Conclusivo. Exemplificativo da tese do
tribalismo ditatorial. Pelos gerais ataques que recebeu, da esquerda exemplar, JMT
é, de facto, o centro deste debate que procurou. Apesar de André Ventura ser o pretexto. Coloco apenas dois
comentários mais substanciais. Continuo a achar que o pensamento de JMT é equilibrado e certeiro.
OPINIÃO
Pequeno ensaio sobre o tribalismo – parte 3
Não é possível desarmadilhar o
tribalismo enquanto não for rompida a esparrela do confronto entre justos e
deploráveis, e enquanto enchermos o espaço público com palavras-cianeto, que
matam o interlocutor à primeira dentada.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
PÚBLICO, 2 de
Janeiro de 2021
Em
tempos politicamente moderados, quem discorda de mim é meu adversário. Em
tempos politicamente extremados, quem discorda de mim é meu inimigo. E
em tempos de crescimento acelerado do tribalismo, as
conversas vão-se tornando cada vez mais difíceis, até se tornarem impossíveis.
O Outro deixa de ser reconhecido como um interlocutor válido, e num confronto
entre justos e deploráveis não há plataforma mínima de entendimento. Para citar
Mamadou Ba, num cristalino artigo no Expresso: “Uma ponte supõe duas
margens, e qual a margem para acomodar a indignidade?”
Qual,
de facto? Não existindo ponte, o meio da ponte é um lugar inabitável. Quem
se recusa a pertencer a qualquer um dos extremos é inimigo de ambos os lados.
Ou, se tiver sorte, vai sendo colocado num ou no outro extremo consoante o recheio
das suas intervenções. É este (inevitável) empurrão para dentro das trincheiras
que gostaria hoje de analisar aqui, com recurso ao exemplo que tenho mais à mão
– eu próprio. Em 2020 escrevi vários artigos sobre André Ventura, acusando-o de contradições patéticas, de fazer sugestões escabrosas e de ser uma má ideia fortalecer a direita radical só
para chatear a esquerda. Mas, aquando da coligação dos Açores, e mais tarde quando
duas candidatas presidenciais sugeriram a ilegalização do Chega, defendi que o
partido tinha os mesmos direitos constitucionais que os
restantes partidos, e que o PSD tinha toda a legitimidade para se coligar com
quem bem lhe apetecesse. Chamei ainda a atenção para o facto de a
política ser uma escolha entre males menores, e não uma
escolha entre bens maiores.
Isso
significa que durante os primeiros dez meses de 2020 fui atacado pelos
simpatizantes do Chega por ofensas ao partido, e durante os últimos
dois meses de 2020 fui acusado de estar a promover o Chega e, com ele, a normalizar o
fascismo. Dizer que Ventura tem direito à existência política é
ser amigo de Ventura. Dizer que o PSD tem direito a coligar-se com o
Chega é ser amigo de Ventura. Dizer que à esquerda não faltam tomadas de
posição igualmente abjectas é ser amigo de Ventura.
A única forma de não se ser amigo de Ventura é dizendo de Ventura aquilo que
a esquerda nos manda dizer. Ou seja, só se saltarmos para a trincheira que é –
obviamente, claramente e sem quaisquer dúvidas – habitada pelas pessoas de bem.
Mais
uma vez, minamos a vida pública com um número absurdo de interditos, que impossibilitam
o debate. Há coisas
que não se discutem, e basta querer discuti-las para entrar na trincheira
inimiga. Ventura é fascista – como debater com fascistas? Ventura é racista
– então como debater com racistas? Não é possível desarmadilhar o tribalismo
enquanto não for rompida a esparrela do confronto entre justos e deploráveis, e
enquanto enchermos o espaço público com palavras-cianeto, que matam o
interlocutor à primeira dentada.
Para
acabar com o neotribalismo,
é preciso recuperar a capacidade de defender publicamente os nossos melhores
valores, o que é radicalmente diferente de os sacralizarmos (dizemos “não se
toca”, e já está); é fundamental resistir à invasão puritana das consciências,
recordando a liberdade negativa de Isaiah Berlin e o direito fundamental a ser
deixado em paz; e é necessário repelir a técnica do empurrão para a
trincheira, que impede a existência de meios-tons e de caminhos alternativos ao
pensamento único – porque todo o pensamento único, ainda que grávido das
melhores intenções, só dá à luz cabeças ocas.
Jornalista
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COMENTÁRIOS
DNG. MODERADOR: Por acaso esses "delatores fundamentalistas",
aqueles que ficam na história no combate contra o conservadorismo, o religioso
a favor do laicismo, contra as monarquias e ditaduras a favor da latitude
democrática, os que se insurgiram a favor dos direitos do trabalho, os que
libertaram e libertam as mulheres, os que se in dignaram contra o racismo, a
xenofobia, os que lutaram a favor dos direitos dos homossexuais, os tolerantes
enfim, são liberais de esquerda. Enquanto a esquerda pós - moderna se revê no
politicamente correcto, a direita, sem ideias retrocessa e encontra no instinto
e nas causas fracturantes de que o Chega é o exemplo o seu tribalismo, a sua
trincheira, enfim o perder a vergonha de assumir sem preconceitos a sua
verdadeira identidade. 02.01.2021
cisteina EXPERIENTE: Aquilo que hoje se chama esquerda nada tem a ver com a
esquerda decente que aponta no seu comentário, DNG, estamos no séc. XXI, não
podemos justificar o presente com o passado, a sociedade mudou nos últimos 50
anos mais do que desde o séc. XVII até 1950, temos hoje um radicalismo
indecente, ignorante por desconhecer a história, tanto à direita como às
esquerda, mais utópico que nunca, a mim me parece o espaço ideológico decente
está no seu equilíbrio, mais ou menos ao centro, todos os revolucionários
radicais acabaram no cadafalso ou foram expulsos. É por isso que este
capitalismo continua mais selvagem que nunca, será um problema de tempo e não
de espaço geográfico ou não. 02.01.2021
12:38
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