De susto sempre foram, os tempos. De
espectáculo são os de agora, graças aos profusos meios mediáticos
esclarecedores. Crueldades e heroísmos, sempre os houve, desde a Bíblia que o
sabemos, e das tragédias e epopeias clássicas. Mas hoje damos, de facto, nas
vistas, com actos de ousadia de uns e cobardia de outros. E o desprezo dos
poderosos pairando, como sempre foi. José
Milhazes traça o retrato do “czar” russo num contexto não só
da mudança política norte-americana, como da retoma aventureira de um opositor político
daquele. Histórias do nosso tempo, de urdiduras por vezes tenebrosas, mas
desmascaradas, e bem retratadas, com sentido crítico, na distância...
A política regressará à Rússia com Alexey Navalny? /premium
Não deve ter sido por acaso que
Navalny decidiu regressar a Moscovo três dias antes da tomada de posse de Joe
Biden. Se for detido, isso poderá levar o novo Presidente dos EUA a aprovar
novas sanções.
JOSÉ MILHAZES
OBSERVADOR, 14 jan
2021
A invasão do Capitólio de Washington
por apoiantes de Donald Trump foi uma verdadeira prenda para Vladimir Putin,
pois, entre outras coisas, permite à propaganda russa desacreditar a democracia
norte-americana, mas, ao mesmo tempo, constitui um pesadelo para o czar, que
receia qualquer tipo de “revolução colorida” ou de “veludo”.
Por
isso, o Kremlin preparou-se bem para a chegada de Alexey Navalny ao seu país, não obstante Putin não se cansar de
frisar, com gestos e palavras, que um dos principais líderes da oposição
extra-parlamentar não existe para ele, nem sequer tem nome e apelido.
No fim de 2020, o Parlamento russo
aprovou e o Presidente assinou cerca de cem leis que dificultam ainda mais a já
complicada situação da oposição. Será
mais fácil para a “justiça russa”, multar, prender e condenar políticos,
cientistas ou bloggers sob a acusação de “agentes estrangeiros” ou de
“publicação de notícias falsas na Internet”. As forças policiais viram os seus
poderes reforçados na luta contra os opositores do regime.
A
tentativa de envenenamento de Navalny é um sinal claro de que o regime de Putin –
(quando falo em regime de Putin não tenho só em vista o dirigente russo, mas
também a corte que concentra cada vez mais poder nas suas mãos à medida que o
czar envelhece e se refugia cada vez mais no “bunker”) – está disposto a tudo para não permitir surpresas
em geral e nas eleições parlamentares, marcadas para finais de 2021, em
particular.
Claro que será demasiado descaramento liquidar fisicamente o líder
da oposição, mas a agenda da sua neutralização política já está bem preenchida.
Valentin
Stepanko, primeiro Procurador-geral da Rússia, anunciou que Navalny
poderá ser detido à chegada ao aeroporto de Moscovo. O
Serviço Federal Penitenciário solicitou a “anulação de prisão com liberdade
condicional… por não ter reparado uma ofensa ou ter cometido uma nova
infracção”.
Navalny foi condenado a três anos e
meio de prisão com liberdade condicional pelo desvio de 26 milhões de euros
(cerca de 300 mil euros) de uma filial da empresa de cosmética francesa Yvez
Rocher, que reconheceu não ter registado “qualquer prejuízo”. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
considerou que Navalny e o seu irmão, condenado a prisão efectiva, foram
privados do direito a um julgamento justo.
Porém,
as autoridades prisionais consideram que o líder da oposição já está de boa
saúde e que, por isso, já deveria ter-se apresentado, mas continua na Alemanha.
Alexey Navalny está a ser também alvo
de acusações por parte de alguns oligarcas próximos de Putin. Por exemplo,
Evgueni Prigojin, chefe da organização de mercenários “Wagner” e “cozinheiro”
do Kremlin, exige nos tribunais pesadas indemnizações a Navalny por
“difamação”.
O líder da oposição arrisca a sua liberdade, mas não tem outra
alternativa se quiser continuar a ser uma peça importante na vida política
russa. Quem conhece minimamente a História da Rússia sabe que, depois de
emigrarem, os opositores são rapidamente esquecidos. Vejam-se os casos do
xadrezista Gary Kasparov, do oligarca Mikhail Khodorkovski e de outros
opositores ao regime de Putin.
Por outro lado, não deve ter sido por
acaso que Navalny decidiu regressar a Moscovo três dias antes da tomada de
posse de Joe Biden em Washington. Se
ele for detido, isso poderá levar o novo Presidente dos Estados Unidos a
aprovar novas sanções contra a Rússia e, por exemplo, recusar-se a prolongar o
Tratado sobre Armas Estratégicas, cuja vigência termina a 5 de Fevereiro. Ou
seja, poderá ser um forte obstáculo à normalização das relações
russo-americanas.
Não é previsível que Navalny seja
recebido no aeroporto da mesma forma que Lenine foi recebido apoteoticamente na
Estação Ferroviária de São Petersburgo em 1917. A polícia, a pretexto da luta
contra o COVID-19, não irá permitir ajuntamentos e muito menos recepções
calorosas. Não se exclui a possibilidade de o avião ser desviado para outro
aeroporto sob os mais vários pretextos. Além disso, Navalny não tem estruturas
organizadas como os bolcheviques. E, como já escrevi acima, ele pode ir
directamente para a prisão.
Seja como for, o seu regresso à Rússia significará o reinício da luta
política real e verdadeira, e é isso que incomoda Putin e a sua corte. Afinal,
David conseguiu derrotar Golias.
PS. A política do Governo português e do Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa face à pandemia tem-se mostrado cada vez mais
desastrosa. A trapalhada é cada vez maior e receio que as presidenciais e os
seus resultados se transformem num autêntico pesadelo. A abstenção poderá
fragilizar a legitimidade do futuro dirigente do nosso país. Será que isto não
era previsível?
COMENTÁRIOS:
Luis Santos: Muito bom !! Paulo Guerra: Mais uma sessão de Psicanálise. Manuel Barradas: Óptimo artigo Manuel Ferreira21: Excelente artigo. A nota final está muito bem, escreva
mais sobre a nossa desgraça.
Antes pelo contrário: Foi uma prenda
é para os "democratas", que têm nisso o seu "incêndio do
Reichstag". Recordo para
quem não sabe que o incêndio foi atribuído aos comunistas, e usado como
pretexto para as perseguições que permitiram o estabelecimento o regime nazi,
em 1933. Quanto ao
Navalny, que na realidade é um ucraniano com passaporte russo e com interesses
no petróleo, não inspira nenhuma confiança. Não
me espantaria que trabalhasse para a CIA. Adelino Lopes: Quando o poder instalado num país controla a justiça e
a comunicação social, a democracia acaba; é usual dizer-se que passa a ser um
regime totalitário. É o que se passa na Rússia e em muitos países tipo
Venezuela, China, etc. Eleições? Para quê? É exactamente isto que os
portugueses ignoram quando se assiste à tomada da comunicação social e das
instituições do Estado (a começar pela PGR). É a democracia que está em causa. António Tavares: O Putin e o seu grupo de "amigos" e/ou sócios
não gostam de concorrência politica. Além disso devem circular muitos milhões
de euros e/ou dólares nos negócios do Estado e a concorrência política pode
estragar os negócios entre os amigos e/ou "sócios". Este tipo de
eventos também ocorre em mais países.
NOTAS DA INTERNET
para revisão dos factos:
NOTÍCIAS
»RÚSSIA
APÓS ENVENENAMENTO, ALEXEI NAVALNY ANUNCIA QUE VOLTARÁ PARA RÚSSIA
O
opositor — que acusa o presidente Vladimir Putin de tentar matá-lo — deve
retornar ao país no domingo, 17
REDACÇÃO:
PUBLICADO EM 13/01/2021, ÀS 09H27
De
acordo com informações publicadas nesta quarta-feira, 13, pela agência de
notícias AFP em uma reportagem publicada pelo G1, o opositor russo Alexei
Navalny, de 44 anos, anunciou seu retorno para Rússia, após ser envenenado em agosto de 2020.
O
homem — que actualmente se recupera na Alemanha —, afirmou que voltará ao seu
país de origem no próximo domingo, 17, mesmo sofrendo ameaças de prisão.
Sabe-se que Navalny acusa o presidente russo Vladimir Putin por tentativa de assassinato, a Rússia, por sua
vez, nega o acto.
Alexei
acredita que o envenenamento tenha sido uma tentativa falhada de matá-lo pela
ameaça que ele representa nas eleições parlamentares, que irão acontecer em
2021. "Afirmo que Putin está por trás do acto, não vejo nenhuma outra
explicação", afirmou Navalny em uma entrevista concedida em Outubro para a
revista alemã Der Spiegel, após sair do hospital.
Envenenamento
Em
20 de agosto do ano passado, Alexei Navalny passou mal durante um voo depois de
ter tomado um chá antes de embarcar a caminho de Moscou. Inicialmente, ele
ficou um período na Rússia — que negou que o opositor havia sido envenenado.
Porém, a pedido da família, o homem foi transferido para Berlim, na Alemanha.
Através
de exames, no mês de Setembro de 2020, os alemães afirmaram que o opositor
russo foi sim envenenado, tratava-se de uma substância do tipo Novichok, usada
nos tempos soviéticos para fins militares.
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