Mais uma lição com humor
E amor, sem dúvida. De Jaime Nogueira Pinto, que oxalá
continue a esclarecer-nos, amando-nos assim, à falta de outras armas de
correcção…
A festa da Democracia / premium
Podem ser os socialistas e as esquerdas aliadas que nos
governam mas são “os fascistas” os culpados de todos os males portugueses,
passados, presentes e futuros.
JAIME NOGUEIRA
PINTO, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 22 jan
2021
Mais
que uma escolha – que, aparentemente, está feita –, a eleição presidencial de
Domingo vai ser uma sondagem geral à opinião pública portuguesa para avaliar o
sentido actual da sua percepção político-ideológica (se é que de percepção
“político-ideológica” pode agora falar-se). Embora as sondagens valham o que
valem, o voto de protesto vá contar e a abstenção no meio desta muito
maltratada e mal gerida Pandemia possa ser uma incógnita perturbadora e
perturbante, o mais certo é que o actual Presidente seja reeleito à primeira
volta.
As esquerdas festivas
Por
isso, neste “tempo de reflexão”, para educar e exercitar a percepção
político-ideológica e espairecer dos vírus que nos atormentam, nada como uma
boa comédia, como a que vi recentemente.
A
Festa, um filme de 2017, de Sally Potter,
com um elenco excepcional, é uma divertida charge ao pensamento correcto
chique e menos chique. Ao vê-lo, não pude deixar de pensar nas várias
esquerdas que por aqui andam. Não falo das pessoas – embora seja quase só
disso que agora se fala ou possa falar, tão pobres são as ideias, ou melhor, a
falta delas, e tão estreito e rasteiro é o verdadeiro espaço de debate –, falo da
cartilha delirante e simplista que, sob a capa de sofisticação intelectual, se
apresenta como ideário único e inquestionável.
Ora, melhor ou pior, já
existiram ideias em Portugal e na política portuguesa – à esquerda, à direita e
até ao centro. Salazar tinha ideias e convicções políticas; Cunhal também;
Soares, à sua maneira, tinha um ideário; e mesmo nos partidos do Centrão havia
ideias; bem como nas múltiplas extremas-esquerdas – estalinistas, trotskistas,
maoístas, utópico-depressivas, utópico-esfusiantes –, ainda que fossem ideias
que, caso vingassem, acabariam
por transformar este rectângulo numa espécie de Albânia onde, na melhor
hipóteses, nos internariam num campo de concentração do tamanho de dez
Tarrafais para sermos endoutrinados na boa-nova marxista-leninista e podermos
depois morrer em paz, já devidamente seviciados, arrependidos e confessados.
Nesses
tempos de albânicas possibilidades, cheguei a imaginar para mim um futuro
como bibliotecário de Peniche, depois de reeducado num qualquer Lager, isto no
mais benigno dos cenários, num regime comunista moderado, estabilizado e
brando, assim ao modo do Leste europeu em fim de ciclo. Agora a reeducação
faz-se ao domicílio e, de preferência, sem livros nem ideias.
Porque as extremas-esquerdas,
aparentemente, já não as têm, ou esqueceram-nas: esqueceram Lenine, Mao,
Estaline, Trotsky, até Gramsci e Marcuse. Mas continuam a deter a verdade e a ter uma
agenda. Uma agenda de causas aparentemente pequenas, benignas e inócuas mas uma
agenda. E uma agenda “antifascista” – sendo o fascismo um conceito/insulto/arma
de arremesso infinitamente elástico, definido ao minuto e à la carte para ser
usado contra todo e qualquer “herege”. Também, não há como censurá-los: não
podem ser anticapitalistas, porque já não há capital em Portugal; não podem ser
antieuropeus, porque é da Europa que vêm as vacinas e há-de vir a Bazuca com os
ansiados dinheiros; não podem sequer ser anti-socialistas, porque os contornos
do socialismo que nos governa são imprecisos e fugidios e porque são os
socialistas que distribuem o tempo de antena e o dinheiro e abrem espaço às
suas agendas fracturantes.
Então o que são? São anti-populistas, anti-racistas,
anti-machistas, anti-homofóbicos, anti-transfóbicos, enfim, “antifascistas”.
Podem ser os socialistas e as esquerdas aliadas que nos governam mas são “os
fascistas” os culpados de todos os males portugueses, passados, presentes e
futuros, os responsáveis últimos por tudo o que, entre nós, correu mal, corre
mal e pode correr ainda pior.
Os falecidos ex-mestres das
extremas-esquerdas – Estaline, Mao, Trotsky – jazem esquecidos, um com os seus campos
de concentração, outro com os seus Saltos em Frente, o último com aquele
fascinante comboio blindado que aparece no Dr. Jivago e no Reds. São, evidentemente, coisas do passado. Trotsky
escrevia bem (“A Minha Vida” é um grande livro de Memórias) e eram belos os
seus ideais… subsidiariamente também nos mataria a todos, se nos
apanhasse a jeito, como fez aos Russos Brancos e aos “desviacionistas”, mas
isso pouco importa porque isso já lá vai. Já
lá vai, diluído na fluidez de género, de identidade e de pertença, num mundo de
infinita tolerância e consumo; um mundo de todas as cores e de mãos dadas, em
que a saltitante vida animal é consagrada e a morte humana encorajada (para quê
ver sofrer e socorrer e acompanhar quem sofre, quando se lhes pode dar “um direito”?).
Mas
se o leninismo, o estalinismo, o maoismo, o trotskismo estão mortos e enterrados e deles ficaram só
as flores, o fascismo permanece com todos os seus espinhos e horrores – todos e
mais alguns.
E as Direitas?
Politique
d’abord, dizia Charles Maurras,
intelectual e político da direita nacionalista e tradicionalista que renovou o
pensamento conservador na Europa Ocidental nos princípios do século XX. Mas
não há política sem ideias e, em Portugal, tem havido poucas – também pela
despolitização que o Estado Novo incutiu às direitas portuguesas, pela
importação, depois do 25 de Abril, de um liberalismo economicista
anglo-saxónico como alternativa ao socialismo herdado do PREC, e por outros
males que vêm de longe, como o deslumbramento e seguidismo das elites. Assim,
a Direita tende a responder ao agressivo folclore correcto das esquerdas ora
com uma contrição cooperante, ora com um basismo e um primarismo que podem
justificar-se – e justificam-se – numa fase de denúncia e de protesto, mas que
terão de ser corrigidos e endireitados para que os resultados políticos sejam
consequentes. Ou seja, o protesto, a antítese, terá de progredir
para a síntese, e depressa.
Porque há um pensamento de direita, nacional e euro-americano, com
base nos valores do cristianismo, do patriotismo, da família, da propriedade
dentro da justiça social e do bem comum; o de uma direita nacional e social,
aberta em economia mas justicialista e solidária.
E
se a Direita quiser alguma vez voltar a ter poder, terá de seguir (politicamente
e não pessoalmente) o lema pas d’ennemis à Droite, pas d’amis à
Gauche. Excluindo, bem entendido, desse “à
Droite”, os verdadeiramente racistas, os paranóicos, os loucos das teorias da
conspiração, os suspeitos do costume, que existem em todas as latitudes. Os
da esquerda, dada a raiz puritana e totalitária dos “socialismos reais”, a
reivindicação do monopólio da verdade e da vida intelectual e a capacidade
dissuasora da reductio ad Hitlerum, concentram
a sua paranóia inquisitória na diabolização do inimigo – elaborando eternamente
sobre aquilo a que o Dr. Cunhal, por táctica calculada, chamava “o nazi-fascismo
de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar”, como se fosse tudo a mesma
coisa. Os da direita, infelizmente, mais à semelhança dos da antiga
esquerda, concentram a sua paranóia autofágica no inimigo interno, nos outros
da “sua direita” ou nos das “outras direitas” – nos traidores, nos
desviacionistas, nos cobardes, nos vendidos.
Hoje,
mais do que nunca, a defesa da liberdade de pensar, falar e escrever tem de ser
uma das causas primordiais e principais da Direita. Há bons exemplos na Europa:
o Vox, aqui ao lado, ou os Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni.
Para
agir, passado o tempo do protesto – e o protesto é fundamental e convém que
fique bem vincado –, é preciso construir nas ideias e trazer ideias
com asas, capazes de actuar na realidade, de ser práticas. E como dizia um
filósofo francês do século passado, nada mais prático que uma boa teoria.
Votem
bem e sem contágios.
PRESIDENCIAIS
2021 ELEIÇÕES
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POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Paulo Guerra: Parece que o Fauci nos EUA também se sente como um libertado. Mas
curiosamente parece que não é de Estaline. No século XXI, no ano da graça
de 2021, continua a ser mais fácil falar de Estaline que de Trump para o JNP.
Mais esclarecedor era impossível. Leonardo d'Avintes > Paulo Guerra: Que alucinado! Comparar Trump a Estaline é de uma
monstruosidade só justificável à luz da mais profunda ignorância, ou do mais
puro fanatismo. Paulo
Guerra > Leonardo d'Avintes: Era mais uma questão de
atualidade. Mas lá está, a alucinação é tanta... Graciete Madeira: Brilhante texto. Isabel Santos: Com tantos casos diários, como
é que não prepararam as coisas, para quem testou positivo depois do dia 17
poder votar. É isto uma democracia? Ou será que dá jeito a alguém? É vergonhoso
e não entendo como é que nenhum jornalista fala disto! Rui
Jacinto: Com o respeito
natural por um analista politico, também naturalmente sei mais da vida
influenciada por os políticos. Não só na idade, sobretudo na vivência.
Os políticos,
quais fazedores da história, tentam moldar a sociedade a seu jeito, só que não
há forma de o fazer. Mário Soares sofreu as agruras do desterro em São Tomé, eu sei, havia a
guerra do Biafra, eu estava lá, na Pousada, ele um pouco masa à frente, mas
ambos comíamos os camarões da roça e íamos a banhos na baía azul. A grande
diferença é que eu começava a trabalhar às 7:30 e não dormia a sesta. 30 anos
depois eu reclamava no DN as tropelias de Sócrates na Expo98 e continuava a
trabalhar 50 horas por semana e não ter direito a sesta. Isto para dizer que há
diferentes formas de viver a democracia, e eu sou mais feliz do que os políticos,
com uma vantagem, não vivi de cunhas ou de sacos azuis. Reclamam agora os Socialistas
da postura de Ventura, mas só existe André Ventura porque o Povo tem vergonha
de um Primeiro Ministro mentiroso que faz alastrar o roubo e compadrio como
nunca antes, nem mesmo no tempo de Salazar ou Caetano. Joaquim Moreira: De facto, a democracia é uma
festa! Que serve muito bem a quem à pala dela vive bem. E neste particular, a
esquerda tem muitas lições a dar. Não conheço nenhum defensor do socialismo e
do comunismo que, sem nenhum desdém, não queira salvar o que tem. Sem que para
tal tenha muito que se esforçar. Já, devo confessar, tenho visto muito
militante de direita que se farta de trabalhar, para ter algum bem ao luar. Pelo
que, com o devido respeito pela teoria e por Jaime Nogueira Pinto em
particular, estou convencido que estas pessoas, de quem estou a falar, estão
pouco preocupadas em teorizar. O que é muito diferente das elites, de esquerda
e de direita, que se sabem muito bem aproveitar. Por isso, sendo dos que gosta
de teorizar, acredito, ou melhor, quero acreditar, que o mais importante é
mesmo educar. A maioria das pessoas a pensar, para não se deixarem enganar, por
quem se diz de esquerda ou de direita, conforme o que está a dar. Até porque
muitos vivem e viveram no mesmo lar. À espera da sua oportunidade para
"governar", ou seja, para do poder todo o proveito tirar. Não é o
caso de Jaime Nogueira Pinto, que muito admiro, defendendo que continue a
teorizar, para muitos ensinar! Paulo
Alexandre: Podem ser os socialistas e as
esquerdas aliadas que nos governam mas são “os fascistas” os culpados de todos
os males portugueses, passados, presentes e futuros...
JNP a fazer de conta que desconhece os efeitos estruturais e de
longa duração, exercidos sobre a cultura de um povo (normas, valores,
tradições, perspectivas, posições, atitudes, comportamentos, etc.) por parte de
certos instrumentos ideológicos (políticos, confessionais, económicos, sociais,
etc.), efeitos esses que perduram nos processos de socialização, na consciência
dos indivíduos e nas práticas sociais dos mesmos! JNP sabe que sabe aquilo a
que eu me tenho referido! Mas também sabe que a esmagadora maioria dos seus
leitores não sabe isso e que olham para a realidade social e cultural como uma
"coisa natural" e não como aquilo que é, uma "coisa
artificial"; que encaram essa realidade como uma "essência"
quando, em boa verdade, é um "produto". Um produto produzido por
alguns e imposto a muitos com a máxima perversidade de conseguir que aqueles
muitos que "reproduzem" o "produto", encarem o dito cujo
como "a natureza das coisas". “A violência simbólica é uma
violência que se exerce com a cumplicidade tácita daqueles que a sofrem e
também, frequentemente, daqueles que a exercem na medida em que uns e outros
são inconscientes de a exercer ou de a sofrer”. (Pierre Bourdieu) “O que
denomino de violência simbólica ou dominação simbólica, ou seja, formas de
coerção que se baseiam em acordos não conscientes entre as estruturas objectivas
e as estruturas mentais”. (Pierre Bourdieu) Muitos mortos que se encontram
enterrados há décadas ou mesmo séculos, estão bem vivos, continuando passear-se
no meio de nós, enquanto impõem critérios moralistas sobre a forma como uma
mulher se deve vestir ou que partes do corpo pode esta desnudar em público,
sobre a forma como dois seres humanos podem ou não manifestar os seus
sentimentos em público um pelo outro (se for um homem e uma mulher, como mandam
as tradições e as regras da santa madre Igreja, podem andar de mão dada, podem
beijar-se e até podem acariciarem-se em público... se forem duas mulheres ou
dois homens...), sobre a socialmente injusta forma como a riqueza nacional é
distribuída, sobre as desigualdades no acesso à Educação ou à Saúde, etc, etc.. Fernando Manuel
Almeida: A esquerda no seu conjunto dá
um excelente exemplo do que é a "ética republicana", como a da
primeira república- cada um para seu lado, na maior anarquia, na maior
incoerência estratégica, ou melhor, sem estratégia nenhuma para alcançar um bom
resultado. Um saco de gatos canhotos que pode bem dar origem a um enorme
dissabor político. Se o resultado de André Ventura fôr superior ao de Ana
Gomes, está o "baile armado" e apolítica portuguesa pode entrar numa
espiral de grande instabilidade. Os políticos portugueses não aprendem nada com
os erros históricos do passado e depois vêm a terreiro dizer que os alunos não
podem ficar sem aulas porque lhes faz muita falta. Se for para aprenderem o
mesmo que aprenderam os candidatos da esquerda à presidência da República, mais
vale não irem à escola. Alberto
Pereira::
Excelente texto. Obrigado
Professor Nogueira Pinto! Zé
Costa: Mais uma vez brilhante Dr. JNP.
Obrigado. Carminda
Damiao: Excelente texto. Parabéns. josé maria: Segundo a mais recente sondagem
da Universidade Católica, se a eleição legislativa fosse hoje, o PS voltaria a
ganhá-la, de forma destacada, com 39% dos votos e, juntamente com as esquerdas
aliadas, daí resultaria novamente o predomínio parlamentar de toda a esquerda,
com, pelo menos, 52% dos votos. Mas será que Jaime Nogueira Pinto ainda não
entendeu as duas razões principais porque os portugueses continuam a manifestar
a sua confiança na actual correlação de forças? A primeira razão: mesmo com
todos os erros cometidos, o balanço é feito essencialmente entre 2015 e 2020 em
comparação com o país que Passos nos deixou em 2015 e as trapalhadas da sua
governação. Passos deixou de merecer confiança, Costa não. Rio não convence. São
factos objectivos, que ninguém consegue refutar. A segunda razão: as direitas
portugueses são tão más, tão más, que não conseguem constituir alternativa,
minimamente credível ao actual governo. Devem ser as piores direitas do mundo e
presumo que deva ser extremamente frustrante, a JNP, bater-se por elas. Pedro Ferreira > josé maria:
Mas o Passos de Coelho ainda te
deixa com as pernas a tremer senão não estavas a falar dele constantemente, nem
inventavas tanta aldrabice. ……………………………….
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