domingo, 31 de janeiro de 2021

Casa arrombada


Mas é necessário não pôr ainda trancas na porta. Por isso António Barreto se apruma a explicar o que foi mal, e o que devia ter sido feito de positivo. É certo que de avisos e boas intenções está o inferno cheio. O que não significa que o não leiam, mas sim que se aproveitem dos seus conselhos e sugestões provenientes do seu muito saber. Em tempo de guerra não se limpam armas, ou seja, neste caso, devemos todos colaborar, nem que seja apenas com as palavras dos aconselhamentos. Ou das ironias, afinal, que podem servir como rebate das consciências e estímulo a uma acção mais concertada… Mas, como disse Camilo em certa polémica, o que há por aí são “vaidades irritadas e irritantes”, a solidariedade é pura farsa, muitas vezes. Sobretudo quando não se pertence ao partido...

 

OPINIÃO CORONAVÍRUS

Corrigir erros, conhecer diferenças

Foi obviamente um erro não criar hospitais exclusivamente destinados à covid. Como foi um erro não reservar hospitais para todas as doenças menos a covid. A separação poderia ter evitado muitos dos problemas de engarrafamento e eficácia.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 30 de Janeiro de 2021

Foi um erro, fruto da demagogia, não ter considerado o chefe de Estado, o presidente do Parlamento e o primeiro-ministro como entidades ou personalidades a serem prioritariamente vacinadas. Foi também erro, algures entre a estupidez e o disparate, corrigir aquele com outro erro, alargando a muitas centenas o número de “políticos” a vacinar com prioridade. Como é um erro deixar na impunidade uns autarcas e uns funcionários malandros que se vacinaram ilicitamente.

No que toca à eficácia da vacinação, a União Europeia começou bem o processo de cooperação e acabou por falhar quando chegou à prática. A União está pior do que a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, Israel e outros. Será que chegaremos um dia a perceber porquê? Como se não bastasse, Portugal é um dos países em pior posição na União Europeia. Depois do “milagre português”, chegou evidentemente o desespero. Saberemos um dia porquê?

Foi obviamente um erro não criar hospitais exclusivamente destinados à covid. Como foi um erro não reservar hospitais para todas as doenças menos a covid. A separação poderia ter evitado muitos dos problemas de engarrafamento e eficácia. E de humanidade, com certeza. Saberemos um dia por que foram cometidos estes erros? E por que não foram corrigidos a tempo?

Foi um erro separar os profissionais de saúde públicos e os privados. Por que demorou tempo a corrigir? Por que não se corrigiu ainda tudo? Por que se mantém esta separação entre profissionais dos sistemas públicos e privados? Por que não se pensa que os doentes são os mesmos, seres humanos que não merecem ser separados entre públicos e privados? Alguém fará um dia autocrítica? Alguém tentará explicar como foi possível?

Foi um erro separar instituições educativas privadas e públicas. Foi um erro proibir os docentes de contactar os alunos, de conversar com eles e de levar a cabo iniciativas pelas redes sociais. Foi um erro clamoroso interromper o ensino à distância. Por que demorou tanto tempo a corrigir? Será que saberemos um dia porquê?

É um erro incompreensível as autoridades sanitárias deixarem correr os boatos e os “palpites” relativamente às máscaras. Há muito que lhes compete serem assertivas quanto às qualidades de cada marca. Por que razão é este o seu comportamento? Ignorância? Cumplicidade? Saberemos um dia as razões para tal comportamento impróprio?

Foi um erro grave não ter planeado, há muitos meses, uma organização capaz de dar conta das chegadas de ambulâncias aos hospitais. É cada vez mais evidente que a indignidade das filas de espera, durante dezenas de horas, em frente dos hospitais (sobretudo do Santa Maria, em Lisboa), resulta de mau planeamento e de incapacidade de organização.

Tão bom quanto corrigir erros é estudar e perceber o que se passa. É natural que se ouçam histórias, corram boatos e se tenham certezas sobre o que há a fazer. Em períodos de crise como este, a rondar o drama nacional e social, surpreendente seria o contrário, que se falasse sempre com propriedade e racionalidade.

Uma das questões mais abordadas é a da desigualdade social como causa e efeito da doença. Como toda a gente quer ter ou quer que se saiba que tem compaixão, é fácil condenar a desigualdade. Assim, as maiores vítimas da pandemia seriam os velhos, os deficientes, os internados em lares, os pobres, os sem-abrigo, os toxicodependentes, os imigrantes ilegais, os habitantes dos bairros degradados, os inquilinos dos bairros sociais e os residentes em bairros étnicos comunitários. Além destes, grupos mais largos estariam igualmente incluídos no número de pessoas mais expostas à infecção, com mais dificuldades de tratamento e menor acesso às instituições: operários fabris, empregados de comércio, encarregados de limpeza, funcionários de transportes públicos e outras profissões.

É também geralmente aceite que os mais ricos e os que usufruem de profissões e cargos com mais poder sofrem menos os efeitos da doença e têm acesso a melhores instituições. Estariam nessa situação, com menores possibilidades de serem contaminados, os que têm casas maiores, quem possui um carro para cada membro da família, quem não usa meios de transporte colectivos, quem pode faltar dias ou semanas ao trabalho e quem tem meios para tratar da roupa e das compras sem se misturar com as pessoas em geral…

Ninguém duvida ainda de que é favoravelmente tratado e atendido quem conhece bons médicos, quem pode recorrer a hospitais mais bem equipados, quem é utente de instituições sem lotação esgotada e quem frequenta hospitais sob menor pressão.

O alojamento é igualmente causa de desigualdade social perante a pandemia. Está favorecido quem vive em bairros saudáveis, com espaços públicos arejados, com esplanadas abertas e recreios espaçosos; quem não frequenta supermercados, muito menos filas de espera. Sofre evidentemente quem vive em bairros sociais sobrelotados, em comunidades promíscuas e em bairros degradados. Diz-se que há mais doença em meios segregados, em comunidades ciganas, negras ou asiáticas, em bairros operários ou de pescadores...

Consta que os ricos perdem facilmente a cabeça com festas. Parece que as celebridades comemoram aniversários e juntam-se nas quintas e condomínios. Mas é mais plausível que os que mais sofrem são os que têm de trabalhar nas fábricas, quem usa os transportes públicos, quem frequenta centros comerciais, quem tem casas pequenas, quem não tem ajuda para tratar dos velhos, quem tem de ir aos lares tratar dos parentes e quem tem pouca informação.

Em poucas palavras. A pandemia bate mais nos mais pobres. A doença mata mais os mais fracos. A covid infecta mais quem menos tem: fortuna, poder, conhecimentos, nome, estudos, metros quadrados…

Como se sabe isso? Por dedução. Certo. Mas seria bom estudar. Quem realmente corre mais riscos? Quem é mais infectado? Quem tem acesso menos pronto e rápido? Quem morre mais? Ricos? Pobres? Remediados? Classe média? Citadinos? Rurais? Residentes nas periferias e nos bairros étnicos? Famílias grandes ou pequenas? Gente com ou sem estudos? É o que importa saber com o rigor possível, sem fantasias. É trabalho para a Administração Pública, a Academia e o jornalismo.

É muito difícil estudar estas realidades. Em muitos casos, terá de se estudar por vias indirectas e aproximações. Mas tem de se fazer. É necessário tratar de todos, sem olhar a quem. É preciso salvar vidas, sem conhecer o nome. Mas também é bom saber o que se passa, para poder agir e prevenir.

Sociólogo

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COMENTÁRIOS:
Fowler Fowler
INICIANTE:
Ecoar e sublinhar com demagogia as pequenas histórias da gestão da crise sanitária já denunciados por outros até à náusea quer dizer que, apesar do autor ser um privilegiado (tem comida, roupa lavada, sem ter de mexer um dedo, e conhece bons médicos a quem recorrer em hospitais privados) vem exibir a sua compaixão por aqueles que o servem, os desfavorecidos. De resto, faz coro com aqueles que, após a eleição do PR, preparam o golpe. Não é preciso esperar para saber os porquês!            DCM EXPERIENTE: E há erros irreparáveis como aqueles praticados por trabalhadores nas fábricas de explosivos. Há serviços onde muito pior do que não fazer nada é fazer um trabalho mal feito. Os governos fazem parte desta desgoverno, do que serão sempre acusados pela oposição da mesma forma que o invectivarão se por milagre em tudo acertarem. Antes bem ou mal governados do que termos a fábrica feita em fanicos.            AARR INICIANTE: As perguntas são legítimas e muita coisa há a apontar e, esperemos, a corrigir. Em termos de capacidade de organização e planeamento talvez sejamos os lanternas vermelhas na Europa. Mas ... como se dizia antes ... na 2ªF todos acertam no totobola.                  Por bom caminho e segue EXPERIENTE: Muito bem, António Barreto. Mas, como todos sabemos, ninguém assumirá os erros, nem o governo nem a oposição. O erro aqui é só um: pensar que em Portugal alguém corrige os erros. O país navega à bolina, Portugal já foi. O que temos de há alguns anos para cá são os conservadores do regime, a brigada do reumático alegadamente democrática e os oportunistas que herdam os vícios e a incompetência da família e dos amigos. É por isso que se dizia há tempos termos bancos seguros e afinal eles faliram. É por isso que tivemos o milagre Covid e agora somos os infectados do mundo. É por isso que num dia nos libertámos e agora estamos acorrentados a uma nova onda de obscurantismo, a incompetência licenciada deste pobre e triste país. Um país em que um tipo com um diploma universitário de quatro anos é um doutor...          Jonas Jerónimo INICIANTE: Bem sei que nas próximas semanas será difícil, mas a emigração é sempre um bom caminho.          Mario Coimbra EXPERIENTE: Caro AB, como sempre, no ponto. Ainda espero uma crónica sua com a qual possa discordar. Todas as suas perguntas merecem resposta. Algumas intuitivamente já as sabemos, falta de planeamento, falta de estrutura, falta de massa crítica, de recursos humanos capazes, falta de senso comum, excesso de orgulho e princípios na pior altura (SNS vs Privados), enfim, espero que a Fundação à qual presidiu possa dar algumas respostas assim como o Público e mais importante a Administração Pública que serve os Portugueses e a Constituição e não os políticos que nos governam. A massa crítica começa aí. Neste choque entre a experiência do dia a dia e a visão que qualquer governo quer realizar.             Ahfan Neca EXPERIENTE: "Um povo de cordeiros sempre terá um governo de lobos. Um povo que elege corruptos, impostores, ladrões e traidores, não é vítima. É cúmplice."            JOAO PAULO SILVA.244287 INICIANTE Percebo o que diz, prezo o que escreve normalmente sem papas na língua, prezo igualmente o conhecimento e a experiência que tem. Não obstante vivemos momentos dramáticos, de onde temos que sair, e muitos não o conseguirão ou ficarão com sequelas, de saúde e de pobreza dificilmente sanáveis. É óbvio que haverá que saber como é que cá chegámos e porque cá chegámos, mas no momento presente apontar erros é de facto o mais fácil ... Esta pandemia, a forma como se dispersa o vírus, repetindo-se o padrão de atacar a Norte quase até ao extremo e depois instala-se no centro e em Lisboa e Vale do Tejo é uma incógnita. Por muitos erros que lhes possa apontar, não queria estar de facto no papel dos políticos que têm de decidir... acho que nenhum de nós lhes inveja esse papel...             Manuel Pessoa EXPERIENTE: Um artigo que me traz à memória o cómico que barafustava: falam, falam mas não fazem nada... Ao menos uma propostazinha de como fazer daqui para o futuro em três ou quatro situações denunciadas. Vá lá, duas. No mínimo, no mínimo numa. De preferência nalguma desgraça previsível mas que ainda não esteja patente.           Mario Coimbra EXPERIENTE: Já cá faltava. Dito ao homem que na fundação Manuel dos Santos fez um dos melhores trabalhos de demografia social em Portugal. Realmente quem não quer ver e quem tem a trincheira no seu núcleo nunca vai conseguir sequer aproximar-se da ponte. Lamentável           Manuel Pessoa EXPERIENTE > Mario Coimbra: O que quero dizer é que, neste momento, apontar erros passados não concorre para resolver desafios. E há desafios que estão para chegar e cuja urgência de solução é evidente. Identificar quais são e que soluções podemos apontar já seria colaboração útil. Todos sabem que o/s problema/s que a situação suscita é/são gigantesco/s e multifacetado/s. É errado querer propostas de solução? Ou basta apontar erros que sabemos que muitas vezes foram ditados pela escassez de meios e de conhecimento sobre o que se segue. Já agora: 1. o meu comentário incide sobre o texto e não sobre o autor; 2 não tenho trincheira nem núcleo (o que quer que isso signifique)            .  cidadania 123 EXPERIENTE: Concordo. O cidadão tem de saber onde nascem os surtos, os sectores ou locais mais perigosos, quem deve ser mais cuidadoso, mais vigiado, mais reprimido. Medidas rigorosas e generalistas levam ao descrédito, à fadiga, ao desleixo. Haverá certamente sectores que têm de parar ou pelo menos redobrar cuidados. Já sabemos dos surtos em lares, porque aí morrem pessoas. Mas, não há surtos nas cozinhas dos Mcdonald? Dos hipermercados? Nos entregadores ? Nas pequenas empresas? Nas empresas de limpezas? Há muitos que se sabem infectados mas omitem para não perder o emprego ou deixar de ganhar dinheiro, e com isso contaminam dezenas ou centenas. Tem de se criar um sistema de testes obrigatórios para quem trabalha em certos locais ou atende ao público, por exemplo. 30.01.2021

 

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