Helena
Garrido é das que não tem papas na língua, e tenta esclarecer
o que é comezinho em nós, espertos e mansos que somos, esperando o tal Godot,
descansando no substituto, que chega sempre, quod erat demonstrandum…
Incompetências, mentiras e populismos /premium
A pandemia expôs uma das maiores
fragilidades do País, a desorganização e incompetência que se tenta mascarar
com mentiras e conversa populista. Uma nota final sobre os debates
presidenciais.
OBSERVADOR, 11 jan 2021
A gestão da pandemia tem-nos revelado
um país desorganizado, marcado pela incompetência, em que se contam meias
verdades e se cavam ainda mais desigualdades entre o público e privado.
Incompetências. Porque
nenhum governante gostaria que uma política, seja ela qual for, corresse mal,
aquilo a que temos assistido só pode ter como causa a incompetência que é
parente da desorganização.
Comecemos pela pandemia. Quando tudo começou em Março, assistimos a uma
hiper-actividade, que merece obviamente ser elogiada, em todas as frentes.
Foram erigidos hospitais de campanha, as autarquias concentraram-se no apoio
aos seus munícipes que não conseguiam ficar em isolamento nas suas casas e o
Governo foi anunciando várias medidas, quer de apoio aos que tiveram de fechar os
seus negócios como de prevenção e combate à pandemia, designadamente a
contratação de técnicos de saúde. Tudo parecia que ia funcionar bem.
Mais tarde anunciaram-se equipas para fazer rastreamento, usando recursos que
iam de militares a funcionários públicos, criou-se uma aplicação que gerou uma
controvérsia que hoje sabemos ter sido desnecessária.
Os
especialistas, e com eles o Governo, sabiam que estávamos perante uma maratona.
Mas foi tudo, literalmente, de férias e muitas das medidas adoptadas foram desfeitas
– como os hospitais de campanha ou mesmo as iniciativas das câmaras. A
segunda onda da pandemia chegou e apanhou-nos desprevenidos, exactamente como
agora a terceira vaga.
A
aplicação não funciona porque deixaram nas mãos dos médicos o trabalho de gerar
e inserir os códigos – como se os médicos tivessem tempo para isso, para dizer
o mínimo, já que a isto se chama desperdiçar recursos qualificados. A equipa de rastreadores de contactos nunca foi
verdadeiramente constituída, mesmo sabendo o Governo e as autarquias que têm
funcionários públicos que, neste momento, não têm nada para fazer. As
autarquias nada fazem porque não são capazes e porque ninguém as coordena
apesar de o Governo ter anunciado em Abril
de 2020 a criação de uma equipa de cinco secretários de Estado para
a coordenação regional do combate à pandemia.
Dirão:
nada do que se está a passar agora seria diferente se essas medidas tivessem
funcionado. Verdadeiramente não sabemos. Nestas segunda e terceira vaga da
pandemia, a realidade é que estamos entregues a nós próprios e resta-nos quase
e apenas rezar para não precisarmos dos serviços de saúde – aqueles que não têm
ADSE ou bons seguros para ir ao privado. Porque até nisso se tardou a fazer o
que se devia, contando com todos os recursos da saúde.
Incompetência foi também
aquilo a que assistimos na escolha do procurador europeu. O debate sobre se o Governo tinha ou não competência
para escolher quem quisesse é ofuscado por toda a falta de profissionalismo.
Ausência de definição prévia de critérios no concurso interno, desconsideração
do juiz que concorreu, o não cumprimento do prazo estipulado pela ministra para
o concurso por parte do Conselho Superior do Ministério Público e, cereja em
cima deste lamentável bolo, a displicência com que se fundamenta a escolha do
Governo que contraria a decisão do júri europeu – a ministra da Justiça dá-se
ao luxo de não ler sequer a carta. Coragem
teve o director-geral da Política de Justiça, Miguel Romão,
em demitir-se e esclarecer o que se tinha passado, mesmo sabendo que
pode pagar um elevado preço pelo que fez.
E
pode mesmo pagar, levando em conta as declarações furiosas do primeiro-ministro
sobre o tema, na versão actual de “quem se mete com o PS leva”. António Costa acusou Miguel Poiares Maduro
e Paulo Rangel de estarem a fazer uma campanha internacional contra Portugal,
juntando ainda Ricardo Batista Leite na frente sanitária. Quem ouviu as palavras de António
Costa entendeu o tom ameaçador, fazendo o primeiro-ministro questão de
sublinhar que dizia os nomes para que se soubesse quem eram. Com que
objectivo? Para a turba que anda nas redes sociais os atacar, como
frequentemente acontece a quem critica as opções do Governo? Não se sabe.
Mentiras
ou meias verdades. Antes de se conhecer o plano de vacinação foi veementemente
desmentido, na sequência de uma notícia do Expresso, que não se fosse dar
prioridade aos idosos. “Há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites
pelos responsáveis políticos”, disse o primeiro-ministro. O Presidente da República
chamou-lhe uma “ideia tonta”. Mas quando se conhecem os detalhes das
prioridades do plano de vacinação acaba por verificar-se que Portugal é dos poucos países que não dá prioridade aos
idosos – sim, serão os idosos, mas se viverem em lares ou
tiverem outras doenças que ficam na primeira fase. Uma meia verdade, como em
geral acontece.
O próprio plano de vacinação é um
bom exemplo de um país onde “uns são mais iguais que outros”. Já sabíamos que trabalhando para o sector público
temos emprego para a vida – um dos factores da dualidade do nosso mercado de
trabalho. Agora ficamos a saber que se trabalharmos no sector
público da saúde também temos direito prioritário às vacinas, desprezando-se
todos aqueles que estão na mesma situação, mas que trabalham no sector privado.
A repetida mentira, ou meia verdade,
do abandono do sector privado da saúde dos doentes Covid é mais um caso. Os únicos hospitais que encerraram foram o do SAMS
e da Trofa, todos os outros continuaram a sua actividade Covid e não Covid,
alguns deles tendo até uma acordo inicial, posteriormente anulado, com o
Estado, como se pode ler neste Fact-Check do Observador.
Porque é que alguns políticos, com relevo para o BE, insistem em não
respeitar os factos? Não se
percebe, especialmente porque o desrespeito pelos factos tem sido uma das
ferramentas de fragilização das democracias e de radicalização das sociedades.
A meia verdade da defesa do sector público está ainda patente no
facto de ninguém se opor à ADSE, o seguro de saúde dos funcionários públicos
que mais alimenta o sector privado.
Populismos. É uma das
mais frequentes acusações que hoje se ouve no espaço público, separando o nós,
o povo, dos eles, a elite. Mas nos dias que correm é frequente confundir-se
populismo com identificação de problemas que preocupam grupos crescentes de
eleitores. Um dos segmentos mais esquecido da população
portuguesa tem sido a classe média
ou média baixa trabalhadora com salários baixos. Vivem nos subúrbios e enfrentam
dificuldades no acesso à habitação, nos transportes públicos, na educação
pública crescentemente degradada e na saúde. São, em alguns casos, vizinhos de
um segmento da população que não trabalha e vive dos apoios do Estado.
Ignorar
estas pessoas, que estão zangadas, tem sido e continua a ser um erro e é a
explicação para o crescimento do partido Chega. É precisão melhorar a qualidade de vida dessas
pessoas, investindo nos serviços públicos que, por muito que o Governo do PS
desminta, se degradaram nos últimos anos. E são estas pessoas as que mais sentem
essa degradação. Falar para elas das maravilhas dos serviços públicos é
insultá-las, já que essas pessoas são as que mais os usam e conhecem como
ninguém o estado em que estão.
Até
há pouco tempo, viam-se defendidas pelo PCP ou mesmo pelo BE – embora o
Bloco corresponda mais um segmento urbano, mas igualmente com salários baixos.
Mas como esses partidos se envolveram na governação e deixaram de
denunciar a degradação dos serviços públicos no tom que o faziam no passado, é
natural que essas pessoas se sintam órfãs de representatividade.
O Serviço Nacional de Saúde não é a melhor coisa do mundo, como bem
sabem todos os partidos. Podia ser, mas não é.
Claro que uma pandemia só se pode apoiar em serviços públicos, mas estamos a
ver bem que, por causa da pandemia, muitas outras doenças estão a
ser deixadas para trás.
Se
não quisermos ver Portugal caminhar para a radicalização que assistimos nos
Estados Unidos, temos de começar a preocupar-nos a sério com os problemas que
as classes trabalhadoras de baixos salários enfrentam. Um assalto ao Capitólio,
como vimos dia 6 de Janeiro, não acontece de um dia para o outro, é um processo
que resulta de se condenar ao esquecimento grupos cada vez mais significativos
da população. O livro que está traduzido para português com o título “Era uma vez um sonho” agora também em filme
na Netflix “Lamento de uma América em ruínas” mostra
bem o que se tem passado nos Estados Unidos. A pergunta que temos de
fazer é: porque estão cada vez mais pessoas a simpatizar com o Chega? Como disse
o Presidente da República, é pelas ideias, e acrescente-se, por políticas que
não votem essas pessoas ao esquecimento, que se combatem as ameaças à
democracia.
Uma
nota sobre os debates das presidenciais. Marcelo Rebelo de Sousa foi sem dúvida
o grande vencedor dos debates, saindo vitorioso mesmo do mais difícil, o que o
opôs a André Ventura. A surpresa foi Tiago Mayan Rodrigues que, depois de um debate com Marcelo que lhe
correu muito mal, conseguiu explicar-se e impedir que o transformem num
anarquista que não quer o Estado. João Ferreira teve o azar de ter sido o primeiro a debater com
André Ventura, mas a sua defesa da Constituição e o bom senso que, com o actual
Presidente, tem revelado na abordagem a fazer ao Chega é igualmente considerado
uma boa surpresa.
Ana
Gomes e Marisa Matias acabaram por protagonizar os debates mais fracos, se os
olharmos em termos globais.
Mas, se considerarmos que escolheram falar para o seu eleitorado, foram
eficazes, a crer nomeadamente pela reacção que foram tendo nas redes sociais –
o seu eleitorado quer essa agressividade contra o Chega. No debate com André
Ventura, Marisa Matias não conseguiu vestir o fato agressivo que quis envergar,
talvez por nada ter a ver com as suas características de empatia, uma das suas
mais eficazes armas. Ana Gomes, desse ponto de vista desempenhou melhor
esse papel. Vitorino Silva ou Tino de Rans acabou por, como se esperava,
acrescentar pouco.
Por
aquilo a que assistimos, confirma-se que temos pela frente umas eleições
presidenciais em que há agendas para além dessa eleição, fazendo com que
Marcelo Rebelo de Sousa não tenha quem o desafie, verdadeiramente. Mesmo quando
Ana Gomes tocou no tema da sua amizade com Ricardo Salgado e que tanto o irritou.
E nos debates, Marcelo, pelo seu bom senso, pelo seu manifesto respeito pela
democracia, pode até ter reconquistado alguns votos.
PANDEMIA SAÚDE PRESIDENCIAIS
2021 ELEIÇÕES
PRESIDENCIAISELEIÇÕES POLÍTICA CORONAVÍRUS SAÚDE PÚBLICA PARTIDO CHEGA MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
COMENTÁRIOS
Paul C. Rosado: Excelente análise. Pena que esta esquerda caviar assobie para o lado e
continue no mesmo caminho. Com os tachinhos seguros para toda a vida para os
boys. Querem lá eles saber de quem se esforça para levar a sua vida - e por
acréscimo a dos outros - para a frente...
Antes pelo contrário: A pandemia?!? Por onde é que você tem andado?... "Incompetências, mentiras e populismos" são
a imagem de marca do regime implantado em 1974!!! Especialmente do lado dos
"socialistas"!
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