Mas que nunca a paciência de Nuno Pacheco se esgote em a “achar” para a fazer
sentir, na atrocidade do seu desmando, sintomático de um país de pasmados, em
busca de uma “inovação” que decididamente os projecte como “libertadores”
definitivos, tal como o fizeram com a tal revolução rubra, nos cravos…
Que não se lhe esgote a paciência. Pode
ser que o tal provérbio da água mole acabe por “furar” a dureza da pedra de que
somos especialmente feitos, nós, os lusos, ao contrário dos outros do espaço
europeu, para quem o “barro” basta, moldável e eficaz. A esperança é a última a
desaparecer, presa à caixa da tal Pandora, a primeira grande responsável pelos
desastres. Guardemos a esperança na nossa caixa, ainda que só como relíquia de
saudade.
OPINIÃO
O ocaso das consoantes e a felicidade dos jovens
Num tempo de pês (Presidenciais &
Pandemia) voltemos ao magno problema de escrever com os pés.
PÚBLICO, 14 de
Janeiro de 2021
Num tempo dominado por pês (Presidenciais &Pandemia) pode parecer excessivo reincidir
no magno problema de escrever com os pés.
Mas como a minha crónica
anterior suscitou três comentários a merecer resposta, aqui vai. Um:
“Na minha opinião o AO 90 tem defeitos, que podem ser
analisados e corrigidos, havendo vontade para isso. Nuno Pacheco limita-se a
repetir até à exaustão exemplos de erros e incorrecções que pouco ou nada têm a
ver com o AO 90, numa lógica do ‘quanto pior, melhor’. Analisar e debater
seriamente os defeitos e propor correções/soluções não parece ser para ele
importante”; outro: “Meta
na sua cabeça que está a lutar contra moinhos de vento. Desaparecida a sua
geração, estas confusões deixarão de existir porque teremos uma nova geração de
gente que aprendeu a escrever a língua portuguesa segundo a nova norma”;
Último, que uma criatura assinou como “Macho Alfa”: “Títulos
à la André Ventura para continuar uma guerra perdida? É muito à la Trump. Há
gente confusa? Há? Sempre houve gente confusa aquando dos acordos ortográficos,
nomeadamente os velhotes. Os jovens estão na onda AO90 e felicíssimos. Estão
sintonizados. Esta conversa já dá sono.”
O
acordo ortográfico de 1990 tem defeitos, há que propor soluções e “correções” (sic).
Pois. Isso até os seus autores diziam. Mas algum deles mexeu um só
músculo para corrigir o que quer que fosse? Nem um. E já lá vai tempo
suficiente para perceber que, tecnicamente, como já muita gente demonstrou (e
felizmente por escrito), o problema não são os erros que ele terá, é o erro
monumental que ele é: a dita “nova norma” é uma fraude, que não só não
uniformizou a grafia nos países de língua portuguesa como fomentou um
persistente caos ortográfico que, em lugar de diminuir, a cada dia vai dando
novos ares da sua (des)graça.
Debater seriamente? Há décadas que
muita gente o faz, apontando erros técnicos, disparates, noções erradas. A
isso, os responsáveis pela coisa fazem “orelhas moucas”. Não admira, tal o autoconvencimento de que este
acordo é uma coisa com futuro. Já em 1986, um dos grandes defensores, à época,
do acordo, escrevia: “Umas semanas bastarão para que as pessoas fiquem
acomodadas a ler o seu jornal com meia dúzia de letras e acentos a menos.
Alguns dias bastarão para que uma pessoa que escreva frequentemente assimile as
novas regras” (Expresso,
21/6).
Contudo, nestes muitos anos cavou-se um
fosso abissal entre a prática e essa falsa e ilusória propaganda. A tal “assimilação” rápida das “novas regras”
produz todos os dias pequenos monstros, obrigando-nos a ler coisas como
“otogonal”, “inato” (por inapto, que inato é outra coisa!), “impato”,
“etoplasma”, “adeto”, “ocipital”, “inteletual”, “ocional”, “eucalito”, “rétil”,
“elítico” e até “arimética”. Esta colheita é recente e pode
juntar-se à da minha crónica anterior. Mas é
curioso que já em 2015, no PÚBLICO, o jornalista e escritor
Octávio dos Santos (num
artigo intitulado “Apocalise abruto”) mencionava dezenas de
disparates deste calibre, coligidos em documentos oficiais, institucionais ou
na imprensa, por especialistas atentos.
Dir-me-ão que erros sempre houve. É verdade. Mas estes são novos, induzidos
pela “guerra” às consoantes que o AO90 incentivou. “Arimética”, por exemplo, é dada como correcta no
vocabulário oficial do IILP, como grafia facultativa de
“aritmética”. Já no da Academia das Ciências não
existe.
Gente confusa? Sim, os
“velhotes”, coitados. Como os Prémios
Camões Vítor Aguiar e Silva e Manuel Alegre, o também premiado linguista Fernando Venâncio ou os recém-desaparecidos Eduardo
Lourenço e Carlos do
Carmo, aos quais o
país teceu as louvaminhas do costume. Adversários, todos eles, do
AO90. Deve ser por aquilo que Pedro Mexia disse ao recomendar em
2020 um livro de Vítor Aguiar e Silva no “Governo Sombra” da SIC: “Há esta
curiosidade, de pessoas que conhecem bem a língua e a literatura serem contra o
acordo ortográfico.”
E os jovens? Diz o tal “Macho” que estão “felicíssimos” e
“sintonizados”. É. Basta passar junto das escolas para se ouvirem gritos de
alegria onde antes só havia gemidos de dor a temer pelas aulas de português.
Aliás, porque não abolir a ortografia? Era muito mais barato e os resultados
não andariam longe destes. Tal conversa já dá sono? Deve ser por isso que os
responsáveis ou cúmplices de tal trapalhada pedem logo umas almofadas quando se
lhes fala no assunto. Azar: os disparates já são tantos e tão ruidosos que não
hão-de ter um só minuto de sossego.
TÓPICOS
CULTURA-ÍPSILON ACORDO ORTOGRÁFICO LÍNGUA PORTUGUESA LIVROS EDUCAÇÃO OPINIÃO
COMENTÁRIOS:
martins.ruijorge MODERADOR: Também, mais uma geração e deixa de haver problemas,
que este pessoal está paulatinamente a deixar o português e a escrever com um
mix de emojis com tiradas em inglês dos States. Andou a malta tanto aninho
desde os hieróglifos para se estar a voltar à escrita ideográfica. O
caminho está, certinho direitinho, na direcção do retorno às cavernas. Até já
há um candidato neanderthal às presidenciais a propor práticas rituais -
remover ovários, testículos e mãos.
Pedro Santos EXPERIENTE: Eu ainda me considero jovem (erro meu, talvez) e não é
por isso que deixo de escrever segundo a ortografia pré-AO90, para além de ter
muito gosto em ler os artigos do Nuno Pacheco sobre o assunto.
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