Teste de Português sobre “Memorial do Convento” de José Saramago
Excerto do texto do final do capítulo XXV de “Memorial do Convento”:
“Nove
anos procurou Blimunda. Começou por contar as estações, depois perdeu-lhes o
sentido. Nos primeiros tempos calculava as léguas que andava por dia. Quatro,
cinco, às vezes seis, mas depois confundiam-se os números, não tardou que o
espaço e o tempo deixassem de ter significado., tudo se media em manhã, tarde
noite, chuva, soalheira, granizo, névoa e nevoeiro, caminho bom e caminho mau,
encosta de subir, encosta de descer, planície, montanha, praia do mar, ribeira
de rios e rostos, milhares e milhares de rostos, rostos sem números que os
dissessem, quantas vezes mais os que em Mafra se tinham juntado, e de entre
os rostos, os das mulheres para as perguntas e os dos homens para ver se neles
estava a resposta, e destes, nem os muito novos, nem os muito velhos, alguém de
quarenta e cinco anos quando o deixámos além no Monte Junto, quando subiu aos
ares, para sabermos a idade que vai tendo, basta acrescentar-lhe um ano de cada
vez por cada mês tantas rugas, por cada dia tantos cabelos brancos. Quantas
vezes imaginou Blimunda que estando sentada numa praça ou vila a pedir esmola,
um homem se aproximaria e em lugar de dinheiro ou pão lhe estenderia um gancho
de ferro e ela meteria a mão ao alforge e de lá tiraria um espigão da mesma
forja sinal da sua constância e guarda. Assim te encontro, Blimunda, assim te
encontro, Baltasar. Por onde foi que andaste em todos estes anos que casos e
misérias te aconteceram. Diz-me primeiramente de ti, tu é que estiveste
perdido. Vou-te contar e ficariam falando atá ao fim do tempo ………………………………..»
1 – P: Localize estes excertos na obra, explicitando os
acontecimentos que determinaram a peregrinação de Blimunda.
R - O
texto pertence ao final da narrativa do romance de José Saramago “Memorial do Convento”- Capítulo XXV - com Blimunda, que durante nove anos procurou
Baltasar – desaparecido com a passarola do Padre
Bartolomeu de Gusmão, que aquele fora reparar, em Montejunto – e que ela acabou
por encontrar a ser queimado num auto-de-fé em Lisboa.
2- P: Indique a razão pela qual espaço e tempo
deixaram de ter significado para Blimunda, que os nomeia diferentemente.
R - Ao
procurar durante tantos anos, repetidamente, a pé, e por todo o país o seu
homem desaparecido, Blimunda perdeu a noção do tempo e do espaço, no cansaço e
na angústia desse percurso, o espaço e o tempo deixando de ter o significado
normal – cronológico o tempo e físico o espaço - baralhados os planos da
realidade– como provam as expressões “noite,
chuva, montanha, praia, rio…, e os rostos que reconhecia porque já por eles
passara e conhecera (sublinhados).
3- P: Diga que
situação Blimunda fantasia frequentemente. Que significado simbólico têm nessa
fantasia o “gancho de ferro” e o “espigão”.
R: Imagina o encontro com Baltasar, quando,
nesse percurso extraordinário de persistência aflita, ao pedir esmola para
comer, supõe ver na pessoa que lhe estende a esmola, o seu homem (que é maneta)
com o gancho de ferro, interessando-se por ela, em perguntas de muito amor e
cuidado. O simbolismo do gancho de ferro de Baltasar e do espigão daquele, que
ficara em poder de Blimunda, é o do amor absoluto que os une para sempre, no
encaixe perfeito desses objectos.
4- P: De que modo o
texto dá conta da ampla dimensão da busca e da persistência obstinada da
personagem, apesar do sofrimento.
R: Usando
um discurso hiperbólico, enumerativo e de repetição: “Milhares de léguas”… “Portugal
inteiro esteve debaixo destes pés”, “Foi
das praias à fronteira… depois recomeçou a procurar, por outras lugares, por
outros caminhos, já aqui estive, já aqui passei…”, mostrando, além disso, o
desgaste que tais caminhadas dolorosas provocaram nos pés de Blimunda,
descalços, além das conversas com pessoas que reconhecia por já se ter cruzado
com elas a pedir informações sobre o seu homem.
5- P: Explicite a função do diálogo entre a
Voadora e alguém que a reconhecera.
(TEXTO): “Já aqui estive, já aqui passei e dava com rostos que reconhecia. Não se
lembra de mim, chamavam-me Voadora Ah bem me lembro; então achou o homem que
procurava, O meu homem, Sim esse Não achei, Ai pobrezinha Ele não tem aparecido
por aqui depois de eu ter passado Não, não apareceu, nem nunca ouvi falar dele
por estes arredores Então cá vou, até um dia, Boa viagem, Se o encontrar.”
R: O diálogo revela a ansiedade das perguntas de Blimunda, tendo
já antes contado a sua história às mesmas pessoas que voltava a encontrar, e
recolhendo a simpatia dessas que lhe desejavam êxito na sua extraordinária
busca.
6- P: Vinda
do Sul, dirigindo-se para Lisboa, Blimunda pressente que encontrará Baltasar.
Que expressão do texto o indica? Explique também por que razão Blimunda não
come. Que indicia esse facto?
R: A
expressão é O tempo é chegado, na frase “parecia que sobre a sua mão outra mão se
pousava e uma voz lhe dizia Não comas que o tempo é chegado”. Blimunda
não come porque pressente que o momento do encontro e da comunhão com o amado
tinha chegado, em termos de espiritualidade final.
7- P:
A percepção visual de Blimunda
agudizou-se, fazendo-a ver com clareza excepcional o oculto. Demonstre-o com
exemplos do texto.
R: “Parece mais novo”. “E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo”
8- P: A personagem
dirige-se ao “Rossio”, repetindo um itinerário feito por Baltasar há vinte e
oito anos. Analise o valor simbólico do percurso de Blimunda.
R:
Era o mesmo itinerário que percorrera
Baltasar,
vinte e oito anos antes, quando este conhecera Blimunda, também num auto-de-fé,
em que a mãe desta - Sebastiana - deportada para Angola – fora o elo
de ligação de Blimunda com Baltasar, ao desejar conhecer o
nome deste. O retomar do caminho de Baltasar por Blimunda, significa um tributo de
amor final, como se fosse comandada pelo destino, depois da sua busca de nove
anos para o encontrar. Como um ciclo que se fechasse.
Excerto final: “São onze os supliciados. A queima já vai
adiantada, os rostos mal se distinguem Naquele extremo arde um homem a quem
falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da
fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então
Blimunda disse Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar-Sete-Sóis mas não subiu
para as estrelas se à terra pertencia e a Blimunda.”
9- P:
No último parágrafo assiste-se ao
reencontro de Blimunda e Baltasar e à sua união definitiva e plena. Justifique
esta afirmação.
R: Ao
informar que a “nuvem branca”,
significando a “alma”(“vontade”)de Baltasar, não “subiu para estrelas”, já que “à terra pertencia e a Blimunda”, prova-se a união final espiritual mas bem
terrena do par “Baltasar-Blimunda”.
10- P:
Blimunda vê Baltasar por dentro para lhe
recolher a “nuvem fechada”, a sua vontade, apesar da jura de que nunca o faria.
Como interpreta esta situação?
R: Apesar
de ser uma mulher séria, cumpridora da sua palavra, Blimunda, com os seus poderes
místicos, colhe a “vontade” de Baltasar por o seu amor ser tão intenso que
deseja ficar com ele para sempre, agora que morreu.
11- P: Tendo em
conta o simbolismo dos números 7 e 9, analise o facto de Blimunda encontrar Baltasar
após 9 anos de busca e pela sétima vez que esta figura feminina passa por
Lisboa.
R: O Memorial do Convento sendo um romance que
explora os valores simbólicos frequentemente, (a começar pelo próprio título –“Memorial”,
porque relato histórico e ficcional em muitas frentes – clero, realeza, nobreza, que
tanto se condenam nas suas luxúrias, vaidades, prepotências e fanatismos, povo que se exalta como
vítima daquele; “Convento”, porque este é fruto desses defeitos vários das classes superiores
e do seu desprezo pela classe explorada desse povo ) - não poderia deixar de
usar os números sete, número
da perfeição - as alcunhas Sete-Sóis e
Sete-Luas, aplicadas às personagens Baltasar e Blimunda, por exemplo, e nove (número da gestação humana, como exemplo), também como simbólicos, nos
exemplos citados – nove anos de busca
do amado – “sete anos” de passagem
por Lisboa da figura feminina – ligados à mesma mística que percorre o livro.
ESCREVER
Baseando-se na sua experiência de
leitor, apresente, num texto bem estruturado, com cerca de 200 palavras, a sua
apreciação crítica de MEMORIAL DO CONVENTO
R: O Memorial
do Convento é um romance de José
Saramago, que foi Prémio Nobel de
Literatura em 1998. Narra a história da construção do Convento franciscano
de Mafra (hoje Palácio Nacional de Mafra),
por ordem de D. João V, com o
ouro trazido do Brasil, como promessa feita por D. João V ao clero, caso se desse o milagre do nascimento de um filho
seu e de sua mulher, a austríaca D. Maria
Ana Josefa. É um romance histórico e de ficção, que tem um objectivo de
sátira política e social. As principais personagens da ficção são Baltasar
e Blimunda,
esta com o dom místico de ver “o interior” das pessoas, por isso é chamada de “Sete-Luas”,
Baltasar, personagem representante do povo sofredor, mas um carácter
nobre, e prestável - como se vê na ajuda que dá à realização do sonho de Bartolomeu de Gusmão na construção e
manutenção de uma passarola voadora - e a quem, por ser um carácter aberto, é
dada a alcunha de Sete-Sóis. O discurso em “O Memorial do Convento”, segue a direito,
misturando os planos da narrativa pelo narrador na sua sátira frequente, com o
das conversas das personagens ou figurantes, estas sem a pontuação normal, como
se vê no primeiro texto apresentado, com o diálogo entre as mulheres e
Blimunda. Foi um livro de leitura difícil para mim.
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