Parece fofoca, desta vez um tanto tonta. Prefiro regressar a Camões:
Mudam-se os
tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
OPINIÃO
Metamorfoses
A ideia de que pode haver uma
“democracia universal”, “mundial”, “global” ou “planetária” é infantil.
PÚBLICO, 2 de Janeiro de 2021
Adormecer
português e acordar europeu! Apagar a luz como cidadão e abrir as janelas como
presidente! Acabar o ano com uma grande Europa e começar o novo com uma mais pequena!
Parecem pequenas mudanças, de forma ou de símbolo. Mas são sinais de profundas
transformações em curso.
A
pandemia ocupa o mundo, é natural. O novo Presidente americano
prepara-se para chamar as atenções, é normal. O Presidente Trump
arranja-se cuidadosamente para sair com inesperado ruído, já sabemos.
Sem sucessor, a principal líder europeia, Angela Merkel, faz as suas malas e
deixa uma União sem centro de gravidade ou sem cabeça, como é conhecido.
Os países mais pobres do mundo vivem aflitos sem serviços de saúde, com poucos
médicos e sem dinheiro para comprar e distribuir vacinas, não é novidade.
A democracia a recuar em quase todos os continentes, é sabido. A China a crescer, é notório. Tão
importantes, mas menos visíveis, são os movimentos tectónicos que se pressentem
na Europa. Assim como as transformações na sociedade portuguesa, quase
imperceptíveis, que exigem atenção.
No
meio disto, a nova presidência europeia, a assumir por Portugal desde hoje,
mais parece fait divers. Em certo sentido, é. As presidências da União são uma rotina.
Boas, por serem rotina. Todos os países, quando chega a sua vez, querem ter
agendas, elaborar dossiers, deixar a sua marca, criar plataformas, abrir
debates, fazer reformas, projectar a Europa no mundo... É natural. É bom
que assim seja. Mesmo quando é inútil. O que interessa a Portugal é que o
país está lá, que se cumprem regras e que se tenta consolidar um passado
recente. Ainda por cima, numa altura em que se descobriu que a Europa,
depois de crescer, também podia diminuir. E que os
europeus podiam levianamente despedir os ingleses, tal como estes eram capazes
do enorme disparate de dispensar os europeus.
Três
semanas antes de eleger o Presidente português, os portugueses e os europeus
receberam um novo presidente europeu. O sistema rotativo é muito interessante, pouco
democrático e totalmente ineficaz. É
de certa maneira um sinal de fraqueza da Europa. Esta
nunca soube fazer da diversidade a sua força e o seu carácter. Em vez disso, procura instrumentos supletivos de
unidade e liderança que não são mais do que remendos. O que não impede que, por vezes, atrás desta
cenografia, se levem a cabo feitos maiores. A vacinação
coincidente de todos os países europeus, após planeamento colectivo, fez mais
pela União Europeia do que uma “presidência activa” ou uma dúzia de grandes
reformas e debates.
A
presidência portuguesa nada nos vai
trazer de novo ou importante, a não ser isso mesmo, acontecer. A
rotina é um dos grandes méritos da democracia. Das três
presidências portuguesas que antecederam a actual sobraram uma Estratégia de
Lisboa, um Tratado de Lisboa, duas cimeiras Europa-África, uma reforma da
PAC... Mas a verdade é que, com a excepção de
alguns episódios desvairados com países menos rigorosos, de todas as
presidências sobram sempre feitos, reformas e avanços. A “maquinaria europeia”
está muito bem preparada para tratar das rotinas, o que inclui os dramas das
lendárias negociações nocturnas e as conciliações de madrugada.
Os
quatro presidentes portugueses da Europa foram, por esta ordem, Cavaco
Silva, António Guterres, José Sócrates e agora António Costa. Os presidentes
da República eram Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de
Sousa. Cavaco Silva esqueceu-se de Mário Soares durante a primeira
presidência. António Guterres marginalizou Jorge Sampaio na segunda.
José Sócrates ignorou Cavaco Silva na terceira. Ainda não se sabe o
que fará António Costa com Marcelo Rebelo de Sousa. São os mistérios do
semipresidencialismo.
Muito
mais importante do que estes episódios, cujo carácter imprescindível reside
na sua rotina, é a mudança em curso na sociedade. Os
países estão a ficar menos nacionais, mais cosmopolitas, menos europeus e mais
mestiços. Toda a gente pensa isso, mas é difícil
preparar instituições e regras. Há muitas décadas, quando o governador do Congo
se queixava da falta de franceses para desenvolver a colónia, o
general De Gaulle retorquiu: “Meu Caro Governador, você é um Burguês! O futuro
é mestiço!” No caso
europeu actual, a mestiçagem começa pelas nacionalidades europeias
e espalha-se depois pelas africanas, mediterrânicas, árabes, turcas, indianas e
outras. Estas misturas são explosivas, como já se percebeu. Tanto por causa das
reacções dos brancos europeus e cristãos, como devido aos comportamentos dos
imigrantes e refugiados. Há xenofobia e racismo dos dois lados.
Mas
essas não são as únicas ameaças. Outra tão importante como essas é a da geografia
da liberdade. Até nova
ordem, o regime democrático tem uma natureza territorial indelével. Não há
soberania popular nem representantes, sem comunidades ou distritos eleitorais
com base regional. Não há democracia nem parlamento sem eleitorados e sem
limites geográficos. A ideia de que pode haver uma “democracia universal”,
“mundial”, “global” ou “planetária” é infantil. Aliás,
curiosamente, os grandes poderes globais e “galácticos” da ficção científica
são sempre impérios e equiparados, ditaduras e regimes totalitários. A União Europeia, que já foi longe de
mais, tem de rever as suas estruturas democráticas, os seus processos
eleitorais, as suas comunidades locais e nacionais. Sem o que nunca conseguirá
definir os contornos da sua democracia, nem estancar os impulsos nacionalistas.
Outra ameaça é a da destruição
das bases culturais da democracia.
Tanto a tradição como a mestiçagem exigem comunidades de cultura. Olhe-se bem
para o mapa da democracia no mundo. É difícil encontrar exemplos de
democracias sem uma qualquer tradição cultural, sem comunidade de herança e sem
identidade histórica. O falhanço, talvez sem excepção, das tentativas de
exportação da democracia deveria dar-nos ensinamentos para ajudar a tratar da
Europa. Actualmente,
o recuo da democracia no mundo deve-se muito à ausência de comunidade e de
tradição, ao cosmopolitismo sem fronteiras nem identidade. Assim como à criação
de poderes políticos desligados das instituições e das comunidades ou bases
eleitorais. Os Estados da Oceânia e da Eurásia (G. Orwell),
tal como os reinos dos Elóis e dos Morlocks (H. G. Wells), não têm bases
eleitorais nem geografia. Os
países europeus, se querem manter-se democráticos, não podem perder as suas.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Jonas Almeida MODERADOR: Excelente artigo de António Barreto a recordar os
factos que os europeístas preferem embrulhar numa fé cada vez mais disparatada
e cada vez mais ruinosa. Como se lê nos livros de ciência política, a
observação simples é que não há Democracias fora do enquadramento de
nações-estado. zav60.911576 INICIANTE: Lembro-me de ter lido/ouvido, algures, o A. Barreto até
a afirmar-se como apoiante da Reforma Agrária mas não, segundo ele, a que
estava a ser “implantada pelo PCP”: ele imaginava-a então, como uma tentativa
de “aburguesar” o proletariado agrícola… de lhe dar as terras, ou seja, nada do
demónio da colectivização! Terá sido por isso que, julgo eu, Mário Soares o
escolheu para a pasta da Agricultura, em Nov/76: para “quebrar os dentes” aos
“comunas”. O resultado da famosa “lei Barreto” todos nós sabemos qual foi… o
mais recente exemplo disso foi aquela orgia de barbárie na Torre Bela! Aqui
neste artigo, o “cientista social” (Wikipédia dixit) faz mais uma das suas
descobertas “sociológicas”: «Há xenofobia e racismo dos dois lados»… ou como
diria Trump: «I think there is blame on both sides» RUI ESTEVES EXPERIENTE: Há dias assim. Por mais que o cronista puxe pela cabeça,
nada se aproveita. Lê os jornais, dá um salto à imprensa estrangeira, mas
continua em branco. O prazo para entregar o texto está a esgotar-se e da janela
do escritório só se vê o deserto, sem uma pinga de água que lhe refresque a
moleirinha. Então só lhe resta ir juntando meia dúzia de frases desgarradas e
ir ajuntando outras a ver se colando sai um texto com cabeça tronco e membros.
Não saiu, e sobrou o pescoço - que como escrevia o Mário Zambujal, não se sabe
bem a que parte do corpo pertence. Fowler Fowler INICIANTE: Quais “as transformações na sociedade portuguesa, quase
imperceptíveis, que exigem atenção”? Infantil, no mínimo, foi a defesa de
Barreto da invasão do Iraque, levada a cabo por Bush filho, na ideia de se
exportar a democracia para esse país árabe. De resto, o autor vem, uma vez
mais, defender lideranças fortes e fronteiras para a liberdade, tradições e
comunidades. Até outubro, o sr. Barreto não precisa de passaporte para voltar à
velha Inglaterra. Boa viagem! Jose MODERADOR: "De Gaulle retorquiu: “Meu Caro Governador, você é
um Burguês! O futuro é mestiço!” Imagino que De Gaulle estivesse a ver o futuro
pela pele. Não existe mestiçagem de Culturas. As Culturas evoluem por
espessamento, não por destruição ou substituição das mais profundas camadas
históricas de cada Cultura. Aquilo a que elegantemente chama
cosmopolitas são na realidade guetos de culturas nómadas imiscíveis. Elas
vagueiam por subúrbios de Culturas colonialistas, consequentemente racistas.
Estas Culturas colonialistas o que querem dos seus "cosmopolitas" é
Trabalho barato, súbdito e, cereja no topo do bolo, seria assimilar as suas Culturas,
trocar pelo parco salário a rendição e conversão impossível. É mau demais para
dar certo. Vai dar "molho" como se vê a olho nu. Menos UE, menos
Império! Jonas Almeida MODERADOR: Concordo ! As tais elites globalistas são de facto
as primeiras a propor regras e governações que não consultam ninguém. Os
referendos deixam-nos em pânico, as culturas nacionais em apoplexia. Só a
ditadura das sem-alternativas os serve. Uma "união" cozinhada na
secretaria do BCE. O rendimento per capita dos portugueses teve o seu pior
desempenho histórico nas últimas duas décadas (do euro), em que o rendimento
real cresceu em média (res Univ Leiden) 0.018% ao ano Roberto34 MODERADOR: Não teve não, Jonas. Esses números são falsos. Não
precisa de escrever ad nauseam essas mentiras. O rendimento per capita em
Portugal cresceu entre 2001 e 2019 cerca de 57%, o que corresponde a um
crescimento de 2.4% ao ano, idêntico a média Europeia. Mas outros países
tiveram uma performance melhor, como os Bálticos, que também têm o Euro. E os
referendos na UE sempre foram respeitados.
Jonas Almeida MODERADOR: Fui confirmar no original e de facto estou errado - nas
décimas !!! Em vez do crescimento do PIB real dos 20 anos de euro ser de 0.018%
este foi de ... 0.014%. Obviamente que não corrigir inflações e custos de vida
chegará a outros valores, a lá Zimbabwe, sem significado real. Para mais ver a
informação prestada por Ricardo Cabral no seu artigo da 2a feira passada.: Jonas Almeida MODERADOR: Cito do original de Ricardo Cabral: "De acordo com
a base de dados AMECO da Comissão Europeia, o PIB real per capita português
crescerá 2,6% entre 2001 e 2020, i.e., 0,014% por ano, em média. A arquitectura
do euro resulta no que Alexandre Afonso [Univ. Leiden] descreve, bem, por
transferências por regulação dos países menos competitivos para os países mais
competitivos. 02.01.2021
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