sábado, 2 de janeiro de 2021

Óbvio


Foi antes uma espécie de distensão nervosa. O governo receou que fôssemos renegados para os últimos lugares a receber as vacinas e essas desconsiderações não as engolimos bem, nem admitimos a ninguém, como já acontecia com o Damasozinho Salcede, mas no caso actual, não tínhamos a certeza se teríamos que o admitir, por sermos os tais da cauda. Felizmente, a União Europeia é democrata qb e decidiu com elegância, sem extremar posições, em igualdade de direitos dos países que a compõem, e soubemos aproveitar o facto, com o toque de clarim adequado, para criar o herói, como já explicara o Reinaldo Ferreira na sua “Receita para fazer um herói”.

De resto, somos bem um povo de garraiada como espectáculo, amante de espectáculo vistoso, e do milagre. As vacinas, sendo esse milagre, e o governo o milagreiro, festeje-se o governo, sem levar a mal. Ou mude-se de canal.

O “plano” de vacinação, o plano da propaganda e o plano inclinado /premium

O país desceu a tais abismos de descaramento que se torna muito difícil distingui-lo de uma rábula de revista. A única diferença é que o público da revista tinha noção das circunstâncias e ria.

ALBERTO GONÇALVES

OBSERVADOR,02 jan 2021

O “Diário de Notícias”, que passou os últimos tempos escondido num “site” que ninguém visitava, ressuscitou em papel. Fazia falta. Manifestamente, cinco estações televisivas, duas ou três rádios, duas ou três revistas e diversos diários e semanários não chegavam para exaltar a competência e a integridade do governo, cujas proezas exigem cobertura vasta, ou pelo menos proporcional aos subsídios distribuídos. Logo na primeira edição da sua nova incarnação, o “DN” promete. E cumpre. Artigos de “opinião” de actuais ministros e ex-ministros. Artigos de “opinião” de admiradores dos actuais ministros e ex-ministros. Uma fascinante entrevista com a comissária europeia Elisa Ferreira. E, claro, uma sondagem que mostra o apoio dos portugueses à acção governamental contra a Covid: “nota positiva”, dizia a manchete, com a palavra “positiva” aumentada até quase transbordar da página. O dr. Costa publicou logo um “tweet” a confessar a “grande felicidade” que sentiu ao segurar o fresquíssimo “DN”. E o “DN” publicou uma notícia a dar conta do “tweet” do dr. Costa.

Parece anedota. E é. O país desceu a tais abismos de descaramento que se torna muito difícil distingui-lo de uma rábula de revista. A única diferença é que o público da revista tinha noção das circunstâncias e ria. Hoje, os portugueses não notam que estão perante um espectáculo de burlesco, e levam o espectáculo a sério. E levam a sério os protagonistas do espectáculo. E levam a sério o “DN”. E respondem a sério às sondagens do “DN”. E, incrível e maravilhosamente, gostam a sério do que lhes calhou em sorte. Daqui a três semanas, uma parte significativa do eleitorado reelegerá o prof. Marcelo com larga folga. Se amanhã houvesse “legislativas”, o PS ganharia sem problemas. Depois de tudo e apesar de tudo. O desempenho do prof. Marcelo e do dr. Costa nestes cinco anos devia levá-los a perder em popularidade para “Tino” de Rans, Gungunhana ou um edredão às riscas. Misteriosamente, não levou, e a supressão da oposição, dos “media” e, em suma, do escrutínio “formal” não esgota as explicações.

Para lembrar um exemplo recente, nenhuma pessoa saudável carece de ajuda partidária ou jornalística para perceber o carácter repulsivo e insultuoso da encenação alusiva às vacinas. Que eu saiba, não houve lugar no Ocidente em que membros do governo se plantassem na chegada da primeira remessa e, de seguida, na administração da primeira dose. Excepto por cá, escusado dizer, onde a ministra da Saúde e uns penduricalhos anexos prendaram ambos os “momentos históricos” com a sua inestimável, e assaz útil, presença, para cúmulo sem particular “distanciamento social” ou moral. Em países comuns, o processo de vacinação requer organização, rapidez e eficácia. Aqui, basta a dona Marta, umas câmaras de tv e uma audiência de pasmados incapazes de separar o que é informação do que é propaganda e uma radical ausência de vergonha.

Em 2021, os pasmados terão 365 dias para continuar a ignorar a propaganda, as negociatas, as restrições, as humilhações, as mentiras, as fraudes, as mortes por Covid, as mortes pela “estratégia” de “combate” à Covid, as falências, o empobrecimento e a firmeza com que Portugal caminha para os fundilhos dos fundilhos da Europa, material e simbolicamente. Porém, se eu fosse a eles, aos pasmados, aproveitaria o ano para ignorar uma questão em particular: o sucesso do nosso “plano” de vacinação. A coisa já começou bem, com as aparições da dona Marta, a facilidade com que toda a gente descobriu o local “secreto” de armazenamento das vacinas, o debate entre PSP e GNR sobre a força habilitada para escoltar uns frasquinhos e a mensagem no telemóvel a esclarecer-nos de que seremos vacinados na 3ª fase que é logo após a 2ª. Daqui em diante, a coisa irá melhorar.

Por mim, tenciono ocupar 7% do meu ócio a visitar a página ourworldindata.org/covid-vaccinations. É rica em dados e será bilionária a exibir, com números, factos e tabelas, a dimensão do atraso pátrio e a dimensão da burla perpetrada pelos senhores que mandam nisto. Até ver, Portugal vacinou 16 mil cidadãos, contra perto de 3 milhões nos EUA e um milhão no Reino Unido. Qualitativamente, temos 0,16% da população vacinada, contra 0,84% nos EUA e 1,47% no Reino Unido – e 11,55% em Israel. Por enquanto, nada de grave ou especial. Mas é um aperitivo. E um forte indício de que, à medida que 2021 avança, avançará, também neste critério, o fosso que nos separa da civilização, e ficarão ainda mais nítidas a inaptidão e a desonestidade dos caipiras que nos pastoreiam. Como o critério é claro e a página permite comparações imediatas, prevejo diversão prolongada. E depressão profunda. Ou seja, a minha decisão de Ano Novo é contemplar, através de vacinas e percentagens, o desastre para que nos lançaram, nas vacinas, nas percentagens e no resto.

Infelizmente – ou felizmente, sei lá – não serei acompanhado por boa parte das vítimas do desastre, leia-se os pasmados, demasiado ocupados a fugir da realidade, a acompanhar as conferências da DGS, a cumprir as ordens que perpassam pelo cocuruto do dr. Costa, a votar no prof. Marcelo, a aplaudir sucessivos estados de emergência, a ser tratados como animais e a ler no “DN” acerca destes delírios e outros evangelhos do poder vigente. Estou a brincar: nem os pasmados lêem o “DN”.

PANDEMIA  SAÚDE  CRÓNICA  OBSERVADOR  MINISTÉRIO DA SAÚDE  GOVERNO  POLÍTICA

 

COMENTÁRIOS:

Ia ficar tudo bem!: Mas ainda há quem leia jornais portugueses? A última vez que fiz uma ronda por jornais, a informação mais honesta encontrei-a nas páginas centrais do CM, em anúncios com fotos de rabos. Tudo o resto, em todos eles, me pareceu um desenvergonhado p*t*edo.

S Belo: Lamentável a encenação da chegada das vacinas . Uma ausência: "los chicos com banderillas".

Cipião Numantino: Enfim, tudo isto é fado. Ou melhor, malhas que o xux ualismo cá do burgo tece! Conta-se por aí, à laia de anedota, que em visita informal do Dr. Costa ao cardeal-patriarca de Lisboa o nosso xux ualeiro PM se lamentou junto do prelado que estava muito difícil convencer uma boa parte do povão tuga das excelsas virtudes do paraíso socialista e, acrescentava que, pelo contrário, quase toda a gente acreditava no paraíso celestial que a Igreja defendia. Com grande surpresa para o Dr. Costa, o cardeal-patriarca respondeu “bom, a grande e única diferença, é que o nosso paraíso ainda nunca foi mostrado a ninguém”! E é isto. O paraíso que a xux alhada nos tem “ad nauseam” apresentado, não passa mesmo de um éden burlesco onde desde sempre temos garantido umas bancar rotas sistemáticas, uma espécie de tropa fandanga de salt imbancos esquerdeiros, vendedores de banhas da cobra e, finalmente, contos do vi g ário em que o suprassumo mais evidente é o génio Socrastiano. Mas que não se amofinem as almas pueris xuxo-comunas porque, pelo menos, sempre saem da toca uns aluc inados aparentemente fugidos do J úl io de M atos onde se aconselham compotas a metro, enquanto se propõem reuniões de tipo condóminos efetivos, percursores e garantistas de que com uma boa dose de sorte ainda acaba tudo à l amb ada. Por sua vez arranjam-se uns curr ículos à vontade do freguês para se sacar umas massas para os apaniguados da trupe e, pronto, toma lá disto para meterem inveja a umas quantas sei tas do mal. Sorte a nossa. E ao que parece, ainda somos mal agradecidos, por não conseguirmos apreciar as virtudes intrínsecas do xux ualismo em que pontificam pastores do quilate do Mic rofones e de uma senhora com trejeitos de sopeira, toda estilosa e com ar de tal maneira kitsch, que sempre fico na dúvida se se trata de uma reencarnação da madre Teresa de Calcutá (versão aterrorizante) ou aparecida do nada só para estabelecer a confusão. E o povão gosta. E clama por mais como se infere das sondagens mais que mar teladas que nos entram pelas TV de meia em meia hora. Mau de mais para ser verdade. E ponho-me a pensar que os mistérios do xux ualismo lusitano possuem desígnios insondáveis. No mínimo, que estou metido numa comédia burl esca onde nada faz sentido e de que só acordo quando me belisco e me deparo com a completa boç alidade dos descendentes de um povo que criou o 1º. império global da História. Mas “ca ganda cegada"! É mesmo azar dos Távoras!... PS- Fui defe nestrado, em termos simbólicos, do defunto DN antes até do nosso estimado AG. Quem à época me leu, dever-se-á lembrar do que sobre este tema escrevi. O consulado do André Macedo coincidiu com o último assomo de dignidade de um jornal que marcou uma época. Depois, foi sempre a cair. O Baldaia dos fretes xux alistas pregou o 1º. prego do caixão e o visivelmente engajado FF, escaqueirou as tábuas que restavam. Acredito pouco em ressurreições. E, no efeito e na forma, o DN está mais que moribundo e só faltará rezar a missa do 7º. dia. Paz à sua alma!...

Albano Rosa: Muito bom

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