É este artigo de Helena Matos. Mas há muito que deixámos de reflectir, uma forma mais
ou menos perifrástica para justificar a nossa apatia e conformismo…
Eu reflicto, reflecti, reflectia, reflectiria… /premium
Sobre tudo menos sobre as presidenciais. Afinal os
presidentes tal como os vírus têm prazo para actuar. Já para o
confino-socialismo não há limites.
HELENA MATOS,
COLUNISTA DO OBSERVADOR
OBSERVADOR, 24 jan 2021
Eu reflicto (O Presente do Indicativo
possível). É como
aquelas músicas que não nos saem do ouvido. Não consigo deixar de reflectir
sobre donde vêm estas almas que nos governam. É difícil e, acreditava eu,
tecnicamente impossível reunir um tal conjunto de incompetentes e
irresponsáveis (em geral uma coisa implica a outra mas no caso concreto elas
exponenciam-se). Nunca, e neste nunca estou a incluir o desnorte da corte portuguesa aquando da invasão francesa
liderada por Junot e a incompetência que levou ao chamado desastre de La Lys, nunca, repito, Portugal em momentos de grande
exigência esteve entregue a uma tal agremiação de despreparados. Mas eis que neste dia de reflexão, que já não vou
afectar às presidenciais porque votei no passado Domingo, cheguei a uma
conclusão: a Temido, a Van Dunem, o “Tiago diz que da Educação”, o senhor
das vacinas (não é o senhor da troca das compotas
nas escadas é mesmo o coordenador Francisco Ramos que, após o falhanço da
vacinação contra a gripe sazonal – o primeiro em décadas –, resolveu acusar as
farmácias), a dra. Graça, que dizia que o vírus não ia chegar a Portugal, a
ministra da Agricultura, que achava que o Covid até teria consequências
positivas para as exportações portuguesas, o inenarrável ministro Cabrita, que
a cada tragédia grita “está tudo bem” e a cada falhanço declara “sucesso”, toda
esta plêiade foi seleccionada não pela sua competência mas sim pela sua
capacidade em não assumir responsabilidade alguma.
Imagine-se
que um dos membros do Governo ou dessa administração opaca que anda
atrás de António Costa desde que
este se tornou PM tinha um rebate de consciência e que, algures no meio dos
incêndios de 2017, do populismo das medidas tomadas em 2019, ou do desastre
absoluto no enfrentar da pandemia declarava: “Falhei”?! Pois é, não podia nem
pode ser. Afinal se um, apenas um, assumisse que tinha falhado também os
outros seriam postos em causa. O governo de António Costa não é
irresponsável por acaso. É, como agora soe dizer-se, sistemicamente
irresponsável. Não podia nem pode ser doutro modo.
Reflectindo (O Gerúndio faz muita falta).
Aquilo a que chamamos variante britânica tem alguma coisa a ver com o vírus
que não se pode chamar chinês? E a variante sul-africana é uma variante da
variante brasileira que por sua vez variou a partir de quê?
Reflecti-lo-ei (Futuro
pronominal garantido). Só o
enredo inerente a uma conjugação pronominal consegue dar conta do estado do meu
cérebro quando a mim mesma me pergunto: a que se aferra o procurador José
Guerra para não se demitir ou não ser
aconselhado a fazê-lo? Não consigo
deixar de reflectir nisto. Quero mas não consigo. É como uma moinha num dente.
Quero pensar noutra coisa e pronto lá vem a pergunta: a que se aferra o
procurador José Guerra para não se demitir ou não ser aconselhado a fazê-lo? Que
reflexo se reflecte quando o procurador José Guerra se olha ao espelho?… Isto
tem de acabar. Só não sei como.
Reflectir (Infinitivo
impessoal para passar nos polígrafos).
Biden já fechou Guantanamo? Sim, o campo de Guantanamo que Obama ia
fechar em menos de cem dias mal chegasse à Casa Branca em Janeiro de 2009 e que
continuava a funcionar em 2017 quando Obama deixou a Casa Branca? Exactamente
esse.
O
campo de Guantanamo, esse espinho cravado na ética mundial enquanto a Casa
Branca esteve Bush, caiu de tal
forma no esquecimento que, em 2019, Trump foi criticado por ter considerado uma
loucura os custos de manutenção de Guantanamo e declarado que procurava
alternativas ao campo. Estou em crer que Biden já fechou Guantanamo. Eu é que
não dei por isso.
Reflectia (Pretérito
imperfeito para uma acção inacabada).
“Eutanásia
aprovada em comissão. Votação final na
próxima semana. Diploma que despenaliza a morte medicamente assistida foi
aprovado na especialidade pelo PS, BE e PAN. CDS e PCP votaram contra. PSD
absteve-se.” Nos
mesmos dias em que Portugal regista números dramáticos de mortes por Covid e
sobretudo por doenças não tratadas por causa do Covid, os deputados resolvem
legalizar a eutanásia. Os
portugueses agonizam em filas dentro de ambulâncias e eles tratam do que chamam
“morte medicamente assistida”. Adiam-se tratamentos oncológicos e quem nos
representa acha que a eutanásia é um assunto para ser decidido numa votação na
especialidade por uma comissão. Um dia vão chamar a isto alienação criminosa.
Reflicta. (É
Imperativo mesmo). Não se
entende como ninguém até agora exigiu a requisição civil da CP. Os comboios a oscilar entre o apinhado e o cheio são
um mistério a vários títulos: em primeiro lugar porque são espaços livres de
Covid. Em
Portugal apanha-se Covid a comprar botões no postigo duma retrosaria mas não se
apanha Covid nos comboios cheios da linha de Sintra. Mistério
segundo e igualmente insondável é que ninguém
tenha proposto a requisição civil da CP para que ela integre o esforço de
combate ao Covid aumentando por exemplo a oferta de carruagens. Dirão que a
CP não pode ser requisitada porque não é privada. Pois é isso mesmo, em
Portugal o que depende de Estado é um mundo à parte, de rendimentos garantidos
e serviços variáveis.
Reflecti (Pretério Perfeito da
arte de enganar quem quer ser enganado).O
plano do Costa e Silva. Onde anda? Onde pára? O plano e Costa e Silva ele
mesmo, mais os poemas, as citações e os milhões para isto e para aquilo? Tenho
saudades do Plano Costa e Silva pela mesma razão que não descansarei enquanto
não voltar a sentar-me num circo para seguir enlevada o número do tirar coelhos
da cartola perante o “Respeitável público”.
Reflectira (Pretérito-mais-que-perfeito
para um futuro de miséria). Recibos
verdes: “Cálculo de ajudas à redução da actividade
é feito com base nos últimos 12 meses, mas, para muitos, a facturação foi zero.
Maioria só vai ter direito ao montante mínimo de 219 euros.”
Tal como aconteceu com os restaurantes, o Governo concilia o
melhor de dois mundos: anuncia milhões para apoios a fundo perdido, verbas
imediatas, linhas para isto e para aquilo. É um mundo
pretérito-mais-que-perfeito que se desfaz quando se tentar aceder ao muito que
foi anunciado: ou não se reúnem os requisitos para aceder aos apoios ou
descobre-se que a forma de cálculo é um logro. Perante o
desespero subjacente a isto só é de admirar que as sondagens não apresentem uns expressivos 100 por cento de apoio ao
Governo: os pobres nunca se podem revoltar contra quem gere a caixa das
esmolas, pois não?
Reflectiria (O Condicional da
questão). O fecho
das escolas seguido da proibição de aulas à distância é um marco no nosso
regime de confino-socialismo. Como sempre acontece nos
regimes socialistas, em nome da igualdade impõem-se os maiores absurdos, as
maiores desigualdades e sobretudo mascaram-se os falhanços de quem governa.
Neste caso a proibição das aulas à distância visa iludir o falhanço do
ministério da Educação na preparação das escolas públicas para a eventualidade
de um novo confinamento: não há computadores, não há estrutura, não houve
capacidade. Só propaganda.
Reflictisse eu (Conjuntivo
para um mundo em suspenso). O modo
conjuntivo tem disto. São ses e ques por todo o lado: se eu reflectisse, se tu
reflectisses… Mas é por isso mesmo que o modo conjuntivo se tornou o nosso
modo de vida. Por exemplo, se nós reflectíssemos
perguntaríamos: onde estão os constitucionalistas portugueses? Como é possível
que ao abrigo de legislação para combater um vírus se proíbem as escolas
privadas e também as públicas que o quisessem fazer de dar aulas à distância? Ou
se intervém no preço das botijas de gás? Nas quotas de música portuguesa nas
rádios?… O vírus vai tornar-se endémico. O autoritarismo socialista já o é.
Reflectido (Particípio
passado da nossa vergonha). “Pelo menos
1.259 idosos que não tinham para onde ir foram colocados em lares desde o
início da pandemia e até meados de dezembro”. Os velhos são os judeus do século XXI.
POLÍTICA ELEIÇÕES CORONAVÍRUS SAÚDE PÚBLICA SAÚDE
COMENTÁRIOS
Isabel Mª S. Marques: Parabéns! MaisUma ContaApagada: Excelente artigo.Mas os Portugueses adoram como se viu
pela votação em curso - no fundo deram um aval a Marcelo e Costa. Estão todos
bons uns para os outros.
Ana David: A questão de
Guantánamo não deve ser uma prioridade de Biden, e considero extemporânea a
crítica que parece demonstrar algum desencanto com a sua vitória nas eleições?
Joaquim Moreira: Ao contrário
do que dizem muito inteligentes, que por aqui e por aí vagueiam ou estão, o
problema não é do PSD, nem do líder da oposição. O problema é mesmo haver uma
CS, com jornalistas e comentadores, vários, sem a qualidade de Helena Matos e
dos seus comentários. E esta crónica, é mais uma prova real da sua qualidade
habitual. Trata-se duma cronista que não tem medo de ser acusada de fascista!
Porque descreve tão bem a realidade, que não é fácil a esquerdalha, a acusar de
fascista, por dá cá aquela palha! E chamo a atenção para esta diferença, -
entre os políticos da oposição e a social comunicação - por uma simples razão,
em minha opinião. A actual "governação", ao contar com o apoio da
profissional oposição - o BE e o PCP - destrói qualquer opositor, que tente
enfrentar o artista, ou o grande actor. Basta ver o que aconteceu ao PSD e a
Pedro Passos Coelho e mais recentemente ao CDS e a Assunção Cristas, por terem
a coragem de dizer na cara do artista e actor muito habilidoso, que é
incompetente e mentiroso. Por isso, é muito importante que haja quem diz o que
não deve dizer, com a mesma facilidade, um político da oposição, que se prepara
para assumir a governação. Goste-se ou não! Diogo Oliveira: Brilhante! Artur Parracho: Helena Matos e Alberto Gonçalves aqui no Observador são
do melhor em artigos de opinião, sempre com a assertividade, foco e objectiva
sobre o que se passa neste país á beira mar plantado. Excelente ! João Paisana > Artur Parracho: Rui Ramos... Jaime Nogueira Pinto José Barros: Excelente. António Sennfelt: Como ontem foi dia de reflexão, também eu ontem me dei
a reflexões! Reflecti e voltei a reflectir! E, depois de muito reflectir,
cheguei à conclusão de que não vale a pena estarmos preocupados! O nosso
excelentíssimo governo, governa! O nosso excelentíssimo Senhor Presidente da
República, pretérito, próximo e futuro, exerce magistralmente e continuará
magistralmente a exercer o seu alto magistério de influência e de derradeiro
garante do regular funcionamento das instituições democráticas! E, por último,
at last but not at least, o nosso excelentíssimo "líder" da
"Oposição" está permanentemente activo e vigilante! Que mais
poderíamos nós ambicionar? Anarquista Inconformado
> António Sennfelt: Tens bom
remedio, vai votar em quem te apara os golpes. Ou fica em casa a dormir, o sono dos adeptos dos
sal-azares. Hipátia
Alexandrina: Admirável e cruel, esta conjugação de Helena Matos. A justa ira de Némesis.
A crueldade de quem reflecte e se indigna com esta inenarrável pocilga.
Necessária, lúcida e brilhante.
Parabéns. Carla
Goncalves: Este desgoverno
fica na historia como o Governo dos Mortos (para alternar com o da
Bancarrota...). Mais um brilhante artigo. Parabéns! Lince: Eu reflicto naquela decisão,
própria de um destituído mental, de reduzir o horário de serviços essências
como a distribuição alimentar (lojas, supermercados..)(*), com isso aumentando
o risco de contágio, e concluo que os gajos não estão aptos para governar um
país em situação normal, quanto mais numa situação de crise. É uma reflexão que
arrepia qualquer pessoa na posse mínima das suas faculdades mentais...
(*) se um serviço
tem de estar aberto porque é essencial, então deve funcionar por um período de
tempo o mais alargado possível, e não o contrário, para que as pessoas não se
concentrem à porta dos estabelecimentos. É uma lógica que até o meu periquito
entende...mas que um punhado de cromos dirigidos por um PM inepto não entende. Hugo Gonçalves: Falta o Reflectir sobre a oposição
e pq é q as sondagens nunca foram tão
más para o PSD. João
Ramalho Fontes: Helena Matos. A Senhora é brilhante em cada artigo que escreve. VERDADES
sempre e a turba passa cantando e não actuando nas alturas devidas, nas
eleições, todas elas, nomeadamente nas legislativas. Que desgraça para Portugal
este governo! Nuno
Ribeiro: Brilhante artigo. Portugal precisava de mais pessoas
assim, que conseguem ter uma visão distante e abrangente que só a inteligência
permite. E de lhes dar palco nos media que chegam às massas. Alguém tem de
convencer este povo que as elites são o melhor dos países e não grupos a
abater. Porque é de entre as elites que se escolhem os melhores dos melhores
para se guiar um país. Elites nos valores, na inteligência e na conduta. Neste
momento, o governo é todo ele uma excelente amostra do pior de entre nós. Anarquista Inconformado: Uma crónica amargurada, de quem
não se vê representada nas eleições presidenciais, Dona Helena eu sei que a sua
amargura é outra, é não poder proibir a candidatura de certos candidatos.
Mas olhe tem de
aprender a viver em liberdade, a democracia é isso, se não gosta das pessoas
pelo menos aprenda a respeitá-las, caso contrário só lhe resta essa vida de
combate a quem não lhe compra as suas ideias. Lamento. Joao Moreno: Não concordando com a parte de Guantanamo (além do
homem ter acabado de se sentar, alguma coisa haverá que mantém aquilo aberto,
que suspeito que será o calibre dos residentes), acho todo o resto brilhante.
Tristemente brilhante. Francisco Tavares de Almeida: Obrigado por mais um excelente artigo. Eu tenho reflectido num vírus que faz Trump perder as
eleições e Costa subir nas sondagens. E o Observador não tem ajudado: ontem o impacto visual
da primeira notícia eram 4.000 mortos nos EUA: eu reflecti que isso equivalia
menos de 130 em Portugal onde foram 274. Carlos Santos: No meu comentário queria deixar um elogio à autora e um
agradecimento pela lucidez e coragem com que escreve; pena que o faça só de 15
em 15 dias. Muito obrigado
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