O texto de Jaime Nogueira Pinto, escrupuloso de referência histórica, que mostrou
crises atravessadas por uma Europa insatisfeita com a marcha dos acontecimentos
que a foram digladiando, ao longo da sua construção mais próxima dos nossos
tempos, com as sucessivas divisões geográficas construídas à la longue, uma Igreja
a merecer cisões, pelo meio - desta vez recebeu críticas dos opositores ao
desmiolado Trump, que Jaime Nogueira Pinto chegara a
defender, com argumentos válidos, em torno dos temas económicos, sobretudo – e esse
facto, os vitoriosos de hoje, escudados na vitória de Biden, é largamente aproveitado para as
chufas contra o historiador, por ter escolhido um tema bem fora do que a esses
apetecia, para melhor o trucidarem verbalmente, a dor de cotovelo saliente,
nessa imposição temática, em que se julgam mestres depois da vitória, coisa
comum nas gentes, como eu já tive ocasião de verificar ao longo da nossa vida
das últimas quatro décadas, águas passadas, essas, mas não esquecidas.
Mas entre os vários comentários desse
calibre crítico, um, sobretudo, me encheu as medidas, que não posso deixar de
repetir, por nos dar a dimensão da nossa postura … de merecedores da cauda:
«L. Perry: Mesmo tendo falhado, a União Europeia, pela sua estrutura politica, é
irreformável, e continuará a sua missão histórica de criar uma "união cada
vez mais estreita". Nisto não há volta a dar. A única solução séria e
definitiva é retirar Portugal da UE e colocá-lo no Espaço Económico Europeu. Desta forma continuamos no
mercado comum mas deixamos de estar em união política e monetária com a
Alemanha. Com isto colocamo-nos fora dos conflitos das grandes potências e podemos
preparar o nosso futuro, que irá ser difícil nos próximos decénios, podendo
mesmo incluir, o fim da Europa como nós a conhecemos.»
Aprumadinhos, maneirinhos, rasteirinhos,
ratos aproveitadores, mas escondendo-se das garras do gato… Bem triste, a
imagem…
Mas
sim, aproveitemos o “Espaço Económico Europeu”, com a avidez precisa, sem
outras concessões participativas. De facto, não fazemos parte, nunca fizemos
parte, nunca faremos parte.
Dilemas europeus /premium
Sempre houve, na Europa, uma luta de
forças centrípetas e centrífugas, umas sonhando formas de unidades, outras
reivindicando resistências identitárias.
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 08 Jan 2021
No
início desta presidência portuguesa da União Europeia – uma rotina rotativa com
temporalidade definida, como a da passagem dos cometas – talvez fosse oportuno
pensar além de relatórios e contas e de inócuas declarações diplomáticas e
considerar, por um momento que seja, os caminhos e descaminhos da Europa ou das
europas. Para tal,
aconselho um ensaio de Martim de Albuquerque, um dos raros portugueses que analisou o assunto
como parte integrante da História da Cultura e do Pensamento Político,
equacionando a relação e a dialéctica Portugal-Europa de um modo que escapa aos
mimetismos entusiásticos e apologéticos ou às lamúrias do costume. O ensaio
chama-se A ideia de Europa no pensamento português, tem cerca de
quarenta anos, mas foi reeditado em 2014.
Unificação e fragmentação
No
Domingo passado, 3 de Janeiro, completaram-se 500 anos sobre a
Bula papal de Leão X, Decet
Romanum Pontificem, que
excomungou Lutero e criou
a primeira grande divisão na Cristandade.
Antes de Lutero, tinham aparecido outros dissidentes religiosos, contestantes
da autoridade papal e daquilo que constituía uma dogmática fundamental das
verdades da Fé, como o inglês John Wycliffe e
o seu seguidor da Boémia, Jan Huss.
Ambos partiam de uma velha linha crítica a que, por exemplo, São
Francisco de Assis, no século
XIII, respondera no interior da Igreja e sem veleidades cismáticas – a contraposição entre os ensinamentos de Jesus,
sobretudo no Sermão da Montanha, e as práticas de vida e de deslumbramento
mundano de parte do clero e da hierarquia eclesiástica romana.
Mas há 500 anos, quando desta
primeira divisão da Cristandade ou da Europa cristã, os tempos eram muito
graves para uma Igreja que já tinha passado pelo Grande Cisma do Ocidente; que
já se tinha visto dividida entre
Roma e Avinhão, com dois
Papas que se excomungavam mutuamente, enquanto, a par
desses escândalos do poder temporal, escritores como Boccaccio e Chaucer registavam de forma impiedosa os vícios mais
carnais do clero de então, como a gula e a luxúria. Vícios que Pasolini exacerbaria mais ainda na “Trilogia da Vida”, a versão cinematográfica que fez das obras de Boccaccio
e Chaucer. Com algum
facciosismo, porque, por exemplo, no auge da Peste Negra na Europa, de
1348-1351, o clero foi das classes percentualmente mais atingidas, por não
ter descurado as suas obrigações de assistência espiritual e até sanitária.
As congregações foram muito ceifadas pelos contágios,
nos conventos, mas entre o clero diocesano as mortes foram também muito
elevadas. E isto, porque, corajosamente, cumpriam o seu dever.
Voltando
à quebra da unidade religiosa na Europa: quando Lutero publicou, em Latim, as “95 Teses de
Wittemberg”, não lhes
quis dar grande divulgação. Mas já havia imprensa e, em poucas semanas,
apareceram nas cidades alemãs panfletos reproduzindo os ataques a Roma do monge
e teólogo agostinho.
A
guerra entre Católicos e Protestantes ficou documentada em milhares de livros,
panfletos e caricaturas, em que abundam representações odiosas dos adversários,
com mais activismo do lado protestante, que representou o Papa como Satanás ou
ardendo nos infernos. Os católicos também responderam e há um quadro de
Lutero tentando a Cristo, de
Bartolomeu Bruyn, o Velho, datado
de 1457, em que Lutero tem pés de galo ou talvez de coisa pior.
Esta
divisão da Europa Cristã pôs termo, definitivamente, ao sonho de Carlos
V de um Imperium Mundi cristão
à volta do Sacro
Império. Houvera outros destes projectos – de Constantino, de Carlos Magno, dos
Otões, de Frederico da Suábia, da Respublica Christiana. Como os haveria depois nas Luzes, com Napoleão e até com Hitler, nos
anos da Segunda Guerra, quando o Führer pregava
a unidade do Continente contra os seus (dele) inimigos: a plutocracia
anglo-saxónica e o bolchevismo soviético.
E também a partir da Segunda Guerra, quando
o poder político-militar passou para a América e para a Rússia e a Europa ficou dividida entre a NATO e o
Pacto de Varsóvia ou
partida em dois mundos, ambos com pretensões hegemónicas.
Mas porquê a referência a Lutero?
Porque há sempre uma luta de forças centrífugas e centrípetas e a dissidência
de Lutero teria sido engolida pelo centro ou teria tido a sorte da de Wycliffe
e da de Huss, não fosse o apoio que os príncipes deste mundo deram ao monge
agostinho e a outros dissidentes religiosos – como Calvino e Zwínglio.
Fizeram-no mais por conveniência política e económica (e até de controlo
“nacional” sob pretexto matrimonial, no caso de Henrique VIII) do que por outra
coisa. Já os radicais, como Thomas Müntzer e Jan Mathys, os Anabaptistas,
acabaram muito mal, como acabaram mal os camponeses alemães que, em 1524-1525,
acharam que chegara também o tempo de romper os laços da servidão e de ocupar
os castelos. Foram reprimidos pelos exércitos profissionais dos príncipes e
barões e chacinados às dezenas de milhares. Tudo com o apoio entusiástico de
Lutero.
Federação ou Europa das Nações
O
que é também importante para a Europa de hoje é que Carlos V, a todos os títulos um príncipe cristão que defendeu
valores ético-religiosos sem esquecer a razão de Estado, teve como inimigo um outro príncipe cristão, Francisco I, que o combateu em nome de um
proto-nacionalismo francês que não se queria ver engolido na teia do império do
Habsburgo. Esta
herança nacionalista contra a unidade do Continente irá passar para a
Inglaterra dos Tudors, dos Stuarts, dos Hannover e manter-se-á encarniçadamente para impedir
uma hegemonia continental: primeiro
dos Áustrias, depois de Luís XIV, depois de Napoleão, depois dos Impérios
Centrais, depois do Terceiro Reich.
E
foi no meio destes séculos de História, de histórias e de guerras
interestaduais e civis que se foram formando os Estados nacionais, que
acabariam por ser os protagonistas do jogo geopolítico europeu.
A União Europeia, uma
construção económico-financeira que fracassou na tentativa de se tornar unidade
política, está agora num tempo de escolhas entre formas de Estado ou de
comunidade: quer ser o bloco
económico-financeiro, que tem funcionado com alguma eficácia, dentro de um
quadro de uma Europa das Nações; ou tornar-se uma Federação ou Confederação
político-ideológica?
Na
segunda versão, o fracasso a curto ou médio prazo é inevitável, até porque,
depois da saída do Reino Unido, as diferenças de entendimento ideológico da
Europa entre a Mitteleuropa e a Europa Ocidental e, na Europa Ocidental, as
diferenças entre as forças políticas, são radicais. Qualquer
coisa que pretenda forçar a marcha da confederação acabará no choque e na
fragmentação.
De
qualquer modo, há escolhas – e são políticas – a que a União Europeia não pode
escapar: a escolha entre uma América que, visivelmente, já não é bem o que
era e uma China que
não se sabe muito bem o que seja ou queira vir a ser.
Luis Teixeira-Pinto: Começo por não perceber porque JNP se refere à primeira grande divisão da
Cristandade, depois de ter havido o Grande Cisma do Ocidente, os papas de
Avinhão, para além de questiúnculas pontuais logo no início, como as seitas
consideradas heréticas. Gostemos ou não gostemos, houve muitas divisões, porque
é próprio do homem, é próprio da nossa natureza, questionar, duvidar, rezingar,
e só assim se melhora, e só assim se evolui. O exemplo que a Europa precisa de
seguir, sem ter de enveredar por caminhos complicados e negociações impossíveis
é o da Suíça, onde 27 cantões com bastante
autonomia, e 4 línguas, além de várias vertentes do Cristianismo, convivem
pacificamente, sem choques, sem dificuldades, sem quaisquer tentativas de
prevalência deste sobre aquele. A Suíça é dos países mais pequenos da Europa, e
talvez o mais estável em termos políticos, sem revoluções recentes, sem golpes
palacianos e que pode, por isso ser considerado o exemplo que a Europa tem
de seguir, sempre diferentes e desiguais em muitas coisas, unidos no essencial.
Isto gostava eu de ver explorado e discutido em termos filosóficos e
sociológicos (ou seja, em teoria e em termos práticos). Bruno Costa: Sobre o Trump, sobre o que
aconteceu ontem e os laivos revolucionários nos EUA (ao estilo Venezuela ou
Hong kong), já ele não se pronuncia.... Bolor, bolor, bolor ... Ping PongYang: Brian Sicknick: Um veterano das
guerras do médio oriente, membro da Guarda Nacional, morto em serviço num
ataque terrorista em Washington. A nível interno, o FBI recebeu mais de 50.000 pistas
para proceder à detenção dos financiadores, instigadores e mandantes. A nível
externo, a CIA investiga a existência de eventuais simpatizantes. josé maria: Trump é uma reacção a um processo de mundialização da
economia, de crise de valores da civilização, cujas vítimas estão a resistir. Jaime Nogueira Pinto, Observador,6/11/2020: Fale agora da reacção trumpista no Capitólio e da
"crise de valores da civilização, cujas vítimas estão a resistir"...
Fale também agora da diferença
abissal de 7 milhões de votos, entre Biden e Trump... L. Perry: Mesmo tendo falhado, a União
Europeia, pela sua estrutura politica, é irreformável, e continuará a sua
missão histórica de criar uma "união cada vez mais estreita". Nisto
não há volta a dar. A única
solução séria e definitiva é retirar Portugal da UE e colocá-lo no Espaço
Económico Europeu. Desta forma continuamos no mercado comum mas deixamos de
estar em união política e monetária com a Alemanha. Com isto colocamo-nos fora dos conflitos das grandes potências e podemos
preparar o nosso futuro, que irá ser difícil nos próximos decénios, podendo
mesmo incluir, o fim da Europa como nós a conhecemos. António Duarte: Desta vez Nogueira Pinto
falhou: nunca existiu uma igreja (assembleia ou congregação de pessoas) cristã.
Aliás, aquilo que hoje vemos como a igreja foi um golpe palaciano de S. Paulo
contra os seguidores de Jerusalém, que reconheciam a supremacia de Tiago, o
irmão de Jesus. Depois disso, sempre houve múltiplas igrejas cristãs, entre
elas várias ortodoxas, como a arménia, drusa, grega, etc. para já não falar de
Avinhão, nos tempos mais recentes mas muito antes de Lutero... Manuel Magalhães: Excelente artigo mais uma vez
JNP, além de oportuno e esclarecedor em relação às forças que se têm digladiado
por esta Europa fora e através dos tempos, elas de certa maneira continuam cá
embora talvez com outras caras, “pêro que las hay, hay”... Abraço! Adelino
Lopes: Existe um ditado
popular que tem várias formas de ser apresentado. Eu prefiro: “numa casa onde
não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Será o que vai acontecer à
Europa? Temo bem, que sim. Existem diversos episódios que iniciaram o processo.
Destaco os mais relevantes: 1º) o Brexit; 2º) o empréstimo da comissão para a
tal bazuca, ou o início do empobrecimento (falta do pão); 3º) a teimosia dos
habituais pedintes que não o querem deixar de o ser. Paulo Guerra: Claro que o tema hoje só podia ser a Europa. Nem se
passou nada do outro lado do Atlântico, por quem o JNP costuma mostrar tanto
interesse. Ok, foi chato.
Manuel Magalhães Paulo Guerra: Neste artigo de JNP fala-se da Europa e da sua
história, para que é que para aqui vem chamado o caso do Capitólio, nada, além
disso foi um episódio feio mas feito num país democrático há mais de duzentos
anos, onde as causas têm consequências, a mim preocupar me ia muito mais viver
num país onde as causas não têm consequências e tudo continua na mesma, “à Bon
entendeur”... Luis Teixeira-Pinto > Manuel Magalhães: Não meu Caro, como certamente
já percebeu, há aqui "democratas", daqueles de bico amarelo, que
querem impor o que JNP tem de escrever ou não. Porque imagino que já tinham as
flechas preparadas para fazer a rebaldaria do costume. Saiu-lhes o tiro pela
culatra e não gostam....
Gil Lourenço > Paulo Guerra: Foi o partido que lhe pediu isso? É pena você não
falar do que está a acontecer em termos de corrupção na geringonça com o procurador,
por exemplo. Quer desviar a atenção em relação a isso? josé maria: Hoje, não há panegíricos a
Trump e a Ventura, esses expoentes éticos da política, Jaime Nogueira Pinto ? E
a invasão do Capitólio não é suficientemente problemática para si? Manuel Magalhães > josé maria: Neste artigo de JNP fala-se da Europa e da sua
história, para que é que para aqui vem chamado o caso do Capitólio, nada, além
disso foi um episódio feio mas feito num país democrático há mais de duzentos
anos, onde as causas têm consequências, a mim preocupar me ia muito mais viver
num país onde as causas não têm consequências e tudo continua na mesma, “à Bon
entendeur”... josé maria
> Manuel Magalhães: Não gostou ? É muito bom
sinal... Para bom entendedor...
Graciete Madeira: Excelente artigo. Tiago
Amendoeira: E sobre os acontecimentos no
Capitólio? Nem uma frasita? Um comentariozinho? Não lhe ocorre nada a dizer?
Pois... percebo...é confrangedor não é? Y H W H: Jaime Nogueira Pinto vai
discorrendo sobre a descoberta antiga de que a cultura,
mesmo na sua dimensão política, segue as inexoráveis
leis fundamentais da natura --- acção-reacção --- objectivando o equilíbrio, ainda que
dinâmico... Maria
Nunes: Excelente lição
de História. Obrigada. bento
guerra: Com a moeda única
e o actual nível de dívidas, bem podem espernear. A Alemanha manda e a França
segue-a. L. Perry > bento guerra: Isso é muito mau pois a Alemanha na década de 1930
hesitou por muito tempo entre uma aliança com a China e uma com o Japão,
chegando Hitler a armar Chiang Kai-shek e a treinar seu exército.
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