesas. 08.01.2021 12:16

Ângelo S Pereira MODERADOR: Ainda bem que alguém decidiu tocar neste ponto, porque realmente é preciso falar dele. O sr. Primeiro Ministro considera-nos parvos? Creio que não. Creio até que está convencidíssimo de que está a tomar decisões extraordinárias e brilhantes. Aprendeu a arte de tomar medidas sem as tomar e agora não quer outra coisa. Se pensarmos bem, andamos nisto há vários meses: confinar sem confinar; restringir sem restringir; limitar sem limitar; encerrar sem encerrar. Essa é uma das grandes razões pelas quais a situação continua a agravar-se.

 

II -O fracasso da educação digital

Transição digital? Sim, mas devagarinho. Quiçá para uma 4.ª ou 5.ª vaga esteja tudo mais ou menos remendado. O século XXI terá de esperar mais um pouco.

PÚBLICO; 22 de Janeiro de 2021

A decisão inédita e algo inesperada de fechar durante duas semanas (até ver) todas as escolas por completo, incluindo o chamado ensino à distância, para além de demonstrar até que ponto o Governo perdeu por completo o rumo nestas duas últimas semanas, é uma declaração ruidosa do fracasso do projecto a que chamaram pomposamente Escola Digital, prometendo o primeiro-ministro 400 milhões para o efeito, há mais de sete meses.

Depois de tanta declaração entusiasmada e mobilizadora sobre a modernização digital das escolas, sobre o “salto” indispensável para uma “Educação para o século XXI”, condição maior para a preparação das novas gerações para a “Economia do Conhecimento”, chegamos a esta semana praticamente sem nada de novo a esse nível, ou pelo menos sem nada de verdadeiramente operacional. Mais de sete meses depois, período durante o qual muito tempo se perdeu em outras irrelevâncias ao gosto dos governantes da área, agarrados às suas “convicções” particulares e muito pouco abertos às necessidades reais das escolas.

Passo a um inventário curto dos mais evidentes inconseguimentos:

Em relação aos alunos “mais desfavorecidos” de que alguns falam, embora em teses e com muita distância do seu real quotidiano e preocupações, a larga maioria dos que não tinham conseguido aceder ao E@D após Março, continuam sem equipamentos disponíveis, apesar de uma espécie de sprint trôpego para distribuir uma parcela curta a partir de meados de Dezembro. Os 100.000 kits tecnológicos são menos de metade do “essencial” para garantir que não aumentam as “desigualdades”. Se 20-25% dos alunos e famílias não tinham capacidade para seguir o ensino à distância há perto de um ano, isso implicaria, no mínimo, a disponibilização de 200 a 250.000 kits. Os dados mais recentes do Estado da Educação (edição de 2019) apontam para mais de 360.000 alunos com Apoios da Ação Social Escolar, com 13% (secundário) a 24% (2.º ciclo) dos alunos matriculados nos vários ciclos de escolaridade a beneficiar do escalão A/1.

– Em relação aos professores, terminou na segunda-feira a fase de diagnóstico das competências ou capacidades digitais. Os meses anteriores foram gastos na tradicional “formação de formadores”, tão cara a qualquer “projecto” nacional na área da Educação. Equipamentos para uma situação de ensino misto ou não-presencial que não passem pelos dos próprios professores? Até agora zero e parece que só haverá, em sistema de usufruto temporário, para quem frequentar as futuras formações que, por este andar, talvez estejam terminadas pela Páscoa, na melhor das hipóteses. Como em tantas outras ocasiões, muita preocupação em alimentar a “estrutura”, pouco empenho em chegar a tempo ao terreno. E mais interesse em veicular ideologia e demagogia do que em dar atenção ao que faz falta imperiosa no dia-a-dia dos docentes e escolas.

– E o que dizer do Estudo Em Casa, que ainda anda a transmitir aulas que, pelos vistos, não servem para nada, excepto para compensar alguns serviços prestados à tutela e alimentar umas quantas vaidades, por muito mérito que tenham os colegas que por ali andam e tiveram a sorte de dar aulas um ano inteiro para as câmaras, sem o ruído da petizada e materiais para ver e classificar? Para que serve aquilo se, com uma interrupção das aulas presenciais, se esquece a sua existência, bem como dos laboriosos planos feitos em quase todos os agrupamentos e escolas não agrupadas para a eventualidade de se passar ao ensino misto ou não-presencial?

Parece evidente que nunca se pensou ser mesmo necessário encerrar as escolas e, portanto, tudo foi sendo feito com todo o vagar e a displicência que caracterizam aquilo que não se leva a sério e se vai fazendo porque enfim. Talvez o nervoso, irritação e teimosia do ministro Tiago (e do próprio primeiro-ministro) resultem da consciência de que, no caso de ser preciso passar para novo período de E@D, se perceberia com muita clareza tudo o que não foi feito apesar de gongóricas promessas ou que está a ser feito a um ritmo impensável, acaso fosse uma emergência bancária.

Preocupação com “os mais desfavorecidos”? Com “o agravar das desigualdades”? De palavras andamos fartos, de actos é que a mingua é forte.

Transição digital? Sim, mas devagarinho. Quiçá para uma 4.ª ou 5.ª vaga esteja tudo mais ou menos remendado. O século XXI terá de esperar mais um pouco.

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