segunda-feira, 21 de março de 2022

Um fenómeno cada vez mais irrelevante


Em governos atrelados à canga das suas forragens de empréstimo e respectiva distribuição, as anomalias linguísticas resultantes desse acordo de um aparente “favorecimento” da acessibilidade gráfica para povos de culturas díspares – que, aliás, o desprezam - há muito deixaram de interessar, acomodados que estamos, na distância do nosso isolamento cultural, por demais votado à deglutição, como manifestam tantos programas televisivos da nossa praça, de mesa posta, de manhã, à tarde e à noite, para recreação dos corpos e das almas. Por isso, bem prega Frei Tomás, ou seja, o Dr Salles, na sua ousadia irreverente de patriota cordato, mas cada vez mais distante, nos seus princípios de lógica linguística, até mesmo dos que dantes pareciam interessar-se por igual fenómeno significativo da nossa irreparável inépcia e mândria cultural.

POBRE LÍNGUA PORTUGUESA

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 20.03.22

O Acordo Ortográfico de 1990 – a que os preguiçosos se referem por AO90 -  contribui para abolir as ligações etimológicas da língua portuguesa e, portanto, as variantes cultas das palavras. Ao ver privilegiada a via fónica, a língua escrita significativamente erudita, transforma-se numa linguagem de boçalidade.

O português padrão (o que se fala e escreve em Portugal expurgado de regionalismos) está a transformar-se num estranho dialecto com determinações incompreensíveis que se afastam da etimologia e das restantes línguas latinas. Com a agravante de nem sequer haver qualquer uniformização com os outros países de língua portuguesa que ou não aplicam o dito Acordo ou do mesmo resulta que sigam regras diferentes, graças à pronúncia que utilizam.

Um bom exemplo disto resulta da tradução do livro da autora argentina María Gainza, que em espanhol se chama “El nervio óptico”, mas que em acordês se transforma em “O Nervo Ótico”. O problema é que sempre se utilizou na língua portuguesa a expressão “ótico” como relativa ao ouvido, reservando-se o termo “óptico” para a visão. Tal é o significado dos respectivos antecedentes gregos “otikos” e “optikos”. O Acordo Ortográfico de 1990 aboliu esta distinção essencial mas apenas no português padrão, o de Portugal, continuando a distinção a existir no português do Brasil. Puro absurdo.

E o mesmo sucede com outras palavras como “recepção” e “concepção”, que se conservam sem alterações na ortografia brasileira, mas que na portuguesa passam a “receção” e “conceção”, facilmente confundíveis com “recessão” e “concessão”. Qual a necessidade de abolir a grafia anterior se o que se consegue é criar uma ortografia que ainda mais se diferencia da dos outros países lusófonos?

Isto já para não falar da multiplicação dos erros de escrita que o Acordo Ortográfico de 1990 causou, com a absurda directriz de querer abolir as consoantes mudas, estando muita gente a abolir consoantes que continuam a pronunciar-se. É assim que já se viu aparecer erros como “fato”, “infeto”, “corruto”, que demonstram bem a falta de critério na abolição das consoantes pretensamente mudas.

Mais: a expressão culta “ruptura”, mais próxima do latim, foi transformada em “rutura”, esquecendo-se que já existia a variante popular “rotura”; fala-se em “ótico” para a visão, mas esquece-se que a medição da mesma continua a ser a “optometria”; e os egípcios, pelos vistos, passaram agora a viver no “Egito”, esquecendo-se que a palavra Egipto tem origem no deus Ptah que, tanto quanto se sabe, ainda não passou a Tah. Lastimável e, por tudo isto, denunciável.

Henrique Salles da Fonseca

(adaptação de texto apócrifo recebido por e-mail)

Tags: "língua portuguesa"

COMENTÁRIOS

 Adriano Miranda Lima  21.03.2022  20:03: Parece ser uma causa perdida, Dr. Salles da Fonseca, o que é difícil de aceitar para quem, como nós, jamais deixará de escrever conforme as regras anteriores.


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