segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O bem comum entre nós


Está muito ligado, de facto, a consumo e ostentação. O certo é que se engordou poderosamente, no nosso país – por mim falo, que gosto de ver os supermercados fartos, como não se viam noutros tempos, além de que julgo que tal bem comum não se traduz na compra de livros, mas de artefactos destinados à mundivivência desde a infância, para o esbanjamento e a alienação, na inconsciência de uma preparação espiritual mais consistente.

Mas não é tanto disso que trata mais este texto de Salles da Fonseca sobre as forças do poder e do maior ou menor desenvolvimento económico no nosso país, de acordo com as tais forças que se atiçam e miam desalmadamente, menos interessadas no desenvolvimento do que nos seus louros democráticos…

DO DESENVOLVIMENTO - 6

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 10.01.21

UM SACO DE GATOS

tirado que foi no texto anterior o marxismo totalitário para o lixo da História, com ele foram algumas peças essenciais desse ordenamento político, nomeadamente a ditadura do proletariado, a diabolização do lucro e o determinismo histórico.

Excisados esses tumores malignos do pensamento revolucionário, adoptou-se a via cordata e o marxismo passou a chamar-se «socialismo democrático» e «social democracia».

Oriundos do marxismo duro em que prevalecia a propriedade pública de todos os meios de produção, o «socialismo democrático» passou a admitir que os sectores não essenciais pudessem ser privados e a «social democracia» admite que tudo possa ser privado mas fortemente tributado. Não fora a evolução histórica da democracia ocidental e estas duas correntes de pensamento poderiam ter gerado modelos de desenvolvimento substancialmente diferentes. Mas ambos acabaram por se encontrar na prática liberal e na forte tributação do cidadão que ouse produzir alguma riqueza.

Continuando a abordar o tema na grande generalidade, os dois conceitos de bem comum também actualmente não diferem substancialmente e as estruturas partidárias que suportam cada opção tendem a distinguir-se sobretudo pelas respectivas bases sociológicas estaminais. Na actualidade, ultrapassada a era dos fundadores, já nem essa base sociológica é assim tão díspar. Se na origem do socialismo democrático estava uma base humana de índole laboral industrial e no movimento social-democrata se aglutinava uma base laboral dos serviços e uma pequena burguesia, com o aburguesamento geral da população afecta à indústria, passaram os Partidos a disputar o apoio de uma massa humana entretanto homogeneizada. Sem uma base doutrinária definidora das suas próprias características no que respeita a modelos de desenvolvimento e de conceitos de bem comum, os Partidos em compita distinguem-se apenas como núcleos de pertença clubística, como grupos de pressão com mais ou menos transparência, com maior ou menor influência de seitas e tendências.

Em Portugal, anoto dois factos históricos enformadores de toda esta matéria:

A decisão do Dr. Francisco Sá Carneiro de fundar o «PPD – Partido Popular Democrático» onde congregou parte importante da «ala liberal» da «ANP - Acção Nacional Popular» do Professor Marcelo Caetano que, por sua vez, derivara da «UN - União Nacional» do Doutor Salazar e que, carecendo de reconhecimento internacional, escolheu a denominação complementar (que estava livre) de «PSD – Partido Social Democrata» assim se vestindo uma farda de origem marxista a uma base sociológica oriunda da direita não obrigatoriamente democrática (eis o spin-off a que se chama «Chega»);

O momento em que o Dr. Mário Soares, então Primeiro Ministro (II Governo Constitucional) anunciou ao país que «metera o socialismo na gaveta» - e o «PS» nunca mais voltou a ser socialista.

Assim se compreende como em Portugal…

… qualquer solução governativa do «bloco central» se assemelha a um «saco de gatos»;

o sindicalismo ou é comunista ou não é sindicalismo;

…por que, na nossa «praça política», ninguém discute modelos alternativos de desenvolvimento;

o conceito de bem comum se confunde com os níveis de consumo e de ostentação.

(continua)

Janeiro de 2021         Henrique Salles da Fonseca

Tags:: "economia portuguesa"

COMENTÁRIOS:

Anónimo 10.01.2021: Boa, óptima lição.

Anónimo10.01.2021: Caro Dr. Salles da Fonseca. Contrariamente ao que por aí se diz e escreve, não há, nem sequer da parte do PCP, uma ideologia bem estruturada. Há, sim, estratégias de conquista de poder (nalguns casos, apenas, estratégias que visam condicionar o exercício da governação) que se confrontam no terreno. Por isso, a generalidade dos argumentos que se esgrimam são casuísticos, conforme ilustrem este ou aquele argumento. E, no fundo, tudo se resume a 4 questões: Q1-É-se contra, ou a favor da liberdade de escolher; Q2-Como organizar juridicamente o país? Segundo a regra da regulamentação (tudo o que não estiver expressamente autorizado, está tacitamente proibido)? Ou segundo a regra da regulação (tudo o que não estiver expressamente proibido, está tacitamente autorizado)? Q3-Estado Prestador (como actualmente na saúde e na educação, ainda que sem respaldo constitucional)? Ou Estado Financiador (e só supletivamente Prestador)? Q4-Quais os limites da intermediação fiscal? Financiar as funções de soberania, as infra-estruturas básicas e o combate à pobreza? Ou financiar não importa o quê, conforme a imaginação e os desejos dos programas partidários? Valeria a pena submeter os nossos políticos encartados a um exame de acesso sobre Tocqueville, K. Marx e I. Berlin, seja para acolher, seja para rejeitar, antes de lhes pôr um microfone à frente.

 


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