domingo, 10 de janeiro de 2021

Ainda o Capitólio


Ao menos para se usar um termo de comparação superior, para assim nos engrandecermos, com os nossos casos domésticos… Sebastião Bugalho explora o tema, jovem sério que aparenta ser.

As palavras da insurreição /premium

Nós, a um oceano de distância dos EUA e com vários tweets de proximidade, talvez devêssemos reflectir sobre aquilo que deixamos passar em branco por parte das nossas lideranças.

SEBASTIÃO BUGALHO

OBSERVADOR, 09 jan 2021

Não estou certo de que a opinião publicada em Portugal se tenha apercebido da gravidade do que se passou esta semana no capitólio dos Estados Unidos da América, em Washington D.C., como não estou nada convencido de que os políticos portugueses tenham retirado grandes ilações sobre o sucedido. Vamos por partes.

Desde que perdeu a sua reeleição, que Donald Trump se dedicou a questionar a validade dos resultados, criando uma realidade alternativa em torno do voto popular e do colégio eleitoral. Empenhou-se, em telefonemas já tornados públicos, numa escabrosa tentativa de contornar a vontade dos norte-americanos, ao mesmo tempo que reclamava uma “fraude” que nunca existiu. Não esteve, contudo, sozinho. Mais de metade dos congressistas republicanos apoiaram a sua iniciativa, recusando reconhecer Joe Biden como presidente-eleito dos Estados Unidos. E nenhum deles, durante os quatro anos da presidência Trump, se levantou para colocar em causa as variadas enormidades proferidas, as múltiplas vénias a tiranetes estrangeiros e o evidente aproveitamento do cargo para benefício da sua família e das suas empresas.

Foi preciso o partido perder, mais uma vez, o congresso; foi preciso o partido perder, por larga maioria, a presidência; foi preciso o partido perder, presumivelmente, o senado; e foi preciso uma multidão de manifestantes invadirem o Capitólio e morrerem cinco pessoas para o Partido Republicano acordar e rejeitar o trumpismo.

Kelly Loeffler, que 24 horas antes havia manifestado o seu apoio à continuação do ainda presidente, acabou por admitir que não podia “em boa consciência negar a certificação do voto dos eleitores”. James Lankford também recuaria, assumindo que o partido, depois do incidente, “certificaria Joe Biden como presidente dos Estados Unidos”. E Richard Burr, também senador e também republicano, afirmaria mesmo que “o presidente carrega responsabilidade pelos eventos de hoje ao ter promovido teorias da conspiração infundadas”. Vários membros da administração demitiram-se e vários antigos membros do gabinete de Donald Trump defenderam a sua remoção imediata do cargo.

Durante a semana que antecedeu o ataque ao Capitólio, no entanto, enquanto Trump atiçava os seus apoiantes no Twitter e em discursos, nenhum dos senhores ousou abrir a boca. Era mais um dia, mais uma alarvidade, mais uma coisa que não era para levar a sério e que acabaria por se esfumar no tempo. Cinco mortos mais tarde, incluindo um polícia espancado pela multidão com um extintor, o silêncio terminou ‒ mas só depois da tragédia. Entre os manifestantes já ouvidos pela justiça, encontram-se veteranos de guerra, proprietários de armas automáticas e um que conseguiu a proeza de entrar no capitólio com onze cocktails molotov. As imagens de homens camuflados empunhando algemas descartáveis mostram como muito pior poderia ter acontecido e como a América, independentemente do seu novo presidente, continuará dividida, radicalizada e furiosa.

As lições para o mundo que esta história deixa? Incontáveis. E nós, a um oceano de distância e com vários tweets de proximidade, talvez devêssemos reflectir sobre aquilo que deixamos passar em branco por parte das nossas lideranças. Sejam acusações de traição internacional, como o primeiro-ministro lançou esta semana ao PSD, seja um profundo desprezo pela lei, como aquele que o líder da oposição exibiu ontem, resumindo a função dos juristas a “complicar” as suas reuniões com o governo, as palavras em política, como o sr. Trump provou esta semana, nunca são só palavras. E as suas consequências tendem a escapar às intenções dos seus autores.

AMÉRICA  MUNDO  POLÍTICA  DONALD TRUMP

COMENTÁRIOS:

Francisco Albino: "...reclamava uma fraude que nunca existiu"? Que me desculpe o autor mas anda muito mal informado. E não faltam fontes de informação revelando precisamente o contrário do que afirma.         José Luis Salema:  Mas vergonha maior, caso a tivessem, é a dos que alertaram para a gravidade do recente esboço de golpe, depois de justificarem sem escrúpulos os esforços golpistas dos democratas em 2016 – e, de facto, em 2017, 2018, 2019 e 2020. Em democracia, a legitimidade de semelhantes palhaçadas é sempre, sempre, sempre nula, nula como o “jornalismo” que não o admite. Alberto Gonçalves         josé maria: Que diferença entre este artigo de Sebastião Bugalho e o de Alberto Gonçalves. Sebastião confere à invasão do Capitólio a relevância e gravidade que merece, Alberto desvaloriza. Ainda há boas diferenças nas direitas portuguesas.        Paulo Cardoso > josé maria: Zé Maria. AG não desvaloriza. Se tivesses lido tudo ou, lendo tudo, compreendido, terias notado que AG diz “É evidente que a actuação de Trump foi vergonhosa.”. AG faz é questão, e bem, de minimizar o efeito da miopia que muitas pessoas, como tu, sofrem. AG, com argumentos concretos, vem recordar que este comportamento não é exclusivo de Trump ou dos Republicanos mas também dos democratas. E diz mais: diz que estes comportamentos são inaceitáveis, tanto quanto é inaceitável dizer que são exclusivos de uma das partes.        Paulo Cardoso: Caro Sebastião. Porque se adivinha a tua legítima vontade de vir a ser um opinion maker de topo ou mesmo um político cimeiro, vou-me permitindo expor alguns pensamentos que me ocorrem, da leitura dos teus escritos. Sim. Donald Trump sempre foi, para mim, uma figura pouco consensual, chegando mesmo a ser odiosa. Muito antes de chegar ao poder. No entanto, a alternativa a este, acabou por lhe conferir legitimidade em muitos ditos e acções. A forma como foi combatido pela tal alternativa - curta memória a tua, que não se recorda dos ditos e acções dos democratas, aquando da eleição de Trump - terá talvez sido a principal responsável pela animosidade crescente nos EUA nestes últimos cinco anos. A constante guerrilha feita nos media, na rua, nas redes sociais, recorrendo para o efeito a eventos aos quais Trump e a sua equipa eram alheios, conseguindo que estes fossem percepcionados como responsáveis, acabou por gerar este tipo de tensão. Queres um pequeno exemplo? Dizes tu no teu texto “Cinco mortos mais tarde, incluindo um polícia espancado pela multidão com um extintor, o silêncio terminou...”. Como foi um polícia que (pelo teu texto deduzo) morreu barbaramente espancado, pouco ou nada se viu nos media, nas ruas ou nas redes sociais. Motivou o discurso republicano. Foi esta a primeira responsável pelo quase estado de sítio em que por diversas vezes vimos os EUA nos últimos cinco anos. Sim. Trump sempre foi, é e será uma personagem pouco consensual e odiosa. Sim. Trump tem responsabilidades neste desfecho do seu mandato. Mas Trump não é seguramente o único responsável. E, considero eu, não foi o primeiro.        Paulo Cardoso > Paulo Cardoso: Afinal não precisava de ter gasto o meu latim. O AG, já se tinha encarregue do contraponto.       advoga diabo: Se condescendendo com a presunção própria da juventude, só faltou a SB ser mais específico sobre de onde vem o verdadeiro perigo em Portugal, para se poder afirmar, com alguma satisfação e esperança, que esta promessa da Direita, finalmente, "viu a luz"!         El Barto > advoga diabo: O perigo vem de quem afirma não dar posse a um governo democraticamente eleito caso não seja do seu agrado, parece-me elementar e de básica compreensão    António Duarte: O Mc Artur chama-se agora Zucherberg e, como se diz acima, também estranho que se aceite que um homem tenha o poder de dirigir o espanque, em boa verdade, é público. Ontem dizia um comentador que não se pode esquecer que o Facebook é privado e o interlocutor nem se lembrou de dizer que também a MEO, a NOS etc são e parece que não podem negar a ninguém o acesso aos meios de comunicação...           Ping PongYang > António Duarte: Ai, podem podem...    Andrade QB: Mesmo assim, a situação é melhor nos EUA do que em Portugal. Os ratos do barco Trump abandonaram o barco, enquanto que os ratos do barco Sócrates recuaram com fingimentos de abandono, para terem tempo de assaltar o Ministério Público para lhes evitar a cadeia e para assaltar todos os organismos que lhes possam continuar a garantir fundos europeus para rechearem contas ou trocar favores. Curiosamente, os portugueses revoltam-se mais com o oportunista Trump, do que com a estruturada máquina trituradora doméstica. Curiosidades.           bento guerra > Andrade QB: Essa é que é essa!            Paulo Neves > Andrade QB: Exactamente! Isso é que é surpreendente. Ou talvez não, porque explica o estado a que chegámos.           Maria L Gingeira: O mais grave em todo este processo é vermos que sem qualquer ordem judicial para o efeito, os donos das redes sociais bloqueiam contas a alguém que ainda é presidente dos EUA, só porque os seus opositores assim querem. Isso sim é muitíssimo grave. Isto é o que nos contaram. Se calhar há muitas nuances entre o mau da fita e os salvadores da pátria.        bento guerra: Quem não teve já um Parlamento invadido, ó Bogalho? Blá-blá        JB Dias: Fraco texto onde se pretende cavalgar a onda da indignação politicamente correcta para extrapolar para guerras de alecrim e manjerona das politiquices de baixíssimo nível em que António Costa e o PS já se tornaram referências. Recordo - ou se calhar informo por que provavelmente não seria o cronista ainda vivo - que o Parlamento português foi objecto de cerco e os deputados eleitos sequestrados - com a excepção dos do PCP e seus "compagnons de route" - e que não foi a Direita, que tais actos promoveu e apoiou ... nem Trump.         Adelino Lopes:  “ao mesmo tempo que reclamava uma “fraude” que nunca existiu”. Só um ignorante da lógica básica é que pode escrever uma calinada destas. Vou explicar. Em tribunal ficou provado que milhares de votos não poderiam ter existido porque as pessoas já não eram vivas. Mas, nesses estados, a vitória foi atribuída, pelo juiz, ao Biden porque esse número (provas apresentadas) era inferior à diferença na contagem dos votos. Sim senhor. Mas alguém no seu juízo pode dizer que não existiram mais casos? Por amor de DEUS …       Miguel Soares Franco: Leia o Alberto Gonçalves sff         João Paulo Reis: É na derrota que se vêem os grandes homens, Trump optou por sair pela porta pequena e a História ser-lhe-á implacável. Há mínimos de comportamento cívico e Trump revelou-se inimigo da sã convivência democrática, o bem defende-se com palavras e actos dentro do quadro democrático. Revelou-se ainda inimigo da sã convivência democrática, não que a ditadura das redes sociais não seja muito preocupante, mas esta combate-se com palavras e actos dentro do quadro democrático sem lhes conceder qualquer direito de se substituírem aos mecanismos legais eleitos. Com os seus irresponsáveis e antidemocráticos actos, deu azo a que nos próximos meses e anos assistamos a um McCartnynismo da esquerda americana liderados pelas redes sociais, a qual perseguirá tudo o que mexer fora da sua agenda, os católicos estarão entre as vítimas e muitos nem empregos conseguirão. Cá já sucede por via da filiação partidária, é triste, mas é verdade.

 

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