Em governos atrelados à canga das suas
forragens de empréstimo e respectiva distribuição, as anomalias linguísticas
resultantes desse acordo de um aparente “favorecimento” da acessibilidade
gráfica para povos de culturas díspares – que, aliás, o desprezam - há muito
deixaram de interessar, acomodados que estamos, na distância do nosso
isolamento cultural, por demais votado à deglutição, como manifestam tantos
programas televisivos da nossa praça, de mesa posta, de manhã, à tarde e à
noite, para recreação dos corpos e das almas. Por isso, bem prega Frei Tomás,
ou seja, o Dr Salles, na sua ousadia irreverente de patriota cordato, mas cada
vez mais distante, nos seus princípios de lógica linguística, até mesmo dos que
dantes pareciam interessar-se por igual fenómeno significativo da nossa
irreparável inépcia e mândria cultural.
POBRE LÍNGUA PORTUGUESA
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 20.03.22
O
Acordo Ortográfico de 1990 – a que os preguiçosos se referem por AO90 -
contribui para abolir as ligações etimológicas da língua portuguesa e,
portanto, as variantes cultas das palavras. Ao ver privilegiada a via fónica, a
língua escrita significativamente erudita, transforma-se numa linguagem de
boçalidade.
O
português padrão (o que se fala e escreve em Portugal expurgado de
regionalismos) está a transformar-se num estranho dialecto com determinações
incompreensíveis que se afastam da etimologia e das restantes línguas latinas.
Com a agravante de nem sequer haver qualquer uniformização com os outros países
de língua portuguesa que ou não aplicam o dito Acordo ou do mesmo resulta que
sigam regras diferentes, graças à pronúncia que utilizam.
Um
bom exemplo disto resulta da tradução do livro da autora argentina María
Gainza, que em espanhol se chama “El nervio óptico”, mas que
em acordês se transforma em “O Nervo Ótico”. O problema é que sempre
se utilizou na língua portuguesa a expressão “ótico” como relativa ao ouvido,
reservando-se o termo “óptico” para a visão. Tal é o significado dos
respectivos antecedentes gregos “otikos” e “optikos”. O Acordo Ortográfico de
1990 aboliu esta distinção essencial mas apenas no português padrão, o de
Portugal, continuando a distinção a existir no português do Brasil. Puro
absurdo.
E
o mesmo sucede com outras palavras como “recepção” e “concepção”, que se
conservam sem alterações na ortografia brasileira, mas que na portuguesa passam
a “receção” e “conceção”, facilmente confundíveis com “recessão” e “concessão”. Qual a necessidade de abolir a grafia
anterior se o que se consegue é criar uma ortografia que ainda mais se
diferencia da dos outros países lusófonos?
Isto
já para não falar da multiplicação dos erros de escrita que o
Acordo Ortográfico de 1990 causou, com a
absurda directriz de querer abolir as consoantes mudas, estando muita gente a
abolir consoantes que continuam a pronunciar-se. É assim que já se viu
aparecer erros como “fato”, “infeto”, “corruto”, que demonstram bem a falta
de critério na abolição das consoantes pretensamente mudas.
Mais:
a expressão culta “ruptura”, mais próxima do latim, foi transformada em
“rutura”, esquecendo-se que já existia a variante popular “rotura”; fala-se em
“ótico” para a visão, mas esquece-se que a medição da mesma continua a ser a
“optometria”; e os egípcios, pelos vistos, passaram agora a viver no “Egito”,
esquecendo-se que a palavra Egipto tem origem no deus Ptah que,
tanto quanto se sabe, ainda não passou a Tah. Lastimável e, por tudo isto,
denunciável.
Henrique
Salles da Fonseca
(adaptação
de texto apócrifo recebido por e-mail)
Tags: "língua portuguesa"
COMENTÁRIOS
Adriano Miranda Lima 21.03.2022 20:03:
Parece ser uma causa perdida, Dr. Salles da Fonseca, o
que é difícil de aceitar para quem, como nós, jamais deixará de escrever
conforme as regras anteriores.
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