Pesem embora as opiniões contrárias dos
tais “cidadãos do mundo”, à la page
dos acontecimentos efervescentes numa Terra profundamente mutável, salvo nos
pontos de vista do articulista, que até soam a calinada, de tão evidentes que
aparentam ser. Dos 78 comentários que o impecável artigo de António Barreto mereceu, pois, apenas coloco uma meia
dúzia, mas regozijo-me com a clareza do articulista português, cidadão do mundo
pela inteligência crítica, num discurso de extrema harmonia tanto racional como
discursiva, como é seu hábito. Mas os tais cidadãos universais fazem, sobretudo, gosto em pôr o seu acento na vetustez do escritor, como marca vexatória, esquecidos de que o tempo não tem afilhados...
OPINIÃO Cidadão do mundo não é cidadão
Uma das mais sérias causas da crise da
Europa (e do renascer dos reflexos do nacionalismo) reside justamente na ideia,
muito em voga, de que a virtude está na cidadania global, naqueles que se
consideram cidadãos do mundo. Não há pior engano.
PÚBLICO, 16 de Janeiro de 2021
São múltiplos os elogios feitos à excelência da cidadania global. A luta contra a
pandemia reforça as exigências de colaboração internacional. As
alterações climáticas constituem uma ameaça global que obriga, sem dúvida, a
uma resposta global. Parece
que as migrações de multidões de trabalhadores, de fugidos e de perseguidos,
também necessitam de respostas coordenadas entre governos. Novos
surtos de miséria e fome, sobretudo em África, pedem por acção global. A crise económica mundial, em resultado da pandemia,
impõe planos conjuntos, como é o caso da Europa, sem o que tão cedo
não se encontrarão soluções pacíficas. O
desmesurado império das empresas de redes sociais, de petróleos, de serviços e
de comunicação força a uma cooperação entre povos, de modo a definir respostas
globais a ameaças globais. O
colossal poderio das grandes fortunas e das instituições que condicionam as
finanças do mundo não pode ser regulado a não ser com sistemas internacionais,
talvez globais. Como global deve ser o esforço de combate às cada
vez maiores empresas e rackets dos armamentos, da droga e outras actividades
ilegais. Finalmente, para travar e derrotar as mais terríveis
formas de terrorismo contemporâneo, parece ser necessário recorrer à cooperação
internacional.
Novas liberdades e novos direitos
fazem luz sobre novos problemas para os quais parece não haver resposta cabal
nos planos tradicionais das regiões, das autarquias e dos Estados. A livre
escolha de género coloca em crise as ideias estabelecidas nos Estados. A total liberdade de deslocação contraria
frontalmente as determinações soberanas dos Estados. A ideia de que existe uma cidadania
supranacional, a
começar por uma cidadania europeia, tem feito caminho e já revelou as
insuficiências das eleições nacionais, da responsabilidade política e da
prestação de contas aos parlamentos.
A
globalização pode oferecer numerosas vantagens. A acção concertada
dos Estados e dos povos pode fornecer meios de combate às mais temíveis ameaças
globais. Mas a verdade é que os direitos
fundamentais dos cidadãos, as liberdades, a segurança pessoal, a justiça e a
solidariedade na doença e na velhice pertencem ao quadro local, regional e
nacional. A autonomia pessoal, a independência e os direitos de escolha
política dependem dos quadros autárquicos e nacionais, conforme os conhecemos.
Os homens e as mulheres procuram bem-estar, segurança e liberdade nos
seus grupos de referência, de pertença e de identidade. Há
dois mil anos que se conhece a reflexão dos filósofos sobre a tendência
gregária das pessoas. Família, grupo, associação, comunidade, tribo, culto,
país, Estado e nação… A história da humanidade é, em parte, a história destes
agrupamentos e das suas glórias. Como também, claro, das suas derrotas e dos
seus desastres. Guerras e ditaduras, conquista e exploração, fomes e
perseguições estão no rol da história dos grupos e das identidades. Mas
a actual corrente contra o tribalismo e o nacionalismo é a mais ilusória das
modas de pensamento. Nunca as
liberdades e os direitos dos cidadãos foram defendidos por entidades globais ou
abstractas instituições supranacionais. Sempre na história a justiça foi feita
e defendida por instituições com identidade autárquica ou nacional.
O essencial da cidadania
reside no vínculo de direitos e deveres que ligam cada pessoa à sociedade e à
cidade, à região e ao Estado. Não
há direitos de cidadania com a globalização. Se
quero defender a minha vida, a minha segurança, a minha liberdade e os meus
direitos, é à justiça do meu país que me dirijo. É aos meus representantes na
autarquia ou no Estado que vou pedir ajuda. São eles que me defendem em caso de
necessidade e doença, de agressão ou opressão.
Nunca
uma entidade global defendeu a justiça e as liberdades dos cidadãos. As Nações Unidas dão muitas vezes ajuda, com
certeza. Mas, junto dos cidadãos, são os Estados nacionais que assumem o papel
decisivo
É verdade que o pior do nacionalismo,
da exploração social ou racial e da guerra ou da perseguição tem muitas vezes
como quadro os Estados e as tribos. Foi sempre assim, na história. Nada é
perfeito ou virtuoso. Mas uma coisa é certa: nunca uma entidade global defendeu
a justiça e as liberdades dos cidadãos. As Nações Unidas dão muitas vezes
ajuda, contribuem para a colecção de recursos. Sim. Com certeza. Mas, em última
análise, junto dos cidadãos, nas aldeias e nas cidades, nas empresas e nas instituições,
são os Estados nacionais que assumem o papel decisivo.
Além
das convenções políticas, são os Estados nacionais, as autarquias, as formas de
agrupamento humano e as famílias que representam a herança cultural e
enriquecem as formas de solidariedade. Eu recorro a quem conheço e quem
partilha a minha história: em poucas palavras, a quem reconheço e me reconhece.
É perigosa a ideia de que se pode ser cidadão do mundo, moda recente que serve para as servidões e a
uniformidade. Aí começa
o totalitarismo. É
ameaçadora a ideia de que as fronteiras, os Estados, as nações, as línguas e as
identidades são quinquilharias ou trapos. Essas ideias fazem parte do arsenal
do despotismo. São instrumentos de opressão dos chefes sobre os cidadãos. Dos
patrões sobre os trabalhadores. Dos sacerdotes sobre os crentes. De uma etnia
sobre outra.
Quem
se quer defender e proteger da injustiça e da violência recorre às instituições
democráticas, representativas e reconhecidas. Os homens e as mulheres do nosso
tempo e de sempre procuram segurança, solidariedade e identidade junto de quem
reconhecem ou junto de aqueles a quem conferiram direitos e representação.
Uma das mais sérias causas da crise
da Europa (e do renascer dos reflexos do nacionalismo) reside justamente na
ideia, muito em voga, de que a
virtude está na cidadania global, naqueles que se consideram cidadãos do mundo. Não há pior
engano. A
liberdade e a democracia têm geografia. E
alimentam as diferenças e as livres escolhas. Quem
garante melhor a minha liberdade? A União ou o Estado português? Quem protege a
minha liberdade? A União ou as polícias, os magistrados e os tribunais
portugueses? Por piores que sejam as minhas opiniões sobre as instituições
nacionais, estas são sempre, para defender os meus direitos, melhores do que as
instâncias tecnocráticas, apátridas e virtuosas. Com certeza que as Nações
Unidas, a União Europeia, a NATO e outras instâncias internacionais servem os
propósitos comuns de grande parte da humanidade. São muitas vezes
indispensáveis. Mas são os Estados, os povos e as nações que as utilizam e lhes
dão vida.
Cidadão do mundo não é cidadão de
parte alguma.
Sociólogo
TÓPICOS
ESTADO
DEMOCRACIA NACIONALISMO GLOBALIZAÇÃO EUROPA NAÇÕES UNIDAS NATO
COMENTÁRIOS:
Ahfan Neca EXPERIENTE: Um excelente
artigo como há muito não via a António Barreto. A grande luta no mundo actual
trava-se entre os cidadãos dos países onde a cidadania existe e os interesses
da globalização que conduzirão o mundo a novos totalitarismos de novos formatos
e à perda de direitos pelos cidadãos. Não só direitos políticos mas cívicos
também (intimidade, privacidade, circulação, etc.), mas também ao seu
empobrecimento relativo e à concentração da riqueza num número restrito de
pessoas ligadas ao capital especulativo e ao poder político em aliança íntima. Jonas Almeida INFLUENTE: É como diz, Ahfan, o capitalismo financeiro "sem
alternativa" a abocanhar a Democracia, a cidadania e até o capitalismo
produtivo. É a doença terminal da economia de renda. Pelo contrário, a
cidadania é a autodeterminação das pessoas, das comunidades e dos países em que
se organizam. É urgente desmontar este novo totalitarismo que passa por ser
"multilateral" mas só serve o lado dos donos das improdutivas
máquinas financeiras a que nos agrilhoaram hereditariamente. Eu sinto que o
covid abriu os olhos a muita gente. 17.01.2021 arcticstunt INICIANTE: Temos aqui um conjunto enorme de falácias, contradições
e enormidades em forma de texto. Mas acima de tudo, diz-me a experiência, que
quem se expressa desta forma tão azeda quanto à "globalização" e tudo
o que ela significa, esconde uma mentalidade anacrónica, desistente, e um tanto
frustrada, tentando empurrar tudo e todos de volta para um pequeno local (um
buraco) que lá no fundo sabem bem que não regressará mais. Isto porque por um
motivo ou outro não se conseguiram adaptar a ela. Pegando um pouco na estrutura
do texto, as desvantagens e desafios da tal "globalização" também não
caberiam num post destes, mas a verdade é que se trata de um caminho sem
retorno e uma obra comum a realizar por muitos obstáculos que existam. Caro
cronista, o seu velho bairro não esperou por si, o mundo já mudou VivaViriatoLusitano EXPERIENTE: Coloca alguns num extremo e o
arciscstunt parece colocar-se no outro. Espero que não caia. Veja o exemplo da
Microsoft que eu dei em resposta a Ahfan Neca. Apresento-lhe Outro, de
anteontem, o BCP não me deixa entrar na conta, através do navegador OPERA
porque tem VPN nem através do Internet Explorer porque deixou de o permitir.
São exemplos de perdas de direitos ou de imposições de que tem o poder ou
domínio. Nesta senda cada vez será pior, sobretudo se não tivermos cidadãos,
mas sim marionetas nas mãos das grandes empresas mundiais que dominam a
internet... Adolfo-Dias EXPERIENTE: Excelente artigo, mais um, de
António Barreto. A sua independência de pensamento, lucidez e bom senso
intemporal são incomparáveis e insubstituíveis. Jonas Almeida INFLUENTE: Junto-me ao
concordo, em absoluto com António Barreto que o "Cidadão do mundo não é
cidadão de parte alguma". O globalismo político é o projeto totalitário de
quem quer a cidadania convertida num aviário para a supressão da
autodeterminação democratica e para o saque dos recursos locais do contrato
social dos outros. Concordo também que esta ideologia totalitária tem a sua expressão
mais pura e fascista naquilo que passa hoje por "projeto europeu". A
evidência que salta à vista é a de um esclerótico projeto de colonialismo
intra-europeu. Para o enquadramento histórico recomendo o livro "Globalists: The
End of Empire and the Birth of Neoliberalism" por Quinn Slobodian mariaestela.rodriguesmartins EXPERIENTE: É claro que as
ideias, as identidades, os idiomas, as tradições não "são quinquilharias
ou trapos". Devem ser preservadas, porque os povos são diferentes, mas é
na diferença que nasce e prolifera a beleza e a magia da sociedade humana. Mas
pode-se ser nacionalista e, ao mesmo tempo, um cidadão do mundo. Cidadão do
mundo no sentido em que se reconhece que independentemente das diferenças,
somos todos iguais, devemos todos ter os mesmos direitos, à paz, à justiça, a
condições de vida dignas. Sou portuguesa e gosto da cultura do meu povo, mas
sinto-me ao também uma cidadã do mundo, que também sabe reconhecer a beleza da
cultura de outros povos e os seus direitos.
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