Está muito ligado, de facto, a consumo e
ostentação. O certo é que se engordou poderosamente, no nosso país – por mim
falo, que gosto de ver os supermercados fartos, como não se viam noutros
tempos, além de que julgo que tal bem comum não se traduz na compra de livros,
mas de artefactos destinados à mundivivência desde a infância, para o esbanjamento
e a alienação, na inconsciência de uma preparação espiritual mais consistente.
Mas não é tanto disso que trata mais este texto de Salles da Fonseca sobre as forças do poder e do maior ou menor desenvolvimento económico no nosso país, de acordo com as tais forças que se atiçam e miam desalmadamente, menos interessadas no desenvolvimento do que nos seus louros democráticos…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 10.01.21
UM SACO DE GATOS
tirado
que foi no texto anterior o marxismo totalitário para o lixo da História, com
ele foram algumas peças essenciais desse ordenamento político, nomeadamente a
ditadura do proletariado, a diabolização do lucro e o determinismo histórico.
Excisados
esses tumores malignos do pensamento revolucionário, adoptou-se a via cordata e
o marxismo passou a chamar-se «socialismo democrático» e «social
democracia».
Oriundos do marxismo duro em que prevalecia a propriedade pública de
todos os meios de produção, o «socialismo democrático» passou a admitir que os
sectores não essenciais pudessem ser privados e a «social democracia» admite
que tudo possa ser privado mas fortemente tributado. Não fora a evolução histórica da democracia ocidental
e estas duas correntes de pensamento poderiam ter gerado modelos de
desenvolvimento substancialmente diferentes. Mas ambos acabaram por
se encontrar na prática liberal e na forte tributação do cidadão que ouse produzir
alguma riqueza.
Continuando
a abordar o tema na grande generalidade, os dois conceitos de bem comum
também actualmente não diferem substancialmente e as estruturas partidárias que
suportam cada opção tendem a distinguir-se sobretudo pelas respectivas bases
sociológicas estaminais. Na actualidade, ultrapassada a era
dos fundadores, já nem essa base sociológica é assim tão díspar. Se na origem do socialismo democrático
estava uma base humana de índole laboral industrial e no movimento social-democrata
se aglutinava uma base laboral dos serviços e uma pequena burguesia, com o
aburguesamento geral da população afecta à indústria, passaram os Partidos a
disputar o apoio de uma massa humana entretanto homogeneizada. Sem uma base doutrinária definidora das suas
próprias características no que respeita a modelos de desenvolvimento e de
conceitos de bem comum, os Partidos em compita distinguem-se apenas como
núcleos de pertença clubística, como grupos de pressão com mais ou menos
transparência, com maior ou menor influência de seitas e tendências.
Em
Portugal, anoto dois factos históricos enformadores de toda esta matéria:
A decisão do Dr. Francisco Sá
Carneiro de fundar o «PPD – Partido Popular Democrático» onde congregou parte
importante da «ala liberal» da «ANP - Acção Nacional Popular» do Professor
Marcelo Caetano que, por sua vez, derivara da «UN - União Nacional» do Doutor
Salazar e que, carecendo de reconhecimento internacional, escolheu a
denominação complementar (que estava livre) de «PSD – Partido Social Democrata»
assim se vestindo uma farda de origem marxista a uma base sociológica oriunda
da direita não obrigatoriamente democrática (eis o spin-off a que se
chama «Chega»);
O
momento em que o Dr. Mário Soares, então Primeiro Ministro (II Governo
Constitucional) anunciou ao país que «metera o socialismo na gaveta» - e o «PS» nunca mais voltou a ser
socialista.
Assim
se compreende como em Portugal…
… qualquer solução governativa do «bloco central» se assemelha a um «saco de gatos»;
… o sindicalismo ou é comunista ou não é sindicalismo;
…por que, na nossa «praça política», ninguém discute modelos
alternativos de desenvolvimento;
… o conceito de bem comum se confunde com os níveis de consumo e de
ostentação.
(continua)
Janeiro de 2021 Henrique
Salles da Fonseca
Tags:: "economia
portuguesa"
COMENTÁRIOS:
Anónimo 10.01.2021:
Boa, óptima lição.
Anónimo10.01.2021: Caro Dr.
Salles da Fonseca. Contrariamente ao que por aí se diz e escreve, não há, nem
sequer da parte do PCP, uma ideologia bem estruturada. Há, sim, estratégias de
conquista de poder (nalguns casos, apenas, estratégias que visam condicionar o
exercício da governação) que se confrontam no terreno. Por isso, a generalidade
dos argumentos que se esgrimam são casuísticos, conforme ilustrem este ou
aquele argumento. E, no fundo, tudo se resume a 4 questões: Q1-É-se contra,
ou a favor da liberdade de escolher; Q2-Como organizar juridicamente o país? Segundo a regra
da regulamentação (tudo o que não estiver expressamente autorizado, está
tacitamente proibido)? Ou segundo a regra da regulação (tudo o que não estiver
expressamente proibido, está tacitamente autorizado)? Q3-Estado
Prestador (como actualmente na saúde e na educação, ainda que sem respaldo
constitucional)? Ou Estado Financiador (e só supletivamente Prestador)? Q4-Quais os limites da intermediação fiscal? Financiar as
funções de soberania, as infra-estruturas básicas e o combate à pobreza? Ou
financiar não importa o quê, conforme a imaginação e os desejos dos programas
partidários? Valeria a pena submeter os nossos políticos encartados a um exame
de acesso sobre Tocqueville, K. Marx e I. Berlin, seja para acolher, seja para
rejeitar, antes de lhes pôr um microfone à frente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário